quarta-feira, 25 de março de 2009


CAPÍTULO 51

Gunther Glick, o repórter da BBC, ficou uns dez segundos parado com o

celular na mão antes de afinal desligá-lo.

Chinita Macri observava-o do banco de trás do furgão.

- O que aconteceu? Quem era?

Glick sentia-se como uma criança que ganhou um presente de Natal e tem

medo de que o presente não seja realmente para ela.

- Acabei de receber uma dica. Algo está acontecendo dentro do Vaticano.

- Chama-se conclave. Grande dica essa.

- Não, não é isso. Uma coisa importante. - Ponderou se a história que o

homem lhe contara poderia ser verdadeira. Glick sentiu uma ponta de vergonha

quando percebeu que estava rezando para que fosse. – E se eu lhe contasse que

quatro cardeais foram seqüestrados e vão ser assassinados, um de cada vez, em

quatro igrejas diferentes esta noite?

- Eu diria que alguém no escritório com um senso de humor doentio está

passando um trote em você.

- E se eu lhe disser que ele vai nos dar antes da hora a localização exata do

primeiro assassinato?

- Só queria saber quem foi o louco com quem você acabou de falar.

- Ele não disse o nome.

- Talvez porque estivesse doidão?

Glick já esperava a reação sarcástica de Macri, mas ela estava esquecendo

que ele lidara com mentirosos e lunáticos por mais de dez anos no British Tattler.

Aquele homem não era uma coisa nem outra. Falara de modo frio e racional.

Lógico. Vou telefonar novamente para você um pouco antes das oito, dissera o

homem, para avisar onde vai acontecer o primeiro assassinato. As imagens que

você vai gravar vão torná-lo famoso. Quando Glick perguntou por que estava

recebendo aquelas informações, a resposta veio gélida como o sotaque oriental do

homem. A mídia é o braço direito da anarquia.

- Ele me disse mais uma coisa - disse Glick.

- O quê? Que Elvis Presley acabou de ser eleito Papa?

- Acesse o banco de dados da BBC, por favor. - A adrenalina de Glick

estava aumentando. - Quero ver que outras histórias já publicamos sobre esses

caras.

- Que caras?

- Faça o que estou pedindo, está bem?

Macri suspirou e acessou o banco de dados da BBC.

- Só mais um minuto.

A cabeça de Glick dava voltas.

- O homem fez muita questão de saber se eu tinha um cinegrafista para

gravar as imagens.

- Você tem uma cinegrafista.

- E se tínhamos condições de transmitir ao vivo.

- Um ponto cinco três sete megahertz. Qual é o assunto? - Ouviu-se um

bipe: o banco de dados estava disponível. - Pronto, estamos conectados. O que

você quer procurar?

Glick deu-lhe a palavra-chave.

Macri encarou-o, séria.

- Tomara que você esteja mesmo brincando.

CAPÍTULO 52

A organização interna da Câmara 10 não era tão intuitiva quanto Langdon

esperava, e o manuscrito do Diagramma aparentemente não estava junto com

outras publicações semelhantes de Galileu. Sem ter acesso ao Biblion e a um

localizador computadorizado de referências, Langdon e Vittoria não tinham como

prosseguir.

- Tem certeza de que o Diagramma está aqui? - perguntou Vittoria.

- Absoluta. Consta da listagem tanto do Uffi cio deila Propaganda della

Fede quanto do...

- Ótimo. Contanto que você tenha certeza...

Ela foi para a direita e ele, para a esquerda. Langdon começou a busca

manual. Precisava apelar para todo o seu autocontrole para não parar e ler cada

tesouro pelo qual passava. A coleção era maravilhosa. O Experimentador,

Mensageiro das Estrelas, História e Demonstração sobre as Manchas Solares,

Carta à Grã-Duquesa Cristina, Apologia pro Galileo... E assim por diante.

Foi Vittoria quem finalmente tirou a sorte grande do outro lado da câmara.

Sua voz rouca soou alta:

- Diagramma delia Verità!

Langdon correu ao encontro dela através da névoa avermelhada.

- Onde?

Vittoria apontou e ele percebeu de imediato por que não o haviam

encontrado antes. o manuscrito estava em uma caixa especial para in-fólios, não

nas prateleiras. Essas caixas eram um recurso comum para se

guardar páginas soltas. A etiqueta colocada na frente do recipiente não

deixava qualquer dúvida sobre seu conteúdo.

DIAGRAMMA DELLA VERITÀ

Galileo Galilei, 1639

Landgon caiu de joelhos, o coração batendo acelerado.

- Diagramma. - Deu um sorriso largo para ela. - Bom trabalho. Agora me

ajude a tirar essa caixa daí.

Vittoria ajoelhou-se ao lado dele e os dois puxaram a caixa. A bandeja de

metal sobre a qual estava colocada deslizou, movida por rodízios, e deixou à

mostra a parte superior da caixa.

- Sem cadeado? - disse Vittoria, surpresa por só haver um fecho simples.

- Nunca. Às vezes existe a necessidade de se remover os documentos com

rapidez, como no caso de incêndios ou enchentes.

- Então, abra-o.

Langdon não precisou de uma segunda ordem. Com o sonho de sua vida

acadêmica bem ali na frente e o ar da câmara cada vez mais rarefeito, ele não

titubeou. Abriu o fecho e levantou a tampa. Dentro, no fundo, havia uma bolsa de

pano preto. A capacidade de ventilação do tecido da bolsa era crucial para a

preservação de seu conteúdo. Estendendo as duas mãos e mantendo a bolsa na

horizontal, Langdon tirou-a de dentro da caixa.

- Pensei que fôssemos encontrar um baú do tesouro - disse Vittoria -, mas

isso aí parece mais uma fronha.

- Venha comigo - disse ele.

Segurando a bolsa com os braços estendidos como se fosse uma oferenda

sagrada, Langdon se encaminhou para o centro da câmara, onde encontrou a

costumeira mesa de tampo de vidro especial para examinar documentos. A

localização central da mesa tinha como objetivo diminuir ao máximo o

deslocamento dos documentos, mas os pesquisadores gostavam da privacidade

proporcionada pelas estantes ao redor. Nas câmaras mais importantes do mundo

faziam-se descobertas que definiam carreiras, e os pesquisadores não gostavam

que os rivais bisbilhotassem através do vidro enquanto eles trabalhavam.

Langdon pousou a bolsa de pano na mesa e desabotoou-a. Vittoria postouse

de pé a seu lado. Remexendo em uma bandeja que continha instrumentos de

arquivista, Langdon pegou uma tenaz com as pontas revestidas de feltro, grandes

pinças com discos achatados no final de cada haste. À medida que sua excitação

aumentava, receava acordar a qualquer momento em Cambridge diante de uma

pilha de provas para corrigir. Respirando fundo, abriu a bolsa de pano. Com os

dedos trêmulos nas luvas de algodão, introduziu a pinça na bolsa.

- Relaxe - disse Vittoria. - Não é plutônio, é papel.

Langdon fez as hastes da pinça deslizarem em torno da pilha de

documentos dentro da bolsa e teve o cuidado de aplicar pressão idêntica nos dois

lados. Em seguida, ao invés de puxar o documento, ele o manteve no lugar e

puxou a bolsa - um procedimento empregado pelos arquivistas para reduzir ao

mínimo a força de torção sobre o material. Só depois de remover a bolsa e acender

a luz especial de exame sob a mesa é que ele voltou a respirar normalmente.

Vittoria parecia um espectro, iluminada de baixo para cima pela luz da

mesa de vidro.

- Folhas pequenas - disse ela, a voz reverente.

Langdon concordou com um gesto de cabeça. A pilha de fólios diante deles

era como as páginas soltas de um pequeno livro de bolso. A primeira folha era

uma capa desenhada a bico-de-pena com o título, a data e o nome de Galileu

escritos de próprio punho.

Naquele instante, Langdon esqueceu o espaço exíguo, esqueceu sua

exaustão e a situação horrível que o levara até ali. Apenas contemplou o livro,

extasiado. O contato direto com a História sempre deixava Langdon entorpecido

de tanta reverência, era como estar vendo de perto as pinceladas na Mona Lisa.

O papiro esmaecido, amarelado, não deixava em Langdon qualquer dúvida

quanto à sua idade e autenticidade, mas, exceto pelo inevitável desbotamento,

estava em excelente estado. Pigmento ligeiramente descolorido. Pequenas falhas

na coesão do papiro. Mas, de modo geral, em ótimas condições. Ele examinou o

desenho decorativo da capa, feito à mão, sua vista já se embaçando por causa da

falta de umidade. Vittoria mantinha-se em silêncio.

- Passe-me a espátula, por favor - Langdon apontou para uma bandeja ao

lado de Vittoria, cheia de instrumentos em aço inoxidável especiais para uso em

arquivos. Ela entregou-lhe a espátula. Langdon pegou-a e viu que era uma

espátula de boa qualidade. Correu os dedos pela lâmina para remover qualquer

estática possível e, em seguida, com o maior cuidado, fez a lâmina deslizar sob a

capa. Levantou a espátula e abriu o livro.

A primeira página era escrita à mão com uma caligrafia minúscula,

estilizada, quase impossível de ler. Langdon logo percebeu que não havia

diagramas nem números na página. Tratava-se de um ensaio.

- Sistema heliocêntrico - disse Vittoria, traduzindo o cabeçalho no Fólio 1.

Ela correu os olhos pelo texto.

- Parece que Galileu está renunciando ao modelo geocêntrico de uma vez

por todas. Mas é italiano antigo, portanto não posso garantir nada sobre a

tradução.

- Esqueça - disse Langdon. - Estamos procurando matemática. A

linguagem pura.

E usou a espátula para virar a página seguinte. Outro ensaio. Nada de

matemática ou diagramas. As mãos de Langdon começaram a suar dentro das

luvas.

- Movimento dos Planetas - disse Vittoria, traduzindo o título.

Langdon fechou a cara. Em qualquer outra ocasião, teria ficado fascinado

com aquela leitura. Por incrível que pareça, o modelo atual da NASA de órbitas

planetárias, observado através de telescópios de última geração, era quase idêntico

ao das previsões originais de Galileu.

- Nada de matemática - declarou Vittoria. - Ele está falando aqui sobre

movimentos retrógrados e órbitas elípticas, ou algo assim.

Órbitas elípticas. Langdon lembrou que grande parte dos problemas de

Galileu com a Justiça começaram quando ele afirmou que o movimento dos

planetas era elíptico. O Vaticano exaltava a perfeição do círculo e insistia que o

movimento celeste deveria ser somente circular. Os Illuminati de Galileu,

entretanto, também viam perfeição na elipse, reverenciando a dualidade

matemática de seus dois focos iguais. No mundo atual, a elipse dos Illuminati

ainda era encontrável nas modernas pranchetas de desenho dos maçons e nos

projetos dos alicerces dos seus prédios.

- Próxima - disse Vittoria. - Langdon virou a página.

- Fases lunares e movimentos das marés - disse ela. - Não tem números

nem diagramas.

Ele virou mais uma página. Nada. Continuou virando páginas, umas dez ou

mais. Nada. Nada. Nada.

- Pensei que ele fosse matemático - disse Vittoria. - Aqui só tem texto.

Langdon sentiu o ar em seus pulmões começando a rarear. Suas esperanças

também estavam menos densas. A pilha de folhas diminuía.

- Nada aqui - disse Vittoria. - Matemática nenhuma. Umas poucas datas,

um ou outro número-padrão, mas nada que pudesse ser uma pista.

Langdon virou o último conjunto de folhas e suspirou. Era também um

ensaio.

- Livro pequeno - disse Vittoria, de cara fechada.

Langdon fez que sim com a cabeça.

- Merda, como se diz em Roma.

É mesmo uma merda, pensou Langdon. Seu reflexo no vidro parecia

zombar dele, como a imagem de si mesmo que vira na janela de sua casa naquela

manhã. Um fantasma envelhecido.

- Tem de haver alguma coisa - disse ele, o desespero rouco em sua voz

espantando-o. - O segno está aí em algum lugar. Tenho certeza!

- Quem sabe você se enganou sobre o DIII?

Langdon lançou-lhe um olhar duro.

- Tudo bem - concordou ela. - DIII faz sentido. Mas e se a pista não for

matemática?

- Língua pura. O que mais poderia ser?

- Arte?

- Não há diagramas nem ilustrações no livro. Tudo o que sei é que língua

pura se refere a algo que não é italiano. Matemática seria a resposta lógica.

- Também acho.

Langdon recusava-se a admitir a derrota tão depressa.

- Os números podem estar escritos por extenso. A matemática deve estar

em palavras em vez de em equações.

- Vai levar algum tempo ler todas as páginas.

- Não temos tempo. Vamos ter de dividir o trabalho. - Langdon virou a

pilha de folhas e voltou para a primeira página. - Sei italiano o suficiente para

localizar números. - Usando a espátula, dividiu a pilha como se fosse um baralho

de cartas e depositou as primeiras seis diante de Vittoria. - Está aí, tenho certeza.

Vittoria estendeu a mão e virou a primeira página com a mão.

- Espátula! - exclamou Langdon, pegando uma outra ferramenta na

bandeja. - Use a espátula.

- Estou usando luvas - resmungou ela. - Que estrago poderia fazer?

- Não discuta, use a espátula.

Vittoria obedeceu.

- Está sentindo o mesmo que eu?

- Tensão?

- Não, falta de ar.

Langdon também sentia, inegavelmente. O ar ia ficando muito rarefeito

mais depressa do que ele imaginara.

Sabia que tinham de se apressar. Tentar desvendar enigmas dentro de

arquivos não era novidade para ele, mas em geral tinha mais do que uns poucos

minutos para trabalhar neles. Sem falar, inclinou a cabeça e começou a traduzir a

primeira página de sua pilha.

Apareça, droga! Apareça!

CAPÍTULO 53

Em algum ponto de Roma, uma figura sombria esgueirou-se por uma

rampa de pedra para o túnel subterrâneo. O antigo corredor estava iluminado

apenas por tochas acesas, o que tornava o ar pesado e quente. Ao longe, vozes

assustadas de homens chamavam em vão, ecoando nos espaços fechados.

Ao dobrar uma esquina ele os viu, exatamente como os havia deixado -

quatro velhos apavorados atrás das barras de ferro enferrujado de um cubículo de

pedra.

- Qui êtez-vous?- perguntou um dos homens, em francês. - O que quer de

nós?

- Hilfe! - disse outro, em alemão. - Deixe-nos ir embora!

- Tem noção de quem somos nós? - perguntou outro ainda, em inglês com

sotaque espanhol.

- Silêncio - ordenou a voz áspera. Havia um tom de inevitabilidade na

palavra.O quarto prisioneiro, um italiano calado e pensativo, vislumbrou o vazio

negro do olhar de seu captor.

Seria capaz de jurar que enxergou o inferno lá dentro. Que Deus nos ajude,

pensou.O matador olhou o relógio e depois voltou-se para os prisioneiros.

- E agora - disse ele -, quem vai ser o primeiro?

CAPÍTULO 54

Nos Arquivos do Vaticano, dentro da Câmara 10, Robert Langdon recitava

números em italiano enquanto examinava superficialmente o manuscrito diante de

si. Milie, centi, uno, duo, ter, cincuanta. Preciso de uma referência numérica!

Qualquer uma, droga!

Quando chegou ao final do fólio que estava lendo, apanhou a espátula para

virar as páginas. Ao alinhar a lâmina com a página seguinte, fez um movimento

desajeitado, encontrando dificuldade para segurar a espátula com firmeza.

Minutos depois, percebeu que abandonara a espátula e estava virando as páginas

com a mão. Opa, disse para si mesmo, sentindo-se quase um criminoso. A falta de

oxigênio estava afetando suas inibições. Pelo jeito, vou acabar queimando no

inferno dos arquivistas.

- Até que enfim - disse Vittoria, meio sufocada, vendo-o virar as páginas

com a mão. Largou e espátula e imitou-o.

- Encontrou alguma coisa?

Vittoria sacudiu a cabeça.

- Nada que seja puramente matemático. Estou lendo por alto, mas não vejo

nada que pareça uma pista.

Langdon continuou traduzindo seus fólios com dificuldade cada vez maior.

Seus conhecimentos de italiano eram, na melhor das hipóteses, apenas

claudicantes, e a letra miúda e a linguagem arcaica o faziam avançar lentamente.

Vittoria chegou antes dele ao fim de sua pilha e, desanimada, folheou as páginas

outra vez. Debruçou-se sobre elas para uma inspeção mais intensa.

Quando Langdon terminou, praguejou em voz baixa e olhou para Vittoria.

Ela estava curvada tentando enxergar melhor algo em um de seus fólios.

- O que é? - perguntou.

Ela não levantou a cabeça.

- Suas páginas tinham alguma nota de rodapé?

- Não que eu percebesse. Por quê?

- Esta página tem uma. Está meio escondida em uma ruga do papel.

Langdon tentou ver o que ela estava examinando, mas só conseguiu

distinguir um número de página no alto da margem direita da folha. Fólio 5.

Levou um momento para registrar a coincidência e, mesmo assim, a associação de

idéias lhe parecia vaga. Fólio 5. Cinco, Pitágoras, pentagramas, Illuminati.

Langdon especulava se os Illuminati teriam escolhido a página cinco para

esconder sua pista. Através da névoa avermelhada que os envolvia, ele

vislumbrou um pequenino raio de esperança.

- A nota de rodapé tem alguma relação com matemática?

Vittoria fez que não com a cabeça.

- Texto. Uma linha só. Letra muito pequena, quase ilegível.

As esperanças dele se esvaíram.

- Deveria ser matemática. Língua pura.

- É, eu sei - ela hesitou. - Mas acho que você vai querer ouvir isto.

Havia uma certa excitação na voz dela.

- Diga logo.

Apertando os olhos junto ao fólio, Vittoria leu a frase.

- "O caminho da luz está preparado, o teste sagrado."

As palavras não eram o que Langdon tinha imaginado.

- O que foi que disse?

Vittoria repetiu.

- "O caminho da luz está preparado, o teste sagrado."

- Caminho da luz? - Langdon sentiu suas costas se endireitarem.

- É o que está escrito aqui. Caminho da luz.

À medida que ele assimilava as palavras, um lampejo de clareza penetrava

o seu delírio, O caminho da luz está preparado, o teste sagrado. Não tinha idéia de

como a frase podia ajudá-los, mas o fato é que era uma referência mais do que

direta ao Caminho da Iluminação. O caminho da luz. O teste sagrado. A cabeça

dele fazia um esforço semelhante ao de um motor alimentado com gasolina de má

qualidade e que está tentando pegar.

- Tem certeza de que a tradução está correta?

Ela ficou indecisa.

- Na verdade - ela lhe lançou um olhar estranho -, não é tecnicamente uma

tradução. A frase está escrita em inglês.

Por um instante, ele pensou que a acústica da câmara tivesse afetado sua

audição.

- Em inglês?!

Vittoria empurrou o documento para ele e Langdon leu as letrinhas

diminutas no pé da página:

- The path of light is laid, the sacred test. Em inglês! Por que em inglês em

um livro italiano?

Vittoria deu de ombros. Ela também parecia um tanto embriagada.

- Quem sabe é o que eles chamavam de língua pura? É considerada a

língua internacional da ciência. Só falamos inglês no CERN.

- Mas isso foi em 1600 - argumentou Langdon. - Ninguém falava inglês na

Itália, nem o... - ele parou, percebendo o que ia dizer. - Nem o clero. - A mente

acadêmica de Langdon funcionava agora a todo vapor. - No século XVII -

continuou ele, falando agora mais depressa-, o inglês era uma língua que o

Vaticano ainda não adotava. Eles usavam o italiano, o latim, o alemão, até o

espanhol e o francês, mas o inglês era uma língua totalmente estrangeira dentro do

Vaticano. Consideravam-na uma língua corrompida de livres-pensadores, que

servia para profanos como Chaucer e Shakespeare. - Ocorreu-lhe de repente a

questão das marcas a fogo dos Illuminati, Terra, Ar, Fogo e Água. A lenda de que

as marcas eram em inglês agora fazia sentido, um sentido bizarro.

- Quer dizer que talvez Galileu considerasse o inglês la lingua pura porque

era a única língua que o Vaticano não controlava?

- É isso mesmo. Ou, talvez, ao redigir a pista em inglês, Galileu estivesse

sutilmente restringindo a leitura, excluindo o Vaticano.

- Mas nem chega a ser uma pista - objetou ela. - O caminho da luz está

preparado, o teste sagrado? Que diabos quer dizer isto?

Ela tem razão, pensou Langdon. A frase não ajudava nada. No entanto,

repetindo-a em sua mente, um estranho fato ocorreu-lhe. Ora, não é interessante?

Será que existe alguma possibilidade aí?

- Temos de sair daqui - disse Vittoria, a voz enrouquecida.

Langdon não escutou. The path of light is laid, the sacred test.

- É um pentâmetro iâmbico! - exclamou, contando as sílabas outra vez.

- Cinco dísticos de silabas agudas e breves alternadas.

Vittoria parecia perdida.

- Pentâmetro o quê?

E súbito Langdon estava de volta à Academia Phillips Exeter, em uma aula

de inglês de um sábado de manhã. Um verdadeiro inferno na Terra. A estrela do

beisebol da escola, Peter Greer, estava tendo dificuldades para lembrar o número

de dísticos de um verso pentâmetro iâmbico de Shakespeare. O professor, um

animado mestre chamado Bisseli, pulou para cima da mesa e berrou:

- Pentâ-metro, Greer! Lembre de pentá-gono! Cinco lados! Penta! Penta!

Penta! Deeeus do cééu!

Cinco dísticos, pensou Langdon. Cada dístico tendo, por definição, duas

sílabas. Mal podia crer que em toda a sua carreira jamais fizera aquela associação.

O pentâmetro iâmbico era uma métrica com simetria que se baseava nos dois

números sagrados dos Illuminati, 5 e 2!

Você está exagerando! Ele disse para si mesmo, tentando afastar o

pensamento de sua mente. É uma coincidência sem sentido! Mas a idéia não lhe

saía da cabeça. Cinco.., para Pitágoras e o pentagrama. Dois para a dualidade de

todas as coisas.

No momento seguinte, uma outra descoberta fez suas pernas bambearem.

O pentâmetro iâmbico, por sua simplicidade, era muitas vezes chamado de "puro

verso", ou "pura métrica" La língua pura? Seria essa a língua pura a que os

Illuminati se referiam? The path of light is laid, the sacred test...

- Oh-oh - disse Vittoria.

Langdon viu Vittoria virar o fólio de cabeça para baixo. Sentiu um aperto

no estômago. De novo, não...

- Não há possibilidade de essa frase ser um ambigrama!

- Não, não é um ambigrama, mas é... - e ela continuou a virar o documento

90 graus de cada vez.

- É o quê?

Vittoria encarou-o.

- Aquela não é a única frase.

- Existe outra?

- Há uma em cada margem. Na de cima, na de baixo, na da esquerda e na

da direita. Acho que é um poema.

- Quatro versos? - Langdon arrepiou-se de excitação. Galileu era poeta?

- Deixa eu ver!

Vittoria não largou a página. Continuava virando-a para ler o que estava

escrito nas quatro margens.

- Não vi antes os versos porque estão nas margens. - Ela inclinou a cabeça

para ler a última. - Humm... Sabe de uma coisa? Nem foi Galileu quem escreveu

isto.

-O quê?

- O poema está assinado por John Milton.

- John Milton?

O influente poeta inglês que escreveu Paraíso Perdido era contemporâneo

de Galileu e um sábio que os aficionados por conspirações colocavam no topo da

lista de suspeitos de serem Illuminati. A suposta afiliação de Milton à confraria

dos Illuminati de Galileu era uma lenda que Langdon acreditava ser verdadeira.

Não só Milton fizera uma bem-documentada peregrinação a Roma em 1638 para

"comungar com os homens esclarecidos", como tivera encontros com o cientista

durante sua prisão domiciliar, encontros estes retratados em muitas pinturas

renascentistas, entre elas a famosa tela de Annibale Gatti, Galileu e Milton, hoje

exposta no Instituto e Museu da História da Ciência, em Florença.

- Milton conhecia Galileu, não é? - disse Vittoria, empurrando finalmente o

in-fólio para Langdon. - Quem sabe ele escreveu o poema como um favor?

Langdon cerrou os dentes ao pegar o documento com seu invólucro.

Deixando-o aberto sobre a mesa, leu a frase no alto. Depois, girou a página 90

graus e leu a frase da margem direita. Girou outra vez e leu a de baixo. Mais um

giro final para ler a última e completar o movimento circular. Havia ao todo

quatro frases. A que Vittoria encontrara primeiro era na realidade o terceiro verso

do poema. Completamente boquiaberto, ele leu os quatro versos de novo na

seqüência certa: alto, direita, rodapé, esquerda. Quando terminou, soprou o ar dos

pulmões com vontade. Não tinha mais nenhuma dúvida.

- Muito bem, senhorita Vetra, você encontrou.

Ela sorriu com os lábios apertados.

- Ótimo, agora podemos dar o fora daqui?

- Tenho de copiar esses versos. Preciso encontrar lápis e papel.

Vittoria sacudiu a cabeça.

- Esqueça, professor. Nada de bancar o escriba, não temos tempo para isso.

Mickey está andando. - Ela tirou o documento da mão dele e se encaminhou para

a porta.

Langdon levantou-se.

- Não pode levar isso para fora! É um...

Mas Vittoria já estava longe.

CAPÍTULO 55

Langdon e Vittoria irromperam às pressas pelo pátio do lado de fora dos

Arquivos Secretos. O ar fresco fluiu para os pulmões de Langdon como se fosse

uma droga inebriante. Os pontos vermelhos em sua vista sumiram rapidamente. A

culpa, todavia, não sumiu. Ele acabara de se tornar cúmplice do roubo de uma

preciosa relíquia pertencente ao arquivo mais protegido do mundo. O camerlengo

dissera: Estou depositando minha confiança no senhor.

- Depressa - disse Vittoria, ainda segurando o fólio e atravessando a Via

Borgia na direção do escritório de Olivetti quase em passo de corrida.

- Se cair água nesse papiro...

- Calma, quando decifrarmos essa coisa, vamos devolver o bendito Fólio 5.

Langdon acelerou o passo para acompanhá-la. Além de se sentir um

criminoso, ainda estava sob o impacto das fascinantes implicações do documento.

John Milton era um Iluminados. Compôs o poema para Galileu publicar no Fólio

5, longe dos olhos do Vaticano.

Ao saírem do pátio, Vittoria entregou o fólio a Langdon.

- Acha que pode decifrar isso? Ou perdemos todas aquelas células

cerebrais à toa?

Langdon segurou o documento com todo o cuidado. Sem titubear, enfiou-o

em um dos bolsos internos de seu paletó de tweed para protegê-lo da luz do sol e

dos perigos da umidade.

- Já o decifrei faz tempo.

Vittoria estacou.

-Você o quê?

Langdon continuou a andar.

Vittoria foi atrás dele.

- Você só o leu uma vez! Pensei que fosse muito difícil!

Langdon sabia que ela estava certa e, no entanto, ele decifrara o segno com

uma única leitura. Uma estrofe perfeita de pentâmetros iâmbicos e o primeiro altar

da ciência revelara-se com uma clareza impecável. Tinha de confessar que a

facilidade com que realizara a tarefa deixara-o bastante inquieto. Ele era um

produto da ética puritana do trabalho. Ainda era capaz de ouvir a voz de seu pai

repetindo o velho aforismo da Nova Inglaterra: Se não foi penoso e difícil, é

porque você fez errado. Langdon torcia para que o ditado não fosse verdade.

- Já decifrei - disse, andando mais depressa. - Sei onde vai acontecer o

primeiro assassinato. Temos de avisar Olivetti.

Vittoria aproximou-se dele.

- Como é que você pode já ter descoberto? Deixe eu ver isso outra vez.

Com o jogo de corpo de um pugilista, ela enfiou a mão com grande

agilidade no bolso dele e tirou de lá o fólio.

- Cuidado! - exclamou Langdon. - Não pode...

Vittoria não lhe deu atenção. Com o fólio na mão, ela flutuava ao lado

dele, segurando o documento com o braço levantado para enxergar à luz do fim

do dia, examinando as margens. Ela começou a ler em voz alta e Langdon fez um

movimento para recuperar o fólio mas, sem querer, viu-se enfeitiçado pela voz de

contralto e pelo sotaque de Vittoria, que dizia os versos no mesmo ritmo de seus

passos.

Por um momento, ao ouvir os versos, Langdon sentiu-se transportado no

tempo, como se fosse um dos contemporâneos de Galileu que os escutasse pela

primeira vez sabendo que eram um teste, um mapa, uma pista para desvendar os

quatro altares da ciência, os quatro marcos que abriam um caminho secreto

através de Roma. Os versos fluíam dos lábios de Vittoria como uma canção.

From Santi's earthly tomb with demon's hole,

Cross Rome the mystic elements unfold.

The path of light is laid, the sacred test,

Let angels guide you on your lofty quest.

Da tumba terrena de Santi com a cova do demônio.

Através de Roma se estendem os místicos elementos.

O caminho da luz está preparado, o teste sagrado,

que os anjos o guiem em sua busca sublime.

Vittoria leu duas vezes e depois se calou, deixando as palavras antigas

ressoarem sozinhas.

Da tumba terrena de Santi, Langdon repetiu em sua mente. O poema era

claro como água neste ponto. O Caminho da Iluminação começava na tumba de

Santi. A partir dali, através de Roma, os marcos assinalavam o percurso.

Da tumba terrena de Santi com a cova do demônio. Através de Roma se

estendem os místicos elementos.

Os místicos elementos. Também estava claro. Terra, Ar, Fogo e Água. Os

elementos da ciência, os quatro marcos dos Illuminati disfarçados de esculturas

religiosas.

- O primeiro marco - disse Vittoria - parece ser na tumba de Santi.

Langdon sorriu.

- Eu disse que não era tão difícil assim.

- E quem é Santi? - perguntou ela, de repente cheia de entusiasmo. - E onde

é a tumba dele?

Langdon dissimulou o riso. Impressionante como poucas pessoas sabiam

que San ti era o sobrenome de um dos mais famosos artistas da Renascença. Seu

primeiro nome o mundo inteiro conhecia: o menino-prodígio que com 25 anos já

realizava trabalhos encomendados pelo Papa Júlio II e que, ao morrer, com apenas

38 anos, deixou a maior coleção de afrescos que o mundo jamais conheceu. Santi

era um dos monstros sagrados do mundo da arte, e ser conhecido apenas pelo

primeiro nome era atingir um nível de fama a que só uma elite restrita tinha

acesso, pessoas como Napoleão, Galileu, Jesus e, claro, os semideuses de quem

agora Langdon ouvia os clamores vindos dos quartos nos prédios residenciais da

Universidade de Harvard: Sting, Madonna, Jewel e o artista antes conhecido como

Prince, que agora mudara seu nome para o símbolo , o que fizera Langdon

apelidá-lo de "Cruz Tau Cortada por Ankh Hermafrodita".

- Santi - explicou Langdon - é o sobrenome do grande mestre da

Renascença, Rafael.

Vittoria espantou-se.

- Rafael? O Rafael?

- O próprio - respondeu, continuando a andar em passo acelerado para o

escritório da Guarda Suíça.

- Então, o caminho começa na tumba de Rafael?

- O que na verdade faz bastante sentido - comentou Langdon, enquanto

caminhavam. - Os Illuminati costumavam considerar os grandes artistas e

escultores como irmãos honorários nas luzes do conhecimento. Podem ter

escolhido a tumba de Rafael como uma espécie de homenagem. - Langdon

também sabia que, provavelmente, como muitos outros artistas religiosos, Rafael

era um ateu não declarado.

Vittoria colocou o fólio de volta no bolso de Langdon com todo o cuidado.

- E onde ele está enterrado?

Langdon respirou fundo.

- Acredite se quiser, Rafael está enterrado no Panteão.

- No Panteão?

- No Panteão.

Langdon tinha de admitir que o Panteão não era o lugar que esperara para o

primeiro marco. Imaginara o primeiro altar da ciência em alguma igreja

sossegada, meio afastada, algo mais discreto. Já no século XVII, o Panteão, com

seu domo colossal, era um dos locais mais conhecidos de Roma.

- O Panteão é uma igreja? - perguntou Vittoria.

- A mais antiga igreja católica de Roma.

Vittoria fez um gesto de descrença.

- Acha mesmo que o primeiro cardeal poderia ser morto no Panteão? Deve

ser um dos pontos turísticos mais movimentados de Roma.

Ele deu de ombros.

- Os Illuminati disseram que queriam o mundo inteiro assistindo. Matar um

cardeal no Panteão com certeza deve chamar a atenção de muita gente.

- Como é que esse sujeito acha que vai matar alguém no Panteão e sair de

lá sem ser notado? Seria impossível.

- Tão impossível quanto seqüestrar quatro cardeais dentro da Cidade do

Vaticano? O poema é bem preciso.

- E você tem certeza de que Rafael está enterrado no Panteão?

- Já vi a tumba dele muitas vezes.

Vittoria ainda parecia preocupada, mas balançou a cabeça.

- Que horas são?

Langdon conferiu o relógio.

- Sete e meia.

- O Panteão é muito longe?

- Mais ou menos um quilômetro. Temos tempo.

- O poema falava da tumba terrena de Santi. Acha que significa alguma

coisa?

Langdon atravessou na diagonal o pátio da sentinela.

- Terrena? É provável que não haja lugar mais terreno em Roma do que o

Panteão. Seu nome vem da religião originalmente praticada ali, o panteísmo, a

adoração de todos os deuses, especificamente os deuses pagãos da Mãe Terra.

Quando estudante de arquitetura, Langdon ficara admirado ao aprender que

as dimensões da câmara principal do Panteão eram um tributo a Gaea, a deusa da

Terra. E que as proporções eram tão exatas que um gigantesco globo caberia

perfeitamente dentro da construção com uma folga de menos de um milímetro.

- Está bem - disse Vittoria, mais convencida. - E a cova do demônio? Da

tumba terrena de Santi com a cova do demônio?

Langdon não tinha muita certeza quanto a isso.

- A cova do demônio deve ser o óculo - respondeu, tentando adivinhar pela

lógica. - A famosa abertura circular no teto do Panteão.

- Mas trata-se de uma igreja - objetou Vittoria, andando sem esforço ao

lado dele. - Por que chamariam a abertura de cova do demônio?

Na realidade, Langdon vinha se perguntando a mesma coisa. Nunca ouvira

a expressão "cova do demônio' mas lembrava-se de uma célebre crítica feita ao

Panteão no século VI cujas palavras pareciam estranhamente apropriadas agora. O

Venerável Bede escrevera que a abertura no teto do Panteão fora feita por

demônios que tentavam escapar do prédio quando este foi consagrado pelo Papa

Bonifácio IV.

- E por que - acrescentou Vittoria quando entraram em um pátio menor - os

Illuminati usariam o nome Santi se ele era de fato conhecido como Rafael?

- Você faz um bocado de perguntas.

- Meu pai costumava dizer o mesmo.

- Duas razões possíveis. Uma, a palavra Rafael tem sílabas demais. Teria

destruído o pentâmetro iâmbico do poema.

- Uma interpretação meio forçada, convenhamos.

Langdon concordou com ela.

- Talvez, então, usar "Santi" tornasse a pista mais obscura e só homens

muitos esclarecidos reconheceriam a referência a Rafael.

A explicação também não satisfez Vittoria por completo.

- Acredito que o sobrenome de Rafael devia ser muito conhecido na sua

época.

- Por incrível que pareça, não, O reconhecimento de alguém por um único

nome era símbolo de status.

Rafael evitava usar seu sobrenome, do mesmo jeito que algumas estrelas

populares fazem hoje em dia.

Como Madonna, por exemplo. Ela nunca usa seu sobrenome, Ciccone.

Vittoria achou graça.

-Você sabe o sobrenome de Madonna?

Langdon arrependeu-se de ter dado aquele exemplo. Impressionante as

bobagens que se aprendem convivendo com dez mil adolescentes.

Ao passarem pelo último portão para chegarem ao escritório da Guarda

Suíça, Vittoria e Langdon foram inesperadamente obrigados a parar.

- Para! - bradou uma voz atrás deles.

Os dois se viraram e deram com o cano de um fuzil.

- Attento! - exclamou Vittoria, recuando de um salto. - Cuidado com...

- Non sportarti! - disse o guarda, ríspido, engatilhando a arma.

- Soldato! - chamou alguém do lado oposto do pátio. Olivetti estava saindo

do centro de segurança. -

Deixe-os passar!

O guarda, desconcertado, objetou:

- Ma, signore, é una donna...

- Para dentro! - ele gritou para o guarda.

- Signore, non posso...

- Já! Suas ordens são outras agora. O capitão Rocher vai transmitir novas

instruções para a Guarda em dois minutos. Vamos organizar uma busca.

Aturdido, o guarda entrou correndo no centro de segurança. Olivetti veio

ao encontro de Langdon, rígido e furioso.

- Nossos arquivos mais secretos? Vou querer uma explicação.

- Temos boas novas - disse Langdon.

Os olhos de Olivetti estreitaram-se.

- É melhor que sejam muito boas.

CAPÍTULO 56

Os quatro carros Alpha Romeo 155 T-Sparks sem identificação dispararam

pela Via dei Coronari como caças decolando em uma pista de aviação. Os

veículos levavam 12 guardas suíços à paisana armados com semi- automáticas

Cherchi-Pardini, bombas de gás asfixiante e cassetetes de alta-voltagem de longo

alcance. Os três atiradores de elite seguravam fuzis de mira a laser.

Sentado ao lado do motorista no primeiro carro, Olivetti dirigiu-se a

Langdon e a Vittoria, que estavam no banco de trás. Seu rosto tinha uma

expressão de raiva.

- Vocês garantiram que me dariam uma explicação plausível e isso é tudo o

que têm a dizer?

Langdon estava apertado no pequeno carro.

- Compreendo sua...

- Não, não compreende nada! - Olivetti nunca levantava a voz, mas a sua

intensidade triplicou. - Acabei de tirar 12 dos meus melhores homens da Cidade

do Vaticano na véspera de um conclave. E o fiz para vasculhar o Panteão baseado

no testemunho de um americano que nunca vi antes e que acabou de interpretar

um poema escrito há 400 anos. Também acabei de deixar nas mãos de oficiais

subalternos a responsabilidade pela busca dessa arma de antimatéria.

Langdon resistiu à vontade de puxar o Fólio 5 de dentro do bolso e sacudilo

diante do nariz de Olivetti.

- Tudo o que sei é que a informação que encontramos se refere à tumba de

Rafael e que essa tumba fica dentro do Panteão.

O oficial que dirigia o carro confirmou.

- Ele tem razão, comandante, minha mulher e eu...

- Dirija - ordenou Olivetti. E voltou-se outra vez para Langdon. - Como

alguém poderia cometer um assassinato em um lugar tão movimentado e escapar

sem ser visto?

- Não sei - respondeu Langdon. - Mas os Illuminati sem dúvida têm muitos

meios. Invadiram o CERN e a Cidade do Vaticano. Foi pura sorte termos

conseguido saber onde vai ocorrer a primeira morte. O Panteão é a sua única

chance de pegar esse sujeito.

- Mais contradições - reclamou Olivetti. - Única chance? O senhor não

disse que havia uma espécie de trilha? Uma série de marcos? Se o Panteão for o

lugar certo, podemos seguir a trilha para os outros marcos.

Teremos quatro chances de pegar o assassino.

- Era o que eu esperava - disse Langdon. - Teríamos quatro chances, um

século atrás.

Descobrir que o Panteão era o primeiro altar da ciência havia sido para

Langdon um momento de prazer com um travo amargo. A História de vez em

quando prega peças cruéis naqueles que a perseguem. Seria querer demais que o

Caminho da Iluminação estivesse intacto depois de tanto tempo, com todas as suas

estátuas no mesmo lugar, mas uma parte da cabeça de Langdon acalentara a

fantasia de seguir o caminho até o fim e encontrar o refúgio sagrado dos

Illuminati. Admitia, com muita pena, que isto não seria possível.

- O Vaticano removeu e destruiu todas as estátuas do Panteão no final do

século XIX.

- Por quê? - perguntou Vittoria, chocada.

- Eram estátuas pagãs, deuses do Olimpo. Infelizmente, isto significa que o

primeiro marco se foi e, com ele...

- Qualquer esperança de encontrar o Caminho da Iluminação e os outros

marcos?

Três outros Alpha Romeos derraparam atrás dele. O comboio da Guarda

Suíça parou cantando os pneus.

- O que está fazendo?! - exclamou Vittoria.

- Meu trabalho - disse Olivetti, ajeitando-se no assento, a voz dura como

pedra. - Senhor Langdon, quando falou que explicaria a situação a caminho,

presumi que chegaríamos ao Panteão com uma idéia clara da razão por que meus

homens estavam ali. Não é o caso. Como estou abandonando obrigações de

importância vital pelo fato de estar aqui e, além disso, como acho que não faz

muito sentido essa sua teoria de sacrifícios de virgens e poesia antiga, não posso

em sã consciência continuar. Estou cancelando esta missão agora mesmo.

Ele pegou seu walkie-talkie e ligou-o.

Vittoria inclinou-se para a frente e agarrou o braço dele.

- Não pode fazer isso!

Olivetti bateu com o aparelho no banco do carro e lançou-lhe um olhar

furioso.

- Já esteve no Panteão, senhorita Vetra?

- Não, mas...

- Deixe que lhe explique como é o lugar. O Panteão consiste em um único

ambiente. Uma construção circular feita de pedra e cimento. Tem uma entrada.

Não tem janelas. A entrada é estreita. É guardada o tempo todo por nada menos

do que quatro policiais romanos armados que protegem o santuário contra

destruidores de obras de arte, terroristas anticristãos e golpes de falsos turistas.

- Aonde quer chegar? - disse ela com frieza.

- Aonde quero chegar? - Os dedos de Olivetti agarravam com força o

encosto do banco do carro. - O que acabaram de me contar é totalmente

impossível! Será que são capazes de me apresentar uma descrição plausível de

como alguém poderia matar um cardeal dentro do Panteão? Antes de mais nada,

como é que alguém passaria com um refém qualquer pelos guardas que ficam na

entrada? E ainda por cima o mataria e fugiria em seguida? - Olivetti debruçou-se

no encosto, seu hálito cheirando a café no rosto de Langdon.

- Como, senhor Langdon? Vamos lá, só uma descrição plausível.

Langdon sentia-se como se o pequenino carro tivesse encolhido em volta

dele. Não tenho a menor idéia! Não sou um assassino! Não sei como ele vai agir!

Só sei...

- Uma descrição? - repetiu Vittoria com sarcasmo na voz, imperturbável. -

Que talo assassino vir em um helicóptero e deixar cair um cardeal marcado a fogo

e aos gritos pela abertura do teto, o cardeal bater no piso de mármore e morrer?

- Isso. Temos uma chance, o Panteão. Depois, a trilha desaparece. Olivetti

olhou fixo para ambos durante um longo momento e depois voltou a olhar para a

frente.

- Encoste - rosnou para o motorista.

O motorista deu uma guinada para junto do meio-fio e enfiou o pé no freio.

A atenção de todos no carro voltou-se para Vittoria. Langdon não sabia o

que pensar. Você tem uma imaginação doentia, moça, mas é um bocado rápida.

Olivetti franziu o sobrolho.

- Possível, admito, mas dificilmente...

- Ou o assassino dá uma droga qualquer ao cardeal - disse Vittoria - e entra

no Panteão com ele em uma cadeira de rodas, como se fosse um turista idoso. Lá

dentro, corta discretamente a garganta dele e sai sem ser notado.

Aquela alternativa fez Olivetti acordar um pouco.

Nada mal!, pensou Langdon.

- Ou - continuou ela -, o assassino poderia...

- Já entendi - interrompeu Olivetti. - Chega.

Ele respirou fundo e soprou o ar dos pulmões. Alguém bateu no vidro com

insistência e todos se sobressaltaram. Era um soldado de um dos outros carros.

Olivetti abaixou o vidro.

- Tudo bem, comandante? - O soldado estava vestido com roupas civis.

Levantou a manga de sua camisa jeans e mostrou um relógio de pulso preto de

estilo militar. - Sete e quarenta, comandante. Precisamos de tempo para nos

posicionarmos.

Olivetti fez um gesto vago com a cabeça, mas ficou calado alguns

instantes. Correu o dedo de um lado para o outro no painel do carro, fazendo uma

linha na poeira. Examinou Langdon pelo retrovisor e Langdon sentiu-se medido e

avaliado. Finalmente, Olivetti dirigiu-se ao guarda. Havia relutância em sua voz.

- Quero abordagens separadas. Carros na Piazza deila Rotonda, Via degli

Orfani, Piazzas Sant'Ignazio e Sant'Eustachio. A dois quarteirões de distância, não

menos. Quando estacionarem, preparem-se e aguardem minhas ordens. Três

minutos.

- Muito bem, senhor.

O soldado voltou para seu carro.

Langdon fez uma careta para Vittoria com ar impressionado. Ela sorriu de

volta e, por um instante, estabeleceu-se entre os dois uma ligação inesperada, um

fio de magnetismo.

O comandante virou-se para Langdon, incisivo:

- Senhor Langdon, é bom que tudo isso não estoure em cima de nós.

Langdon deu um sorriso constrangido. Como poderia?

CAPÍTULO 57

O diretor do CERN, Maximilian Kohler, abriu os olhos ainda sob o efeito

da cromolina e do leucotrieno em seu corpo, dilatando seus tubos brônquicos e

seus capilares pulmonares. Respirava normalmente outra vez. Encontrava-se

deitado em um quarto particular na enfermaria do CERN, sua cadeira de rodas

encostada à cama.

Avaliou a situação e examinou a túnica de papel com que o haviam

vestido. Suas roupas estavam dobradas na cadeira ao lado. Lá fora, ouvia uma

enfermeira fazendo a ronda.

Permaneceu deitado um longo minuto, à escuta. Depois, procurando fazer

o mínimo barulho possível, chegou até a beirada da cama e apanhou sua roupa.

Lutando com suas pernas sem vida, vestiu-se. Então, arrastou o corpo e sentou-se

na cadeira de rodas.

Abafou a tosse e fez girar as rodas da cadeira até a porta. Movimentou-a

manualmente, com cuidado, sem ligar o motor. Quando chegou à porta, espiou

para fora. O vestíbulo estava vazio.

Silenciosamente, Maximilian Kohler escapuliu da enfermaria.

CAPÍTULO 58

- Sete e quarenta e seis e trinta... preparem-se.-Mesmo quando falava em

seu walkie-talkie, a voz de Olivetti não passava de um sussurro.

Langdon agora suava dentro de seu casaco de tweed no banco de trás do

Alpha-Romeo, parado em uma praça a três quarteirões de distância do Panteão.

Vittoria, sentada a seu lado, tinha toda a sua atenção concentrada em Olivetti, que

transmitia as ordens finais.

- A formação de combate será um cerco de oito pontos. O alvo pode

reconhecê-los, portanto vocês ficarão pas-visibles. Empreguem somente força

não-mortal. Precisamos de alguém para vigiar o telhado. O alvo é prioritário. O

refém é secundário.

Credo, pensou Langdon, arrepiado com a eficiência com que Olivetti

dissera a seus homens que o refém poderia ser sacrificado por razões estratégicas.

O refém é secundário.

- Repetindo. Intervenção não-mortal. O alvo tem de estar vivo. Agora, vão!

Vittoria estava perplexa, quase zangada.

- Comandante, ninguém vai entrar?

- Entrar? - repetiu Olivetti.

- É! No Panteão! Onde se supõe que tudo vá acontecer!

- Attento - disse Olivetti, seus olhos se congelando. - Se houve mesmo

infiltração em minhas fileiras, meus homens podem ser reconhecidos. Seu amigo

acabou de avisar que esta pode ser a única chance de pegarmos o alvo. Não tenho

nenhuma intenção de espantar essa pessoa fazendo meus homens invadirem o

local.

- E se o assassino já estiver lá dentro?

Olivetti verificou o relógio.

- O alvo foi bem específico. Oito horas. Temos 15 minutos.

- Ele disse que mataria o cardeal às oito horas. Mas pode já ter entrado

antes com a vítima. E se seus homens virem o alvo sair mas não souberem que é

ele? Alguém precisa ir verificar se há algum suspeito lá dentro.

- É arriscado demais a essa altura.

- Não se a pessoa que entrar não puder ser reconhecida.

- Disfarçar alguém levaria tempo demais e...

- Estou me referindo à minha pessoa - disse Vittoria.

Langdon voltou-se para ela.

Olivetti foi enfático.

- De jeito nenhum.

- Ele matou meu pai.

- Exato, e pode saber quem a senhorita é.

- O senhor ouviu o que ele disse ao telefone. Não tinha a menor idéia de

que Leonardo Vetra sequer tivesse uma filha. Com certeza, não sabe quem sou.

Eu poderia entrar como uma turista qualquer. Se visse alguma coisa suspeita, iria

para a praça e faria sinal para seus homens entrarem.

- Desculpe, mas não posso autorizar isso.

- Comandante? - Ouviu-se o chamado no aparelho de Olivetti. - Temos um

problema no ponto norte. A fonte está bloqueando a nossa linha de visão. Só

poderemos enxergar a entrada se nos deslocarmos para o meio da piazza. Qual é a

sua ordem? Permanecermos sem visão ou ficarmos vulneráveis?

Vittoria aparentemente não agüentava mais.

- Chega. Estou indo.

Ela abriu a porta do carro e saiu.

Olivetti largou o walkie-talkie e saltou do carro, contornando-o na frente

de Vittoria.

Langdon saiu também. Que diabos ela está fazendo?

Olivetti postou-se no caminho dela.

- Senhorita Vetra, seus instintos são bons, mas não posso deixar um civil

interferir.

- Interferir? Vocês estão fazendo um vôo cego. Quero ajudar.

- Eu gostaria muito de ter um contato lá dentro, mas...

- Mas o quê? - ela o interpelou. - Mas eu sou uma mulher?

Olivetti ficou calado.

- É bom que não tenha sido isso o que o senhor ia dizer, comandante,

porque sabe muito bem que a idéia é boa, e se deixar que uma bobagem machista

dessas, um preconceito arcaico...

- Deixe eu fazer o meu trabalho.

- Deixe eu ajudar.

- É perigoso demais. Não teríamos nenhuma linha de comunicação com a

senhorita. Não posso deixá-la levar um walkie-talkie, iria denunciá-la.

Vittoria enfiou a mão no bolso de sua blusa e tirou seu telefone celular.

- Uma porção de turistas carrega telefones celulares.

Vittoria abriu o telefone e imitou uma chamada:

- "Oi, querido, estou dentro do Panteão. Você precisava ver este lugar, que

maravilha!" - Ela fechou o telefone e fulminou Olivetti com o olhar. - Quem vai

descobrir? Não há risco nenhum! Deixe que eu espione para vocês! - Fez um

gesto para o celular de Olivetti preso no cinto dele. - Qual é o seu número?

Ele não respondeu.

O motorista vinha acompanhando a conversa e aparentemente tinha

algumas opiniões a dar. Saiu do carro e puxou Olivetti para um lado.

Cochicharam durante alguns segundos, ao fim dos quais Olivetti voltou e disse a

Vittoria:

- Programe este número. - E ditou-lhe o número do seu telefone.

Vittoria programou o seu celular.

- Agora, ligue para o número que lhe dei.

Vittoria pressionou a discagem automática. O telefone no cinto de Olivetti

começou a tocar. Ele o atendeu e falou:

- Entre no prédio, senhorita, olhe em torno, saia do prédio, depois ligue

para mim e diga o que viu.

Vittoria fechou o telefone.

- Obrigada, senhor.

Langdon foi tomado por uma onda repentina e inesperada de instinto

protetor.

- Espere aí - disse ele para Olivetti. - Vai mandá-la entrar lá sozinha?

- Robert, não faz mal - disse Vittoria, com ar mal-humorado.

O motorista da Guarda Suíça cochichou mais alguma coisa no ouvido de

Olivetti.

- É perigoso - Langdon disse a Vittoria.

- Ele tem razão - confirmou Olivetti. - Nem os meus melhores homens

trabalham sozinhos. Meu tenente acabou de lembrar que a encenação será mais

convincente com vocês dois.

Com nós dois? Langdon hesitou. Na verdade, o que eu queria dizer era...

- Com vocês dois entrando juntos - disse Olivetti. - Vão parecer um casal

em férias. Também podem dar apoio um ao outro. Fico mais tranqüilo assim.

Vittoria deu de ombros.

- Por mim, está bem, mas temos de andar ligeiro.

Langdon deixou escapar uma praga em voz baixa.

Olivetti apontou para a rua.

- A primeira rua por onde têm de ir é a Via degli Orfani. Dobrem à

esquerda e, com dois minutos de caminhada, no máximo, sairão direto no Panteão.

Vou ficar aqui comandando meus homens e esperando sua chamada. Gostaria que

tivessem proteção. - Pegou seu revólver. - Algum de vocês sabe atirar?

O coração de Langdon acelerou-se. Não precisamos de arma nenhuma!

Vittoria estendeu a mão.

- Consigo acertar um golfinho saindo da água a 40 metros de distância da

proa de um barco em movimento.

- Ótimo - Olivetti entregou-lhe a arma. - Vai ter de escondê-la.

Vittoria olhou para seu short. Depois, olhou para Langdon.

Ah, não faça isso! Pensou ele, mas Vittoria foi mais rápida. Abriu o paletó

dele e colocou o revólver em um dos bolsos internos. Ele teve a impressão de que

uma pedra caíra dentro de sua roupa. O único consolo era o fato de o Diagramma

estar no outro bolso.

- Nossa aparência é bem inofensiva - disse Vittoria. - Vamos embora.

Ela deu o braço a Langdon e encaminhou-se para a rua.

O motorista falou:

- Boa idéia, ir de braços dados. Lembrem-se de que são turistas. Talvez, até

recém-casados. Dar as mãos não seria melhor ainda?

Quando dobraram a esquina, Langdon poderia jurar que vislumbrou um

leve sorriso no rosto de Vittoria.

CAPÍTULO 59

A "sala de concentração" de tropas da Guarda Suíça fica ao lado do quartel

do Corpo de Vigilanza e é usada sobretudo para planejar a segurança nas ocasiões

em que o Papa aparece em público e nos eventos públicos do Vaticano. Naquele

dia, entretanto, estava sendo usada para outra coisa.

O homem que falava à força-tarefa reunida era o segundo em comando da

Guarda Suíça, o capitão Elias Rocher. Rocher tinha o tórax arredondado como um

barril e o rosto de traços macios, como se feitos de massa. Vestia o tradicional

uniforme azul de capitão com seu toque pessoal: uma boina vermelha colocada de

lado na cabeça. Sua voz era surpreendentemente cristalina para um homem tão

grande e, quando ele falava, seu timbre possuía a clareza de um instrumento

musical. A despeito de sua inflexão precisa, os olhos de Rocher eram enevoados

como os de um mamífero noturno. Seus homens chamavam-no de orso, urso

cinzento. Às vezes, gracejavam dizendo que Rocher era "o urso que andava à

sombra da víbora" O comandante Olivetti era a víbora. Rocher era tão perigoso

quanto a víbora, mas ao menos se via quando ele chegava.

Os homens de Rocher mantinham-se vivamente atentos, ninguém mexia

um músculo, embora a informação que haviam acabado de receber tivesse feito a

pressão deles todos subir.

O tenente Chartrand, um novato, postado no fundo da sala, desejava que

tivesse ficado entre os 99 por cento de candidatos que não tinham sido escolhidos

para estar ali. Com 20 anos, Chartrand era o guarda mais novo da tropa. Havia

apenas três meses que estava no Vaticano. Como todos, fora treinado pelo

exército suíço e ainda agüentara dois anos de mais ausbilding em Berna antes de

se habilitar para a extenuante prova do Vaticano, realizada em um quartel secreto

fora de Roma. Nada em seu treinamento, todavia, o preparara para uma crise

como aquela.

De início, Chartrand pensou que as instruções fossem algum tipo de

estranho exercício de treinamento.

Armas futuristas? Cultos antigos? Cardeais seqüestrados? Então, Rocher

mostrara-lhes o vídeo da arma em questão. Pelo jeito, não se tratava de exercício

coisa nenhuma.

- Vamos desligar a energia em determinadas áreas - Rocher estava dizendo

- para eliminar a interferência magnética externa. Vamos nos deslocar em grupos

de quatro. E usar óculos infravermelhos. O reconhecimento vai ser efetuado com

o equipamento habitual de varredura, regulado para campos de fluxo abaixo de

três ohms.

Alguma pergunta?

Nenhuma.

A cabeça de Chartrand estava sobrecarregada.

- E se não encontrarmos o material a tempo? - perguntou, na mesma hora

arrependendo-se de ter perguntado.

O urso cinzento lançou-lhe um olhar sob sua boina vermelha. E dispensou

o grupo com uma saudação soturna:

- Vão com Deus.

CAPÍTULO 60

A dois quarteirões do Panteão, Langdon e Vittoria passaram a pé por uma

fila de táxis estacionados, os motoristas dormindo nos bancos da frente. A hora da

soneca era eterna na Cidade Eterna, o cochilo coletivo no mesmo horário sendo lá

uma extensão aperfeiçoada do hábito das sestas vespertinas nascido na antiga

Espanha.

Langdon esforçou-se para concentrar seus pensamentos, mas a situação era

por demais fora do comum para ser assimilada racionalmente. Seis horas antes,

ele estava dormindo profundamente em Cambridge.

Agora, encontrava-se na Europa, no meio de uma batalha surreal de antigos

titãs, carregando um revólver no bolso de seu paletó de tweed e de mãos dadas

com uma mulher que tinha acabado de encontrar.

Olhou para Vittoria. Estava inteiramente voltada para o que os esperava.

Havia força no seu aperto de mão, a força de uma mulher determinada e

independente. Os seus dedos envolviam os dele com o conforto de uma aceitação

inata. Sem hesitar. Langdon sentiu uma atração crescente por ela. Seja realista,

disse para si mesmo.

Vittoria notou o constrangimento dele.

- Relaxe - disse ela, sem virar a cabeça -, temos de parecer recém-casados.

- Estou relaxado.

- Você está esmagando a minha mão.

Langdon enrubesceu e aproximou os dedos.

- Respire através dos seus olhos.

- Como é?

- Serve para relaxar os músculos. Chama-se pranayama.

- Piranha?

- Não, não é nome de peixe. Pranayama. Ora, deixe para lá.

Dobraram a esquina para a Piazza della Rotonda e o Panteão ergueu-se

diante deles. Langdon admirou-o, como sempre, com reverência, O Panteão.

Templo de todos os deuses. Deuses pagãos. Deuses da natureza e da Terra. A

estrutura, vista de fora, parecia mais compacta e fechada do que ele se lembrava.

As colunas verticais e os pronaus triangulares obscureciam o domo circular que

ficava atrás.

Ainda assim, a ousada e vaidosa inscrição acima da entrada garantia-lhe

que estavam no lugar certo. M AGRIPPA L F COS TERTIUM FECIT. Langdon

mais uma vez se divertiu com a tradução: Marcus Agrippa, cônsul pela terceira

vez, construiu isto.

Tão modesto, pensou, correndo os olhos pelo espaço ao redor. Alguns

turistas perambulavam com câmeras de vídeo na mão. Outros estavam sentados

no café ao ar livre La Tazza di Oro, saboreando o melhor café gelado de Roma.

Junto da entrada do Panteão, quatro policiais romanos armados vigiavam, atentos,

como Olivetti predissera.

- Tudo bastante tranqüilo - comentou Vittoria.

Langdon concordou, mas sentia-se preocupado. Agora que estava ali, o

cenário todo não lhe parecia muito real. Apesar da confiança de Vittoria, que

acreditava que ele estivesse certo, Langdon deu-se conta de que pusera todos na

linha de fogo. O poema Illuminati subsistia. Da tumba terrena de Santi com a cova

do demônio. SIM, afirmou internamente. Era ali. A tumba de Santi. Já estivera

muitas vezes sob o óculo do Panteão, junto ao túmulo do grande Rafael.

- Que horas são?

Langdon verificou o relógio de pulso.

- Sete e cinqüenta. Dez minutos para o espetáculo começar.

- Espero que esses guardas sejam bons - disse Vittoria, observando os

turistas esparsos entrando no Panteão. - Se alguma coisa acontecer ai dentro,

vamos ficar todos sob fogo cruzado.

Langdon soprou fortemente o ar dos pulmões enquanto se encaminhavam

para a entrada. A arma pesava em seu bolso. Imaginou o que aconteceria se os

policiais o revistassem e encontrassem a arma, mas eles nem o olharam duas

vezes. O disfarce deveria estar mesmo convincente.

Langdon sussurrou para Vittoria.

- Já atirou com outra coisa além de uma espingarda de tranqüilizante?

- Não confia em mim?

- Como posso? Nem conheço você direito!

Vittoria fez uma cara desapontada.

- E eu que pensei que fôssemos recém-casados.


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