quarta-feira, 25 de março de 2009




CAPÍTULO 21

- Imagino que já tenha ouvido falar de antimatéria, não é, senhor Langdon?

- Vittoria estudava-o, sua pele morena contrastando nitidamente com a brancura

do laboratório.

Langdon levantou a cabeça. Estava bastante zonzo.

- Sim, isto é, mais ou menos.

Um ligeiro sorriso aflorou-lhe aos lábios.

- O senhor vê Jornada nas Estrelas.

Langdon enrubesceu.

- Bem, meus alunos gostam... - Ele franziu a testa. - Antimatéria é o

combustível da Enterprise?

Ela concordou com um gesto.

- A boa ficção científica tem suas raízes na boa ciência.

- Quer dizer que existe antimatéria?

- Um fato da natureza. Tudo tem seu oposto. Os prótons têm os elétrons.

Os up-quarks têm os down-quarks. Há uma simetria cósmica no nível subatômico.

A antimatéria é o yin do yang da matéria. Equilibra a equação física.

Langdon lembrou Galileu e sua crença na dualidade.

- Os cientistas sabem desde 1918 - explicou ela - que dois tipos de matéria

foram criados no Big-Bang. Um deles é o que vemos aqui na Terra, formando

rochas, árvores, pessoas. O outro é o inverso, idêntico à matéria em todos os

sentidos, exceto que as cargas de suas partículas são invertidas.

Kohler falou como se emergisse de um nevoeiro, a voz instável.

- Existem enormes barreiras tecnológicas para se armazenar antimatéria. E

quanto à neutralização?

- Meu pai criou um vácuo de polaridade inversa para puxar os pósitrons de

antimatéria para fora do acelerador antes que se desintegrassem.

Kohler objetou.

- Mas o vácuo também puxaria a matéria para fora. Não haveria como

separar as partículas.

- Ele aplicou um campo magnético. A matéria arqueia-se para a direita, a

antimatéria, para a esquerda. Têm polaridades opostas.

Naquele instante, abriu-se uma brecha na muralha de dúvidas de Kohler.

Ele levantou os olhos para Vittoria claramente espantado e, em seguida, foi

tomado por um acesso de tosse.

- Ina... credi... tável - disse, enxugando a boca. - No entanto... - parecia que

sua lógica ainda resistia -, mesmo que o vácuo funcionasse, esses tubos são feitos

de matéria. A antimatéria não pode ser armazenada dentro de tubos feitos de

matéria. A antimatéria reagiria de imediato com...

- O espécime não está tocando o tubo - disse Vittoria, que já devia esperar

a pergunta. - A antimatéria está suspensa. Os tubos são chamados de "armadilhas

de antimatéria" porque literalmente prendem a antimatéria no centro do tubo,

suspendendo-a a uma distância segura das laterais e do fundo.

- Suspensa? Mas... como?

- Na interseção de dois campos magnéticos. Venha, dê uma olhada aqui.

Vittoria atravessou a sala e apanhou um grande aparelho eletrônico.

Lembrou a Langdon uma espécie de pistola luminosa para projetar desenhos

animados: um cano largo parecido com o de um canhão, um visor no topo e um

emaranhado de dispositivos eletrônicos pendurado atrás. Vittoria alinhou o visor

com um dos tubos, olhou pela lente e calibrou alguns botões. Depois, afastou-se

para Kohler poder olhar. Este perguntou, pasmo:

- Vocês coletaram porções visíveis?

- Cinco mil nanogramas - respondeu Vittoria. - Plasma líquido contendo

milhões de pósitrons.

- Milhões? Mas umas poucas partículas foi tudo o que já se detectou... em

qualquer lugar.

- Xenônio - disse Vittoria, categórica. - Ele acelerou um feixe de partículas

através de um jato de xenônio, separando os elétrons. Insistia em manter em

segredo o procedimento exato, mas este implicava injetar simultaneamente

elétrons puros no acelerador.

Langdon estava perdido, tinha a impressão de que não falavam mais a

mesma língua.

Kohler parou, as linhas de sua testa aprofundando-se. Súbito, prendeu

rapidamente a respiração e seus ombros se curvaram, como se tivesse sido

atingido por uma bala.

- Tecnicamente, isso deixaria...

Vittoria sacudiu a cabeça.

- É. Um bocado.

Kohler voltou a atenção para o tubo diante dele. Vacilante, ergueu o corpo

na cadeira e colocou um olho no visor. Ficou olhando durante muito tempo sem

dizer palavra. Quando afinal se sentou, sua testa estava coberta de suor. As linhas

em seu rosto haviam desaparecido. Sua voz era um sussurro.

- Meu Deus... Você conseguiu mesmo.

Vittoria corrigiu-o.

- Meu pai conseguiu.

- Nem sei o que dizer.

Vittoria virou-se para Langdon.

- Gostaria de dar uma espiada? - E fez um gesto para o aparelho.

Sem saber o que tinha pela frente, Langdon aproximou-se. A dois passos

de distância, o tubo parecia vazio. O que quer que houvesse lá dentro, era

diminuto. Ele encostou o olho no visor. Levou um instante até a imagem entrar

em foco.

Então, ele viu. O objeto não estava no fundo do recipiente como ele

esperava, mas flutuando no meio, suspenso no ar, um glóbulo tremeluzente de um

líquido parecido com mercúrio. Pairando como em um passe de mágica, o líquido

agitava-se no espaço. Pequenas ondulações metálicas percorriam a superfície da

gotícula. O fluido em suspensão trouxe à mente de Langdon um vídeo em que vira

uma gota de água em gravidade zero. Mesmo sabendo que o glóbulo era

microscópico, podia acompanhar cada mudança de forma à medida que a bola de

plasma ia se movimentando vagarosamente.

- Está flutuando - disse.

- É bom que esteja - replicou Vittoria. - A antimatéria é altamente instável.

Do ponto de vista energético, a antimatéria é a imagem espelhada da matéria, de

modo que as duas instantaneamente se cancelam uma à outra se entram em

contato. Manter a antimatéria isolada da matéria é sem dúvida um desafio, porque

tudo na Terra é feito de matéria. As amostras têm de ser guardadas sem jamais

tocarem qualquer coisa, até o ar.

Langdon estava admirado. Imagine trabalhar no vácuo.

- Esses recipientes da antimatéria - interrompeu Kohler, deslizando um

dedo pálido em volta de uma das bases -, foi seu pai quem os projetou?

- Não, na verdade, fui eu.

Kohler encarou-a.

A voz dela soava despretensiosa.

- Meu pai produziu as primeiras partículas de antimatéria, mas viu-se em

apuros para armazená-las. Eu sugeri esses recipientes. Cápsulas herméticas

nanocompósitas com eletromagnetos opostos em cada extremidade.

- Parece que a genialidade de seu pai passou para você.

- Na verdade, não. Tirei a idéia da natureza. As caravelas, ou águas-vivas,

capturam peixes entre seus tentáculos usando cargas de líquido urticante de

nematocistos. Temos o mesmo princípio aqui. Cada tubo tem dois eletroímãs, um

em cada extremidade. Seus campos magnéticos opostos cruzam-se no centro do

tubo e mantêm a antimatéria ali, suspensa no vácuo.

Langdon voltou-se mais uma vez para o tubo. Antimatéria flutuando no

vácuo, sem tocar coisa alguma.

Kohler tinha razão. Era genial.

- Onde está a fonte de energia para os ímãs? - perguntou Kohler.

Vittoria apontou.

- Na coluna que fica embaixo de cada tubo. Os tubos são aparafusados em

módulos de acoplamento que os recarregam continuamente, de modo que os

magnetos nunca param de funcionar.

- E se o campo magnético parar de funcionar?

- Acontece o óbvio. A antimatéria cai, atinge o fundo do tubo e dá-se um

aniquilamento.

Langdon apurou os ouvidos e repetiu:

- Aniquilamento? - A palavra não lhe soava nada bem.

Vittoria não demonstrava preocupação.

- Sim. Se a antimatéria e a matéria entram em contato uma com a outra,

ambas são destruídas instantaneamente. Os físicos chamam a esse processo de

aniquilamento, ou desmaterialização.

-Ah.

- É a reação mais simples da natureza, uma partícula de matéria e uma

partícula de antimatéria combinam-se para liberar duas novas partículas,

chamadas fótons. Um fóton é na verdade uma diminuta chispa de luz.

Langdon já lera sobre fótons - partículas de luz -, a mais pura forma de

energia. Resolveu não perguntar sobre o uso de torpedos de fótons pelo capitão

Kirk contra os Klingons.

- Então, se a antimatéria cair, vemos uma minúscula centelha de luz?

- Depende do que chama de minúscula. Veja, vou mostrar como é.

E ela começou a desatarrachar um dos tubos da coluna condutora de

eletricidade que o mantinha carregado.

Kohler deu um grito apavorado e atirou-se para a frente, empurrando as

mãos dela.

- Vittoria! Você enlouqueceu?!

CAPÍTULO 22

Kohler, por incrível que pudesse parecer, ficou de pé por um momento,

cambaleando nas duas pernas atrofiadas. Seu rosto estava branco de medo.

- Vittoria! Você não pode tirar esse tubo daí!

O pânico repentino do diretor assustou Langdon.

- Quinhentos nanogramas! - exclamou Kohler. - Se você interromper o

campo magnético...

- Diretor - Vittoria tranqüilizou-o -, é totalmente seguro. Cada tubo tem um

dispositivo de segurança, uma bateria própria para o caso de ser removido de seu

recarregador. O espécime continua em suspensão mesmo que eu tire o tubo da

coluna.

Kohler não parecia muito convencido. Depois, hesitante, instalou-se de

volta na cadeira.

- As baterias são ativadas automaticamente - continuou Vittoria - quando o

tubo é retirado do recarregador.

Funcionam durante 24 horas. Como um tanque de reserva de gasolina. -

Ela se virou para Langdon, percebendo sua preocupação. - A antimatéria tem

algumas características surpreendentes, senhor Langdon, que a tornam um bocado

perigosa. Calcula-se que uma amostra de dez miligramas, do tamanho de um grão

de areia, contenha tanta energia quanto umas 200 toneladas de combustível

comum de foguetes.

A cabeça de Langdon estava girando outra vez.

- É a fonte de energia do futuro. Mil vezes mais poderosa do que a energia

nuclear. Cem por cento eficiente. Sem produzir derivados, subprodutos. Sem

produzir radiação. Sem produzir poluição. Alguns gramas bastariam para suprir de

energia uma grande cidade durante uma semana.

Gramas? Langdon recuou alguns passos, inquieto.

- Não se preocupe - repetiu Vittoria. - Essas amostras são frações

minúsculas de um grama, milionésimos.

Relativamente inofensivas. - Ela estendeu a mão novamente para o tubo e

desencaixou-o de sua plataforma de recarregamento.

Kohler estremeceu ligeiramente, mas não interferiu. Quando o tubo foi

solto, ouviu-se um bipe agudo e acendeu-se um pequeno mostrador luminoso

perto da sua base. Os dígitos vermelhos piscavam, em uma contagem regressiva

de 24 horas.

24:00:00...

23:59:59...

23:59:58...

Inquietante como uma bomba-relógio, pensou Langdon, acompanhando a

seqüência descendente dos números.

- A bateria - explicou Vittoria - vai funcionar durante 24 horas completas

antes de acabar. Para recarregá-la, basta colocar o tubo de volta no lugar. Foi

projetada como medida de segurança, mas também é conveniente para transporte.

- Transporte? - Kohler parecia ter sido fulminado por um raio. - Você leva

isso para fora do laboratório?

- Claro que não - disse Vittoria. - Mas a mobilidade nos permite estudá-lo.

Vittoria levou os dois para a extremidade da sala, puxou uma cortina atrás

da qual havia uma janela, que por sua vez revelou um amplo quarto. As paredes, o

piso e o teto haviam sido inteiramente revestidos de aço. Langdon lembrou-se do

tanque de um petroleiro em que viajara para Papua, Nova Guiné, para estudar a

pintura corporal Hanta.

- É um tanque de aniquilamento - declarou Vittoria.

Kohler levantou a cabeça.

- Você consegue observar de fato os aniquilamentos?

- Meu pai era fascinado pela física do Big-Bang. Uma enorme quantidade

de energia vinda de minúsculos grãos de matéria. - Vittoria puxou uma gaveta de

aço embutida sob a janela. Colocou o tubo dentro dela e fechou-a. Em seguida,

moveu uma alavanca ao lado da gaveta. Logo depois, o tubo apareceu do outro

lado do vidro, deslizando suavemente em um amplo movimento circular pelo chão

de metal até parar perto do centro do aposento.

Vittoria deu um sorriso tenso.

- Vocês estão prestes a assistir a seu primeiro aniquilamento matéria-antimatéria.

Alguns milionésimos de grama. Uma amostra relativamente minúscula.

Langdon olhou para o tubo de antimatéria pousado no chão do enorme

tanque. Kohler também se virou para a janela, com ar de incerteza.

- Normalmente - explicou Vittoria -, teríamos de esperar as 24 horas

completas até a bateria acabar, mas esta câmara tem ímãs sob o piso que podem

anular o efeito da bateria, fazendo a antimatéria sair do estado de suspensão. E,

quando matéria e antimatéria se tocam...

- Aniquilamento - murmurou Kohler.

- Mais uma coisa - disse ela. - A antimatéria libera energia pura. É 100 por

cento de conversão de massa em fótons. Por isso, não olhem diretamente para a

amostra. Protejam os olhos.

Langdon costumava ser cuidadoso, mas achou que Vittoria estava sendo

teatral demais. Não olhem direto para a amostra! O tubo encontrava-se a mais de

30 metros de distância, atrás de uma parede de plexiglas fumê. Além do mais, a

partícula nem se enxergava dentro do tubo, invisível, microscópica.

Proteger meus olhos? O quanto de energia aquele grã ozinho poderia...

Vittoria apertou um botão.

E a claridade cegou Langdon instantaneamente. Um ponto brilhante de luz

cintilou no tubo e depois explodiu para fora em uma onda de choque de luz que se

irradiou em todas as direções, indo de encontro à janela diante dele com uma

força tremenda. Ele recuou quando a detonação sacudiu a câmara. A luz ofuscou

por um momento, incandescente, cortante, e depois se recolheu depressa,

absorvendo-se em si mesma e transformando-se em um cisco diminuto que

desapareceu, virou um nada. Langdon piscou, com dor, aos poucos recuperando a

visão. Apertou os olhos. O tubo que estivera no chão desaparecera

completamente. Evaporara-se. Não havia sequer vestígio dele.

Boquiaberto, ele exclamou:

-D... Deus!

Vittoria balançou tristemente a cabeça.

- Era exatamente o que meu pai dizia.

CAPÍTULO 23

Kohler estava voltado para a câmara de aniquilamento, completamente

embasbacado com o espetáculo que acabara de presenciar. Ao lado dele, Robert

Langdon parecia ainda mais estupefato.

- Quero ver meu pai - exigiu Vittoria. - Já lhe mostrei o laboratório. Agora,

quero ver meu pai.

Kohler virou-se devagar, aparentemente não a escutando.

- Por que esperaram tanto, Vittoria? Você e seu pai deveriam ter-me

contado logo sobre essa descoberta.

Vittoria encarou-o. Quantas razões quer que eu apresente?

- Diretor, podemos falar sobre isso mais tarde. Neste momento, quero ver

meu pai.

- Sabe o que essa tecnologia implica?

- Claro - respondeu ela, ríspida. - Dinheiro para o CERN. Muito. Agora,

quero...

- Foi por isso que mantiveram segredo? - perguntou Kohler, claramente

tentando fazê-la engolir a isca. -

Porque temiam que o conselho e eu votássemos para que fosse licenciada?

- Deveria ser licenciada -Vittoria disparou de volta, sentindo-se obrigada a

discutir. - A antimatéria é uma tecnologia importante. Mas também é perigosa.

Meu pai e eu queríamos tempo para aperfeiçoar os procedimentos e torná-la

segura.

- Ou seja, vocês não confiaram que o conselho de diretores colocasse a

ciência prudente antes da ganância financeira.

Vittoria surpreendeu-se com a indiferença no tom de voz dele.

- Havia ainda outras questões a considerar - disse ela. - Meu pai e eu

queríamos apresentar a antimatéria sob uma luz adequada.

- O que quer dizer, exatamente...?

O que ele acha que quero dizer?

- Matéria vinda da energia? Algo vindo do nada? É praticamente uma

prova de que o Gênese é uma possibilidade científica.

- Então, seu pai não queria que as implicações da descoberta se perdessem

em uma investida furiosa de comercialismo?

- De certa forma, é isso mesmo.

- E você?

As preocupações dela, ironicamente, eram um tanto contrárias. O

comercialismo era crucial para o sucesso de qualquer nova fonte de energia.

Embora a antimatéria tivesse um tremendo potencial como fonte de energia

eficiente e não-poluente, se fosse divulgada prematuramente corria o risco de ser

difamada pelos políticos e sofrer os mesmos fracassos de relações públicas que

haviam arrasado com as energias nuclear e solar. A energia nuclear proliferara

antes de se tornar segura, e tinham acontecido acidentes. A energia solar

proliferara antes de se tornar eficiente e muita gente perdera dinheiro. As duas

tecnologias haviam adquirido má reputação e murchado antes de serem colhidas.

- Meus interesses - disse Vittoria - eram um pouco menos elevados do que

o de unir ciência e religião.

- O meio ambiente - sugeriu Kohler, confiante.

- Energia ilimitada. O fim da mineração de carvão de superfície. O fim da

poluição. Da radiação. A tecnologia da antimatéria poderia salvar o planeta.

- Ou destruí-lo - objetou Kohler, sarcástico. - Dependendo de quem o

usasse e para quê. - Uma frieza emanava das formas aleijadas de Kohler.

- Quem mais sabia disso? - perguntou ele.

- Ninguém - Vittoria responde. - Já lhe disse.

- Então, por que acha que mataram seu pai?

Os músculos de Vittoria se retesaram.

- Não tenho a menor idéia. Ele tinha inimigos aqui no CERN, como sabe,

mas não poderia haver nenhuma ligação com a antimatéria. Juramos um ao outro

manter sigilo durante mais alguns meses até estarmos devidamente preparados.

- E você tem certeza de que seu pai manteve esse voto de silêncio?

Vittoria zangou-se.

- Meu pai soube manter votos mais difíceis do que esse!

- E você não contou a ninguém?

- Claro que não!

Kohler deixou escapar um suspiro. Fez uma pausa, como se tivesse

escolhendo as palavras seguintes com cuidado.

- Vamos supor que alguém tenha descoberto. E que tenha conseguido

entrar no laboratório. O que você imagina que essa pessoa poderia querer? Seu pai

guardava anotações aqui embaixo? Alguma documentação sobre o processo

criativo?

- Diretor, fui muito paciente. Preciso de algumas respostas agora. O senhor

continua falando sobre uma invasão do laboratório mesmo tendo visto o scanner

de retina. Meu pai era muito atento à segurança e ao sigilo.

- Seja um pouco mais tolerante comigo - replicou Kohler, espantando-a.

- O que poderia estar faltando?

- Não tenho noção. - Irritada, Vittoria correu os olhos pelo laboratório.

Conferiu todas as amostras de antimatéria. A área de trabalho de seu pai parecia

em ordem. - Ninguém entrou aqui - declarou ela. - Tudo aqui em cima parece

estar bem.

Kohler ficou surpreso.

- Aqui em cima?

Vittoria falara sem pensar.

- É, aqui no laboratório de cima.

- Vocês estão usando o laboratório de baixo também?

- Para armazenamento.

Kohler deslizou sua cadeira na direção dela, tossindo outra vez.

- Você está usando a câmara Haz-Mat para armazenamento?

Armazenamento de quê?

Material perigoso, ora essa! Vittoria estava perdendo a paciência.

- Antimatéria.

Kohler ergueu o corpo apoiando-se nos braços de sua cadeira.

- Existem outros espécimes? Por que diabos não me disse?

- Estou dizendo agora - rebateu ela. - E o senhor mal me deu uma

oportunidade!

- Temos de verificar esses espécimes - disse Kohler. - Agora.

- Esse espécime - corrigiu Vittoria. - No singular. E o espécime está bem

guardado. Ninguém jamais poderia...

- Só um? - Kohler hesitou. - E por que não está aqui em cima?

- Meu pai queria que ficasse sob o leito de rocha como precaução. É maior

do que os outros.

Os olhares alarmados que Langdon e Kohler trocaram não passaram

despercebidos por Vittoria. Kohler aproximou-se novamente dela:

- Vocês criaram um espécime maior do que o de quinhentos nanogramas?

- Foi necessário - justificou Vittoria. - Tínhamos de provar que o limiar de

subsídio/rendimento poderia ser cruzado com segurança.

Segundo ela, a questão principal relacionada a novas fontes de combustível

era sempre a de subsídio versus rendimento, ou seja, quanto dinheiro era preciso

gastar para obter o combustível. Instalar uma perfuratriz de petróleo para produzir

um único barril seria um empreendimento perdido. Entretanto, se essa mesma

perfuratriz, com um acréscimo mínimo de despesa, conseguisse produzir milhões

de barris, então o negócio valeria a pena. O mesmo se aplicava à antimatéria.

Ativar 25 quilômetros de eletromagnetos para criar um espécime diminuto de

antimatéria gastava mais energia do que a antimatéria produzida continha.

Para provar que a antimatéria era eficiente e viável, fora necessário criar

espécimes de tamanho maior.

O pai de Vittoria relutara em criar um grande espécime, mas ela insistira

muito que o fizesse. Argumentava que, para a antimatéria ser levada a sério, eles

teriam de provar duas coisas: que era possível produzir quantidades que tornariam

o custo compensador e que os espécimes poderiam ser armazenados com

segurança. No final, ela vencera e o pai concordara a contragosto. Entretanto, não

sem determinar algumas diretrizes firmes com relação a sigilo e acesso. A

antimatéria, seu pai fizera questão, ficaria guardada em Haz-Mat - uma pequena

cavidade de granito localizada a uns 30 metros mais abaixo do solo. Aquele

espécime seria seu segredo particular. E só os dois teriam acesso a ele.

- Vittoria? - insistiu Kohler, a voz tensa. - De que tamanho é esse espécime

que você e seu pai criaram?

Vittoria sentiu um estranho prazer. Sabia que a quantidade iria chocar até

mesmo o grande Maximilian Kohler. Visualizou a antimatéria lá embaixo. Uma

imagem incrível. Suspensa dentro do tubo, perfeitamente visível a olho nu,

dançava uma diminuta esfera de antimatéria. Não se tratava dessa vez de um grão

microscópico. Era uma gotícula do tamanho de uma bateria BB.

Vittoria respirou fundo.

- Tem 250 miligramas.

O sangue fugiu do rosto de Kohler.

- O quê! - Ele teve um acesso de tosse. - Duzentos e cinqüenta miligramas?

Isso se converte em... quase cinco quilotons!

Quilotons. Vittoria detestava aquela palavra. Ela e o pai nunca a usavam.

Um quilotons era igual a 1.000 toneladas de TNT. Quilotons eram para armas.

Mísseis. Poder destrutivo. Vittoria e seu pai só falavam de elétron-volts e

joules, produção construtiva de - Essa quantidade de antimatéria pode literalmente

liquidar tudo em um raio de quase um quilômetro! - exclamou Kohler.

- Sim, se for aniquilada toda de uma vez - revidou Vittoria -, o que

ninguém jamais fará!

- Exceto quem não tenha conhecimento disso! Ou se as suas baterias

falharem!

Kohler já se dirigia para o elevador.

- Razão por que meu pai a mantinha em Haz-Mat com dispositivos de

energia à prova de falhas e um sistema de segurança a mais.

Kohler virou-se, esperançoso.

- Vocês têm segurança adicional em Haz-Mat?

- Sim, um segundo scanner de retina.

Kohler só pronunciou três palavras.

- Vamos descer. Agora.

O elevador de carga despencou como uma pedra mais trinta metros para

dentro da terra.

Vittoria percebeu que havia medo nos dois homens à medida que o

elevador descia. O rosto habitualmente impassível de Kohler estava retesado. Eu

sei que o espécime é enorme, pensou ela, mas as precauções que tomamos são...

Chegaram ao fundo.

O elevador se abriu e Vittoria saiu na frente pelo corredor mal iluminado.

Adiante, o corredor terminava em uma grande porta de aço. Haz-Mat. O scanner

de retina era idêntico ao do andar de cima. Ela se aproximou.

Com cuidado, alinhou seu olho com a lente.

E recuou. Algo estava errado. A lente em geral imaculada estava

respingada, manchada com alguma coisa que se parecia com.., sangue? Confusa,

ela se virou para os dois homens e deu com seus rostos cor de cera. Tanto Kohler

quanto Langdon estavam pálidos, os olhos fixos no chão perto dos pés dela.

Vittoria acompanhou a direção do olhar deles...

- Não! - gritou Langdon, inclinando-se para ela. Mas era tarde demais.

A visão de Vittoria ficou presa ao objeto no chão. Era-lhe ao mesmo tempo

totalmente estranho e intimamente familiar.

Levou apenas um instante.

Então, com uma sensação vertiginosa de horror, ela soube o que era.

Olhando-a do chão, atirado ali como se fosse lixo, havia um globo ocular.

Ela teria reconhecido aquele tom de castanho em qualquer lugar.

CAPÍTULO 24

O técnico de segurança prendeu a respiração quando seu chefe se inclinou

por cima de seu ombro, examinando a bancada de monitores de vigilância diante

dos dois. Passou-se um minuto.

O silêncio do chefe era de se esperar, disse o técnico para si mesmo. O

chefe era um homem que seguia rigidamente o protocolo. Não chegara ao

comando de uma das forças de segurança de elite do mundo por falar primeiro e

pensar depois.

Mas o que ele estaria pensando?

O objeto que eles observavam no monitor era um tipo de tubo, um cilindro

com laterais transparentes. Até aí, era fácil. O resto é que era difícil.

Dentro do recipiente, como se por algum efeito especial, uma pequena gota

de líquido metálico parecia flutuar no vazio. A gotícula aparecia e desaparecia

com o piscar da luz vermelha robótica de um mostrador digital marcando uma

contagem resolutamente descendente, o que fazia o técnico se arrepiar todo.

- Dá para clarear o contraste? - perguntou o comandante, fazendo o técnico

sobressaltar-se.

O técnico seguiu a instrução e a imagem clareou um pouco. O comandante

curvou-se para a frente, fixando os olhos em algo que acabara de se tornar visível

na base do recipiente.

O técnico acompanhou o olhar de seu chefe. Quase indistinto, impresso ao

lado do mostrador, havia um acrônimo. Quatro letras maiúsculas brilhavam nos

fachos intermitentes de luz.

- Fique aqui - determinou o comandante. - Não diga nada a ninguém. Eu

cuido disso.

CAPÍTULO 25

Haz-Mat. Cinqüenta metros abaixo do solo.

Vittoria Vetra cambaleou para a frente, quase indo de encontro ao scanner.

Percebeu que o americano se precipitava para ajudá-la, para ampará-la. No chão a

seus pés, o globo ocular de seu pai estava voltado para cima. Ela sentiu a pressão

nos pulmões, o ar escapando. Arrancaram o olho dele! Seu mundo girava em um

redemoinho. Kohler falava perto dela, pressionando-a. Langdon guiava-a. Como

em um sonho, viu-se olhando no scanner de retina. O mecanismo emitiu um bipe.

A porta deslizou e se abriu.

Mesmo com o terror do olho do pai assombrando sua alma, Vittoria

pressentiu que um outro motivo de terror a esperava lá dentro. Quando ergueu o

olhar anuviado para o interior do aposento, confirmou-se o capítulo seguinte do

pesadelo. A solitária coluna de recarga encontrava-se vazia.

O tubo que ficava acoplado à coluna se fora. Haviam cortado o olho de seu

pai para roubá-lo. As implicações vieram depressa demais para que ela as

compreendesse por completo. Tudo resultara contrário ao esperado. O espécime

destinado a provar que a antimatéria era uma fonte de energia segura e viável

havia sido roubado. Mas ninguém sequer sabia que esse espécime existia! A

verdade, contudo, era irrefutável. Alguém descobrira. Ela não conseguia imaginar

quem poderia ser. Até Kohler, que, dizia-se,sabia de tudo no CERN, claramente

desconhecia a existência do projeto.

Seu pai estava morto. Assassinado por ser um gênio.

Enquanto a dor apertava seu coração, uma nova emoção tomava forma na

consciência de Vittoria. Muito pior. Esmagadora. Mortificando-a. Essa emoção

era a culpa. Culpa incontrolável, implacável. Havia sido ela quem convencera o

pai a criar o espécime. A contragosto. E ele morrera por causa disso.

Um quarto de grama...

Como qualquer tecnologia - o fogo, a pólvora, o motor de combustão -, nas

mãos erradas, a antimatéria podia ser nefasta. Muito nefasta. A antimatéria era

uma arma letal. Potente e incontrolável. Uma vez removida de sua plataforma de

recarga no CERN, começaria a inexorável marcação regressiva no contador.

Seria como um trem desgovernado.

E quando o tempo se esgotasse...

Uma luz cegante. O rugido de um trovão. Incineração espontânea. Apenas

o clarão.., e uma cratera vazia.

Uma imensa cratera vazia.

A imagem da serena genialidade de seu pai sendo usada como ferramenta

de destruição era como um veneno em seu sangue. A antimatéria era a arma

terrorista por excelência. Não possuía peças de metal a serem identificadas por

detectores de metal, não continha elementos químicos que pudessem ser

rastreados por cães, não tinha detonador a ser desativado se as autoridades

localizassem o recipiente. A contagem regressiva começara.

Langdon não sabia mais o que fazer. Pegou seu lenço e cobriu com ele o

olho de Leonardo Vetra no chão.

Vittoria parara na entrada da câmara Haz-Mat, no rosto uma mistura de

sofrimento e pânico. Langdon dirigiu-se instintiva- mente para ela outra vez, mas

Kohler interveio.

- Senhor Langdon? - disse ele, a face inexpressiva. Fez sinal para que

Langdon se afastasse para não serem ouvidos. O outro seguiu-o relutante,

deixando Vittoria entregue a si mesma. - O senhor é o especialista - disse Kohler,

em um sussurro enfático. - Quero saber o que esses desgraçados desses Illuminati

pretendem fazer com a antimatéria.

Langdon tentou se concentrar. A despeito de toda a loucura a seu redor, sua

primeira reação foi lógica.

Rejeição acadêmica. Kohler ainda estava fazendo suposições, suposições

impossíveis.

- Os Illuminati estão extintos, senhor Kohler, eu lhe garanto. Esse crime

poderia ter qualquer explicação, talvez um outro funcionário do CERN tenha

descoberto algo sobre o trabalho do senhor Vetra e achado que o projeto seria

perigoso demais para prosseguir.

Kohler admirou-se.

- O senhor acredita que esse seja um crime de consciência, senhor

Langdon? Absurdo. Quem matou Leonardo Vetra queria apenas uma coisa: a

amostra de antimatéria. E sem dúvida tem planos de usá-la.

- Quer dizer, terrorismo.

- Com certeza.

- Mas os Illuminati não eram terroristas.

- Diga isso a Leonardo Vetra.

Havia um fundo de verdade na afirmação. Leonardo Vetra fora de fato

marcado a ferro em brasa com o símbolo dos Illuminati. De onde viera aquilo? A

marca sagrada seria uma mistificação difícil demais para ser usada por alguém

que quisesse despistar lançando as suspeitas em outro lugar. Deveria haver uma

outra explicação.

Mais uma vez, Langdon se viu forçado a considerar o implausível. Se os

Illuminati ainda estivessem ativos e se tivessem roubado a antimatéria, qual seria

a sua intenção? Qual seria o seu alvo? A resposta que sua mente forneceu foi

instantânea. Langdon descartou-a igualmente depressa. É verdade que os

Illuminati tinham um inimigo óbvio, mas um ataque terrorista em larga escala a

esse inimigo era inconcebível. E em total desacordo com o caráter da fraternidade.

Sim, os Illuminati haviam matado pessoas, mas indivíduos, alvos cuidadosamente

escolhidos. Destruição em massa, de certa forma, era algo mais grosseiro.

Langdon fez uma pausa. Entretanto, refletiu, haveria uma eloqüência majestosa

naquilo, a antimatéria, proeza científica definitiva, sendo usada para fazer

desaparecer...

Recusava-se a aceitar aquele pensamento absurdo. E disse subitamente:

- Existe uma explicação lógica além do terrorismo.

Kohler esperou que ele continuasse.

Langdon procurou pôr em ordem o raciocínio. Os Illuminati sempre

haviam exercido um poder extraordinário utilizando-se de recursos financeiros.

Eles controlavam bancos. Guardavam lingotes de ouro e prata. Dizia-se inclusive

que possuíam a pedra preciosa mais valiosa do mundo, o Diamante

Illuminati, um diamante de grandes proporções, absolutamente perfeito.

- Dinheiro - disse Langdon. - A antimatéria pode ter sido roubada para a

obtenção de ganho financeiro.

Kohler demonstrou incredulidade.

- Ganho financeiro? Onde se pode vender uma gotícula de antimatéria?

- Não a amostra - rebateu Langdon. - A tecnologia. A tecnologia da antimatéria

deve valer uma fábula.

Talvez alguém a tenha roubado para analisá-la e fazer P&D - Pesquisa e

Desenvolvimento.

- Espionagem industrial? Aquele tubo vai durar só 24 horas até as baterias

acabarem. Os pesquisadores explodiriam antes de conseguirem descobrir qualquer

coisa.

- Poderiam recarregá-las antes que explodissem. Poderiam construir uma

plataforma compatível de recarregamento, igual às daqui do CERN.

- Em 24 horas? - desafiou Kohler - Mesmo que roubassem o projeto, um

recarregador como aquele levaria meses para ser construído, não horas!

- Ele tem razão - disse Vittoria, a voz fraca.

Os dois homens se viraram. Vittoria aproximava-se, os passos tão trêmulos

quanto suas palavras.

- Ele tem razão. Ninguém conseguiria projetar e construir um recarregador

como aquele a tempo. Só a interface levaria semanas. Filtros de fluxo, sistemas de

servocontrole das bobinas, ligas condicionadoras de força, todos calibrados para o

grau de energia específico da peça.

Langdon franziu o cenho. Não havia mais o que discutir. A peça que

continha a antimatéria não podia ser simplesmente ligada a uma tomada na

parede. Uma vez removido do CERN, o tubo especial iniciava uma viagem de ida

sem volta, uma viagem de 24 horas rumo ao fim, ao esquecimento.

O que deixava apenas uma conclusão muito perturbadora.

- Precisamos chamar a Interpol - disse Vittoria. Até para si mesma, sua voz

soava distante. - Temos de chamar as autoridades competentes. Agora, já.

Kohler meneou a cabeça.

- De jeito nenhum.

Essas palavras atordoaram-na.

- Por que não?

- Você e seu pai puseram-me em uma situação muito difícil.

- Diretor, precisamos de ajuda. Temos de encontrar aquele tubo e trazê-lo

de volta para cá antes que alguém se machuque. É nossa responsabilidade!

- Temos a responsabilidade de pensar - disse Kohler, com dureza na voz.

- Esta situação pode ter repercussões muito, muito sérias para o CERN.

- Está preocupado com a reputação do CERN? Sabe o que aquele material

poderia fazer com uma área urbana? Tem um raio de explosão de oitocentos

metros! Nove quarteirões!

- Talvez você e seu pai devessem ter levado isso em consideração antes de

criarem o espécime.

Vittoria teve a sensação de estar sendo apunhalada.

Mas... nós tomamos todas as precauções.

- Ao que tudo indica, não foram suficientes.

- E ninguém sabia da existência da antimatéria.

Ela se deu conta, evidentemente, de que aquele argumento era absurdo.

Claro que alguém soubera.

Alguém descobrira.

Vittoria não contara a ninguém. Restavam então apenas duas explicações.

Ou seu pai fizera confidências a alguém sem dizer nada a ela, o que não fazia

sentido porque havia sido ele quem exigira que jurassem segredo, ou ela e o pai

haviam sido monitorados. Quem sabe, pelo telefone celular? Eles haviam falado

um com o outro algumas vezes enquanto Vittoria estava viajando. Teriam falado

demais? Era possível. Havia também os e-mails de ambos. Mas eles haviam sido

discretos, não é? O sistema de segurança do CERN? Teriam sido monitorados

sem que soubessem?

Nada daquilo importava mais. O que fora feito estava feito. Meu pai está

morto.

O pensamento incitou-a a agir. Tirou o telefone celular do bolso do short.

Kohler acelerou a cadeira em sua direção, tossindo violentamente, os olhos

faiscando de raiva.

- Quem você está chamando?

- A mesa telefônica do CERN. Eles podem nos ligar com a Interpol.

- Pense! - Kohler esgasgou-se, a cadeira freando com um guincho na frente

dela. - Será que é assim tão ingênua? Aquele tubo pode estar em qualquer lugar do

mundo agora! Nenhum serviço secreto vai ser capaz de se mobilizar para

encontrá-lo a tempo.

- Então não fazemos nada? - Vittoria sentia remorsos por desafiar um

homem de saúde tão frágil, mas o diretor estava de tal maneira fora dos eixos que

ela não o reconhecia mais.

- Fazemos o que é mais inteligente - disse Kohler. - Não colocamos a

reputação do CERN em risco envolvendo autoridades que de qualquer modo não

podem ajudar. Ainda não. Não sem antes pensar.

Vittoria admitia que havia uma certa lógica na argumentação dele, mas

sabia que a lógica, por definição, era destituída de responsabilidade moral. Seu pai

vivera pela responsabilidade moral: ciência cautelosa, compromisso de prestar

contas, fé na bondade inerente do homem. Vittoria também acreditava nestas

coisas, mas as via em termos de carma. Afastou-se de Kohler e abriu o telefone

com um gesto rápido.

- Você não pode fazer isso - ele disse.

- Tente me impedir.

Ele não saiu do lugar.

No instante seguinte, Vittoria percebeu por quê. Àquela profundidade, o

celular não tinha sinal.

Furiosa, ela seguiu para o elevador.

CAPÍTULO 26

O Hassassin encontrava-se no fim do túnel de pedra. Sua tocha ainda ardia,

a fumaça misturando-se com o cheiro de musgo e de ar parado. O silêncio o

rodeava. A porta de ferro que lhe fechava o caminho parecia tão velha quanto o

próprio túnel, enferrujada mas ainda firme. Ele esperou na penumbra, confiante.

Estava quase na hora.

Janus prometera que alguém lá de dentro abriria a porta. O Hassassin

estava encantado com aquela traição. Teria esperado a noite inteira diante da porta

para realizar sua tarefa, mas pressentia que isso não seria necessário. Estava

trabalhando para homens determinados.

Minutos depois, precisamente à hora combinada, ouviu o ruído alto de

chaves pesadas entrechocando-se do outro lado. O atrito do metal contra o metal à

medida que múltiplas fechaduras se desencaixavam. Uma a uma, três imensas

cavilhas rangeram, abrindo-se. As dobradiças estalavam, pois não tinham sido

usadas durante séculos. Por fim, tudo foi destrancado.

Então, fez-se silêncio.

O Hassassin esperou, paciente, os cinco minutos, exatamente como lhe

haviam dito que fizesse.

Depois, com eletricidade correndo-lhe no sangue, ele deu um empurrão. A

grande porta se abriu.

CAPÍTULO 27

- Vittoria, não vou permitir! - Kohler respirava com dificuldade e foi

piorando enquanto o elevador subia.

Vittoria isolou-se dele. Ansiava por um refúgio, por algo familiar naquele

local que não se parecia mais com sua casa. Sabia que não poderia ser. Naquele

momento, precisava engolir a tristeza e agir. Procure um telefone.

Robert Langdon encontrava-se a seu lado, silencioso como sempre.

Vittoria desistira de tentar adivinhar quem seria ele. Um especialista? Kohler não

poderia ter sido menos preciso. O senhor Langdon pode nos ajudar a encontrar o

assassino de seu pai. Langdon não estava ajudando em nada. Sua cordialidade e

bondade pareciam bastante genuínas, mas era evidente que estava escondendo

alguma coisa. Os dois homens estavam.

Kohler investiu contra ela outra vez.

- Como diretor do CERN, tenho responsabilidades com o futuro da ciência.

Se você ampliar isto, transformar a situação em um incidente internacional e o

CERN for afetado...

- Futuro da ciência? - Vittoria voltou-se para ele. - O senhor realmente

planeja deixar de prestar contas e não admitir que a antimatéria saiu do CERN?

Pretende ignorar a vida das pessoas que pusemos em perigo?

- Nós não pusemos - contra-atacou Kohler. - Você, você e seu pai, sim.

Vittoria virou o rosto para o lado.

- E no que se refere a vidas em perigo - completou Kohler -, a própria vida

é que está em questão. Você sabe que a tecnologia da antimatéria tem enormes

implicações para a vida neste planeta. Se o CERN falir, destruído por um

escândalo, todos saem perdendo. O futuro do homem está nas mãos de

organizações como o CERN, de cientistas como você e seu pai, que trabalham

para resolver os problemas do amanhã.

Vittoria já escutara antes as teorias de Kohler a respeito de Deus e a

Ciência, e nunca as engolira. A própria ciência causava a metade dos problemas

que tentava resolver. O "Progresso" era a derradeira doença maligna da Mãe

Terra.

- O avanço científico traz riscos - argumentava Kohler. - Sempre trouxe.

Programas espaciais, pesquisa genética, medicina, todos cometem erros. A

ciência precisa sobreviver a seus próprios enganos e a qualquer custo. Para o bem

de todos.

Vittoria constatou a notável capacidade de Kohler para ponderar questões

morais com imparcialidade científica. O intelecto dele parecia ser o produto de

um gélido divórcio com seu próprio espírito interior.

- O senhor acredita que o CERN seja tão crucial para o futuro da Terra que

deva ficar imune a responsabilidades morais?

- Não me venha falar de moral. Você passou dos limites quando criou

aquele espécime e botou todas as nossas instalações em risco. Estou tentando

proteger não só os empregos dos três mil cientistas que trabalham aqui, como

também a reputação de seu pai. Pense nele. Um homem como seu pai não merece

ser lembrado como o criador de uma arma de destruição em massa.

Ele atingira o alvo certo. Fui eu quem convenceu meu pai a criar aquele

espécime. A culpa de tudo isso é minha!

Quando a porta se abriu, Kohler ainda estava falando. Vittoria saiu do

elevador, pegou seu telefone e tentou de novo.

Nada de sinal. Droga! Ela se encaminhou para a porta.

- Vittoria, pare. - A respiração do diretor soava mais asmática enquanto ele

acelerava sua cadeira atrás da moça. - Vá mais devagar. Precisamos falar.

- Basta di parlare!

- Pense em seu pai - insistiu Kohler. - O que ele faria?

Ela continuou andando.

- Vittoria, não fui totalmente sincero com você.

Ela diminuiu o ritmo.

- Não sei o que eu estava pensando - disse Kohler -, só queria proteger

você. Diga o que quer. Temos de trabalhar juntos nesta questão.

Vittoria parou perto do laboratório mas não se virou.

- Quero encontrar a antimatéria. E quero saber quem matou meu pai.

Ela ficou esperando. Kohler suspirou.

- Nós já sabemos quem matou seu pai. Sinto muito.

Surpresa, ela se virou para ele.

- Vocês o quê?

- Eu não sabia como contar a você. É difícil...

- Vocês sabem quem matou meu pai?

- Temos uma noção, sim. O assassino deixou uma espécie de cartão de

visitas. Foi por isso que chamei o senhor Langdon. O grupo que assumiu a autoria

do crime é a especialidade dele.

- O grupo? Um grupo terrorista?

- Vittoria, eles roubaram duzentos e cinqüenta miligramas de antimatéria.

Vittoria olhou para Robert Langdon ali perto, parado. Tudo começou a se

encaixar. Isto explica o sigilo.

Como não lhe ocorrera antes? Kohler então havia chamado as autoridades,

afinal. As autoridades. Agora, parecia óbvio. Robert Langdon era norteamericano,

de boa aparência, conservador, provavelmente muito sagaz. Quem

mais ele poderia ser? Ela deveria ter adivinhado desde o começo. Sentiu uma

renovada esperança ao se dirigir a ele.

- Senhor Langdon, quero saber quem matou meu pai. E também se sua

agência pode encontrar a antimatéria.

Langdon ficou embaraçado.

- Minha agência?

- O senhor é do serviço secreto americano, suponho.

- Na realidade.., não, não sou.

Kohler interveio.

- O senhor Langdon é professor de História da Arte na Universidade de

Harvard.

A informação caiu como um balde de água fria em Vittoria.

- Professor de Arte?

- Ele é especialista em simbologia de cultos - suspirou Kohler. - Vittoria,

acreditamos que a morte de seu pai foi parte de um culto satânico.

As palavras ecoaram na mente dela sem serem assimiladas. Um culto

satânico.

- O grupo que assumiu a autoria chama-se Illuminati.

Vittoria olhou de um para outro, imaginando se seria uma brincadeira de

mau gosto.

- Os Illuminati? - perguntou ela. - Como os Illuminati Bávaros?

- Você já ouviu falar deles? -- perguntou Kohler, admirado.

Ela sentiu as lágrimas de frustração se formando.

- Os Illuminati Bávaros: a Nova Ordem Mundial. Um jogo de computador.

Metade dos fanáticos por informática daqui joga isso na Internet. - A voz dela

falhou. - Mas não entendo...Langdon concordou.

- É um jogo bem popular. Uma antiga fraternidade toma conta do mundo. É

semi-histórico. Não sabia que estava na Europa também.

- De que está falando? - disse Vittoria, exaltada. - Os Illuminati? Mas se

trata de um jogo de computador!

- Vittoria - disse Kohler -, os Illuminati são o grupo que alega

responsabilidade pela morte de seu pai.

Ela reuniu toda a coragem que pôde encontrar para lutar contra as lágrimas.

Fez força para se controlar e avaliar a situação com lógica. Porém, quanto mais se

concentrava, menos compreendia. Seu pai fora assassinado. Ocorrera uma grave

falha de segurança no CERN. Havia uma bomba em contagem regressiva em

algum lugar e ela era responsável por isso. E o diretor chamara um professor de

História da Arte para ajudá-los a encontrar uma fraternidade mística de satanistas

Sentiu-se repentinamente muito só. Virou-se para ir embora, mas Kohler Postouse

à sua frente. Tirou algo do bolso, um papel de fax amassado, e entregou-o a ela.

Ela cambaleou, horrorizada, ao ver a imagem.

- Eles o marcaram a fogo - disse Kohler. - Os desgraçados marcaram o

peito dele a fogo.

CAPÍTULO 28

A secretária Sylvie Baudeloque estava em pânico. Andava de um lado para

outro diante da porta da sala vazia do diretor. Onde diabos andará ele? O que faço

agora?

Havia sido um dia esquisito. Claro, todos os dias de trabalho com

Maximilian Kohler tinham potencial para serem estranhos, mas o homem estivera

em grande forma naquele.

- Encontre Leonardo Vetra! - ordenara ele quando Sylvie chegou naquela

manhã.

Obedientemente, Sylvie enviara mensagem pelo pager, telefonara e

mandara e-mails para Leonardo Vetra.

E nada.

Então, Kohler saíra mal-humorado, tudo indicava que para procurar Vetra

ele próprio. Quando surgiu de volta algumas horas mais tarde, Kohler

decididamente não parecia bem... não que ele alguma vez de fato parecesse bem,

mas parecia pior do que de costume. Trancou-se no escritório e ela o ouviu

telefonar, falar, usar o computador, o fax. Depois, saiu de novo. E ainda não tinha

voltado desde então.

Sylvie decidira ignorar as extravagâncias de mais um melodrama

kohleriano, mas ficou preocupada quando ele não apareceu na hora certa de suas

injeções diárias. O estado de saúde do diretor exigia um tratamento regular e,

quando ele decidia abusar, os resultados nunca eram agradáveis: choque

respiratório, acessos de tosse e uma correria danada para o pessoal da enfermaria.

Às vezes, Sylvie achava que Maximilian

Kohler tinha um desejo inconsciente de morrer.

Ela considerou a possibilidade de mandar-lhe uma mensagem pelo pager

para lembrar as injeções, mas havia aprendido que o orgulho de Kohler não

tolerava aquele tipo de gesto. Na semana anterior, ele havia ficado tão enfurecido

com um cientista visitante que demonstrara pena dele a ponto de se equilibrar nas

pernas e atirar uma pasta na cabeça do homem. O rei Kohler ficava

surpreendentemente ágil quando estava pissé.

No momento, todavia, a preocupação de Sylvie pela saúde do diretor

deixara de ser prioridade e fora substituída por um dilema bem mais urgente. A

telefonista do CERN ligara cinco minutos antes, frenética,para dizer que tinha

uma chamada importantíssima para o diretor.

- Ele não está aqui, não pode atender agora - dissera Sylvie.

Então, a telefonista lhe disse quem estava chamando.

Sylvie deu uma risada alta.

- Está brincando, não é?

Escutou o que a outra dizia, incrédula.

- E a identificação dessa pessoa confirma... - Sylvie estava intrigada. - Está

bem. Será que você pode perguntar ao... - Ela suspirou. - Não. Está certo. Peça a

ele para esperar. Vou localizar o diretor agora mesmo. Sei, já entendi. Vou fazer

isso agora.

Mas Sylvie não conseguira encontrar o diretor. Ligara três vezes para o seu

celular e todas as vezes ouvira a mesma mensagem: "A linha está fora de área ou

desligada." Fora de área? Até onde ele poderia ter ido? Então, Sylvie ligara para o

bipe dele. Duas vezes. Sem resposta. Muito esquisito, ele não costumava agir

assim. Chegara até a mandar um e-mail para o computador portátil dele. Nada.

Como se o homem tivesse desaparecido da face da Terra.

E agora, o que faço? - pensava, aflita.

Além de sair ela própria procurando pelo CERN inteiro, Sylvie sabia que

havia somente uma outra maneira de chamar a atenção do diretor. Ele não ia ficar

nada satisfeito, mas o homem ao telefone não era alguém que o diretor pudesse

deixar esperando. E também parecia que a pessoa não estava muito disposta a

ouvir que o diretor não fora encontrado.

Impressionada com a própria audácia, Sylvie tomou a decisão. Entrou na

sala de Kohler e se dirigiu para a caixa de metal na parede atrás da escrivaninha

dele. Abriu a portinhola, examinou os controles e encontrou o botão certo.

Em seguida, respirou fundo e apanhou o microfone.

CAPÍTULO 29

Vittoria não se lembrava como eles haviam chegado ao elevador principal,

mas lá estavam eles. Subindo. Kohler encontrava-se atrás dela, a respiração

ruidosa e difícil. O olhar preocupado de Langdon passava por ela como se

atravessasse um fantasma. Ele lhe tirara o fax da mão e enfiara-o no bolso de seu

paletó, longe de sua vista, mas a imagem ainda lhe queimava a memória.

Enquanto o elevador se deslocava, o mundo de Vittoria mergulhava na

escuridão. Papa! Em sua mente, ela ia ao encontro dele. Por um momento, no

oásis de sua memória, Vittoria estava com ele. Tinha nove anos de idade,

correndo por colinas cheias de edelvais, o céu da Suíça acima de suas cabeças.

Papa! Papa!

Leonardo Vetra estava rindo ao lado dela, radiante.

- O que é, meu anjo?

- Papa! - ela ria, aconchegando-se a ele. - Faça uma pergunta sobre a

matéria!

- Sobre qual matéria, filha, como posso saber? É alguma coisa nova que

aprendeu na escola?

E ela imediatamente caiu na gargalhada.

- Ora, papai, pergunte sobre pedras, árvores, átomos, qualquer coisa!

Porque tudo é matéria! Ah, agora enganei você!

Ele riu com ela.

- Você inventou isso sozinha?

- Fui bem esperta, não fui?

- Minha pequena Einstein!

Ela fez cara feia.

- Ele tem um cabelo horrível. Vi um retrato dele.

- Mas tem uma boa cabeça. Já contei a você o que ele provou?

Os olhos dela se arregalaram, como se estivesse assustada.

- Papai! Você prometeu!

- EMC2! - E fez cócegas nela. - E=MC2!

- Matemática, não! Eu já disse! Detesto matemática!

- Ainda bem que você detesta, porque as meninas não têm permissão para

aprender matemática.

Ela parou na mesma hora.

-Não?!

- Claro que não. Qualquer pessoa sabe disso. Meninas brincam com

bonecas. Meninos estudam matemática. Nada de matemática para as meninas.

Não tenho autorização nem para falar sobre matemática com as meninas.

- O quê? Mas isso não é justo!

- Regras são regras. Absolutamente nada de matemática para as meninas.

Vittoria ficou horrorizada.

- Mas brincar de bonecas é muito chato!

- Sinto muito - disse seu pai. - Eu poderia falar sobre matemática com

você, mas se descobrirem... - E ele inspecionou as colinas desertas fingindo um ar

aflito.

Vittoria acompanhou o olhar dele.

- Está bem - ela cochichou. - Então fale bem baixinho.

Vittoria sobressaltou-se com o movimento do elevador. Abriu os olhos. O

pai se fora.

A realidade abateu-se sobre ela, envolvendo-a com suas garras geladas.

Olhou para Langdon. A expressão de sincera preocupação que ele tinha no rosto

aqueceu seu coração como a presença de um anjo da guarda, sobretudo em

contraste com a frieza de Kohler.

Um único pensamento nitidamente consciente começou a atormentar

Vittoria com uma força implacável.

Onde está a antimatéria?

A terrível resposta viria minutos depois.

CAPÍTULO 30

Maximilian Kohler. Por gentileza, entre em contato com seu escritório

imediatamente.

Raios de sol resplandecentes ofuscaram a visão de Langdon quando as

portas do elevador se abriram no saguão principal. Antes que se dissipasse o eco

do aviso no sistema de comunicação interna, todos os aparelhos eletrônicos na

cadeira de rodas de Kohler começaram a apitar e zumbir simultaneamente. Seu

pager. Seu telefone. Seu e-mail. Kohler ficou meio tonto diante das luzes que

piscavam. O diretor voltara à superfície e estava de novo ao alcance.

Diretor Kohler. Por favor, ligue para seu escritório.

O som de seu nome nas caixas de som pareceu espantar Kohler.

Ele levantou a cabeça com ar zangado que, quase de imediato, se tornou

preocupado. Os três se entreolharam. Ficaram imóveis por alguns segundos, como

se toda a tensão entre eles se apagasse e fosse substituída por um só

pressentimento a uni-los.

Kohler tirou o telefone encaixado no apoio de braço de sua cadeira. Discou

um ramal e esforçou-se para conter um novo ataque de tosse. Vittoria e Langdon

esperaram.

- Aqui é o diretor Kohler - disse ele, a respiração saindo com um chiado.

- Sim? Eu estava no subterrâneo, fora de alcance. - Ele escutou,

arregalando os olhos cinzentos. - Quem? Sim, transfira a ligação para mim. -

Houve uma pausa. - Alô? Aqui é Maximilian Kohler. Sou o diretor do CERN.

Com quem estou falando?

Os outros dois observavam em silêncio enquanto ele escutava seu

interlocutor.

- Não acho prudente - Kohler disse finalmente - falar sobre isso ao

telefone. Vou para aí imediatamente. - Começou a tossir outra vez. - Encontre-me

no Aeroporto Leonardo Da Vinci. Dentro de 40 minutos. - Já lhe faltava a

respiração. Foi acometido por um ataque de tosse e, sufocando, mal conseguiu

pronunciar as palavras. - Localizem o tubo depressa... estou indo. - E desligou o

telefone.

Vittoria correu para perto de Kohler, mas ele não conseguia mais falar. Ela

pegou seu próprio telefone e chamou a enfermaria do CERN. Langdon sentia- se

como um navio na periferia de uma tempestade, abalado mas distante.

Encontre-me no Aeroporto Leonardo Da Vinci, ecoaram as palavras de

Kohler.

Em um instante, as sombras incertas que haviam nublado a mente de

Langdon durante toda a manhã consolidaram-se em uma imagem vivida. No meio

daquela confusão, ele sentiu uma porta se abrir dentro de si, como se algum limiar

místico fosse ultrapassado. O ambigrama. O padre-cientista morto. A antimatéria.

E agora, o alvo. A menção ao Aeroporto Leonardo Da Vinci só poderia significar

uma coisa. Em um lampejo de absoluta conscientização, ele soube que acabara de

cruzar aquele limiar. Agora, acreditava.

Cinco quilotons. Que se faça a luz.

Dois paramédicos apareceram correndo pelo saguão vestidos de branco.

Ajoelharam-se ao lado de Kohler e colocaram uma máscara de oxigênio em seu

rosto. Cientistas que circulavam pelo local pararam e postaram-se à distância,

observando.

Kohler respirou fundo duas vezes, puxou a máscara para o lado e, ainda

lutando para respirar, dirigiu-se a Vittoria e Langdon:

- Roma.

- Roma? - perguntou Vittoria. - A antimatéria está em Roma? Quem

telefonou?

O rosto de Kohler contorceu-se, os olhos cinzentos marejados.

- A... Suíça.

Ele engasgou ao falar e os paramédicos puseram a máscara de volta em seu

rosto. Quando se preparavam para levá-lo, Kohler estendeu a mão e agarrou o

braço de Langdon.

Langdon fez um gesto com a cabeça. Ele sabia.

- Vá... - sussurrou Kohler sob a máscara. - Vá... Ligue para mim.

E os paramédicos saíram às pressas, empurrando-o.

Vittoria permaneceu estática, vendo-o afastar-se. Então, voltou-se para

Langdon.

- Roma? O que ele quis dizer com a Suíça?

Langdon pousou a mão no braço dela e disse em voz muito baixa:

- A Guarda Suíça. As sentinelas juradas da Cidade do Vaticano.


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