quarta-feira, 25 de março de 2009




CAPÍTULO 31

O avião espacial X 33 decolou com um ruído estrondoso, inclinando-se

para o sul em direção a Roma. A bordo, Langdon ia sentado em silêncio. Os

últimos 15 minutos haviam sido como um borrão. Agora que acabara de resumir

para Vittoria a história dos Illuminati e de seu pacto contra o Vaticano, começava

a se dar conta do alcance da situação.

Que diabos estou fazendo?, ponderava ele. Deveria ter ido para casa

quando ainda era possível! No fundo, porém, sabia que de fato não fora possível

em nenhum momento.

Seu bom senso recomendara em voz bem alta que voltasse para Boston.

Ainda assim, a curiosidade acadêmica de alguma forma vetara a prudência. Tudo

em que ele sempre acreditara sobre a extinção dos Illuminati assemelhava-se de

uma hora para outra a uma brilhante impostura. Um dos lados de sua cabeça

ansiava por obter provas, confirmação. Havia também uma questão de

consciência. Com Kohler doente e Vittoria sozinha, Langdon sabia que, caso os

seus conhecimentos sobre os Illuminati pudessem ser de alguma ajuda, ele tinha a

obrigação moral de estar ali.

E havia mais a considerar. Embora tivesse vergonha de admitir, o horror

inicial que sentira ao saber onde estava a antimatéria referia-se não só ao perigo

para as vidas humanas na Cidade do Vaticano, mas também para algo mais.

A arte.

A maior coleção de arte do mundo encontrava-se naquele instante em cima

de uma bomba-relógio. O Museu do Vaticano abrigava mais de 60 mil peças de

valor incalculável em 1.407 salas: Michelangelo, Da Vinci, Bernini, Botticelli.

Langdon ponderava sobre a possibilidade de tirar as peças de lá se fosse

necessário. Mas sabia que seria impossível. Muitas eram esculturas que pesavam

toneladas. Sem falar que alguns dos maiores tesouros eram arquiteturais, como a

Capela Sistina, a Basílica de São Pedro, a famosa escadaria em espiral de

Michelangelo que levava ao Museo Vaticano, testemunhos inestimáveis do gênio

criativo do homem.

Langdon tentou calcular quanto tempo restaria ao tubo de antimatéria.

- Obrigada por ter vindo - disse Vittoria em voz baixa.

Langdon emergiu de seu devaneio e virou o rosto para ela. Vittoria estava

sentada na poltrona do outro lado do corredor. Mesmo à luz fluorescente da

cabine, havia uma aura de serenidade e domínio de si em torno dela, uma

irradiação quase magnética de inteireza. Sua respiração tornara-se mais profunda,

como se um lampejo de auto-preservação se acendesse dentro dela... um desejo de

justiça e de desforra, despertado por seu amor de filha.

Ela não tivera tempo de trocar seu short e sua blusa sem mangas, e as

pernas queimadas de sol estavam arrepiadas com o frio da cabine.

Instintivamente, Langdon tirou o paletó e ofereceu-o a ela.

- Cavalheirismo americano? - Ela aceitou, agradecendo silenciosamente

com o olhar.

O avião balançou com um pouco de turbulência e Langdon teve uma

sensação de perigo. A cabine sem janelas pareceu-lhe apertada outra vez e ele

tentou imaginar-se em um campo aberto. A idéia, percebia, era irônica. Fora em

um campo aberto que tudo acontecera. A escuridão esmagadora. Afastou a

lembrança de sua mente. Velha história.

Vittoria o observava.

- Acredita em Deus, senhor Langdon?

Ele não esperava aquele tipo de pergunta. A seriedade na voz de Vittoria

era ainda mais desconcertante do que a indagação. Se eu acredito em Deus?

Esperava que pudessem conversar sobre um assunto mais leve para o tempo da

viagem passar mais depressa.

Um enigma espiritual, pensou Langdon. É assim que meus amigos me

chamam. Apesar de ter estudado religião durante anos, não era um homem

religioso. Respeitava o poder da fé, a bondade das igrejas, a força que a religião

dava a tantas pessoas. Entretanto, para ele, a suspensão intelectual da descrença

que era imperativa se alguém verdadeiramente desejava "crer" havia sido sempre

um obstáculo grande demais para sua mente acadêmica.

- Quero acreditar - ouviu-se dizendo.

O tom da réplica de Vittoria não dava a entender que ela estivesse fazendo

qualquer julgamento ou desafio.

- E por que não acredita?

Ele deu uma risadinha.

- Bem, não é assim tão fácil. Ter fé requer entrega, aceitação cerebral de

milagres, como a imaculada conceição e a intervenção divina. E existem ainda os

códigos de conduta. A Bíblia, o Corão, as escrituras budistas, em todos há

exigências semelhantes e penalidades semelhantes.

Determinam que se eu não viver de acordo com certo código, irei para o

inferno. Não consigo imaginar um Deus que governe desta maneira.

- Espero que não deixe seus alunos se esquivarem de perguntas assim com

tanta desfaçatez.

O comentário pegou-o desprevenido.

- O quê?

- Senhor Langdon, não perguntei se acredita no que o homem diz sobre

Deus. Perguntei se acredita em Deus. Existe uma diferença. As escrituras sagradas

são histórias.., lendas e a história da busca do homem para compreender sua

própria necessidade de significado. Não pedi que desse sua opinião sobre

literatura.

Estou perguntando se acredita em Deus. Quando se deita sob as estrelas,

não sente a presença do divino? Não sente em seu íntimo que está diante da obra

de Deus?

Langdon refletiu um instante.

- Estou me intrometendo - desculpou-se ela.

- Não, é que...

- O senhor com certeza deve debater assuntos de fé com seus alunos.

- Sem parar.

- E imagino que deva fazer sempre o papel do advogado do diabo. Sempre

estimulando as discussões.

Langdon sorriu.

- Também deve ser professora.

- Não, mas aprendi com um mestre. Meu pai era capaz de discutir os dois

lados de uma Faixa de Mõbius.

Langdon riu, visualizando a engenhosa Faixa de Mõbius, um anel torcido

de papel que tecnicamente possui apenas um lado. Langdon vira aquela forma

pela primeira vez nos trabalhos do artista M. C. Escher.

- Posso lhe fazer uma pergunta, senhorita Vetra?

- Prefiro que me chame de Vittoria. "Senhorita" Vetra faz com que me

sinta velha.

Ele suspirou intimamente, de repente se dando conta de sua própria idade.

- Vittoria, e eu sou Robert.

- Você ia fazer uma pergunta.

- Certo. Como cientista e filha de um padre católico, o que você pensa da

religião?

Ela fez uma pausa, afastando uma mecha de cabelo dos olhos.

- Religião é como um traje ou uma língua. Gravitamos em torno das

práticas com as quais fomos criados. No final, porém, todos proclamamos a

mesma coisa. Que a vida tem um sentido. Que somos gratos ao poder que nos

criou.

A resposta intrigou Langdon.

- Então, está dizendo que ser cristão ou muçulmano depende do lugar onde

se nasceu?

- Não é óbvio? Veja a difusão da religião pelo mundo afora.

- Quer dizer que a fé é aleatória?

- Dificilmente. A fé é universal. Nossos métodos específicos para

compreendê-la são arbitrários. Algumas pessoas rezam para Jesus, outras vão a

Meca, outras estudam partículas subatômicas. No final, estamos todos apenas

buscando a verdade, aquela que é maior do que nós mesmos.

Langdon desejou que seus alunos fossem capazes de se expressar com

tanta clareza. Ele próprio gostaria de saber se expressar com aquela clareza!

- E Deus? - ele perguntou. - Você acredita em Deus?

Vittoria ficou calada por um longo tempo.

- A ciência me diz que Deus tem de existir. Minha mente me diz que nunca

vou compreender Deus. E meu coração me diz que não fui feita para isto.

Isto é que é concisão, pensou ele.

- Então, acredita que Deus é fato mas que nunca o compreenderemos.

- A compreenderemos - corrigiu ela, com um sorriso. - Seus índios nativos

tinham razão.

Langdon deu uma risadinha.

- A Mãe Terra.

- Gaea. O planeta é um organismo. Todos nós somos células com

diferentes finalidades. No entanto, somos entrelaçados. Servindo uns aos outros.

Servindo ao todo.

Ouvindo-a falar, Langdon sentiu despertar dentro de si algo que não sentia

há muito tempo. Havia uma limpidez cativante em seus olhos... uma pureza em

sua voz. Ele se sentiu atraído.

- Senhor Langdon, deixe que eu lhe faça uma outra pergunta.

- Robert -corrigiu ele. - Senhor Langdon faz com que me sinta velho. Eu

sou velho!

- Se não se importa, gostaria de saber como se envolveu com os Illuminati?

Langdon pensou um pouco.

- Na verdade, foi por causa de dinheiro.

Vittoria pareceu desapontada.

- Dinheiro? Consultoria, não é?

Ele riu, percebendo como sua resposta fora interpretada.

- Não, dinheiro como moeda de um país. - Enfiou a mão no bolso da calça

e tirou algumas notas. Encontrou uma de um dólar. - Fiquei fascinado com o culto

quando soube que o dinheiro norte-americano traz um elemento da simbologia dos

Illuminati.

Vittoria semicerrou os olhos, sem saber se o levava a sério ou não.

Langdon passou-lhe a nota.

- Olhe o verso. Está vendo o sinete oficial à esquerda?

Ela virou a nota.

- A pirâmide?

- É, a pirâmide. Sabe o que as pirâmides têm a ver com a história dos

Estados Unidos?

Vittoria deu de ombros.

- Exato - disse Langdon. - Absolutamente nada.

- E por que é o símbolo central do seu sinete oficial?

- É uma história estranha - disse Langdon. - A pirâmide é um símbolo

secreto que representa a convergência para cima, para a extrema fonte de

Iluminação. Está vendo o que aparece em cima dela?

Vittoria examinou a nota.

- Um olho dentro de um triângulo.

- Chama-se trinacria. Já viu esse olho dentro do triângulo em algum outro

lugar?

Ela ficou em silêncio um instante.

- Na realidade já vi, mas não sei muito bem onde.

- Na fachada de lojas maçônicas do mundo inteiro.

- O símbolo é maçônico?

- Na verdade, não, é dos Illuminati. Eles o chamavam de seu "delta

brilhante" Um chamado para a mudança esclarecida. O olho significa a habilidade

dos Illuminati de se infiltrarem e verem todas as coisas. O triângulo reluzente

simboliza o esclarecimento, a instrução. E o triângulo é também a letra grega

delta, que é o símbolo matemático de...

- Mudança. Transição.

Langdon sorriu.

- Esqueci que estava falando com uma cientista.

- Então, está dizendo que o sinete oficial norte-americano é um chamado

para a mudança esclarecida, que tudo vê?

- Que alguns chamam de Nova Ordem Mundial.

Vittoria estava espantada. Examinou a nota mais uma vez.

- A inscrição sob a pirâmide diz Novus... Ordo...

- Novus Ordo Seculorurn - completou Langdon. - Nova Ordem Secular.

- Secular, querendo dizer não-religiosa?

- É, não-religiosa. A frase não só enuncia claramente o objetivo dos

Illuminati como contradiz flagrantemente a frase que está ao lado. Em Deus

Confiamos.

Aquelas informações eram perturbadoras.

- Como se explica que toda essa simbologia tenha ido parar na moeda mais

poderosa do mundo?

- Muitos acadêmicos acham que foi através do vice-presidente Henry

Wallace. Ele era um maçom dos altos escalões e certamente tinha ligações com os

Illuminati. Se era um membro ou estava inocentemente sob a influência deles, não

se sabe. Mas foi Wallace quem vendeu o desenho do sinete oficial para o

presidente.

- Como? Por que o presidente teria concordado em...

- O presidente era Franklin D. Roosevelt. Wallace simplesmente lhe disse

que Novus Ordo Seculorum significava New Deal.

Vittoria mostrou-se cética.

- E Roosevelt não tinha ninguém mais que examinasse o símbolo antes de

mandar o Tesouro imprimi-lo?

- Não foi preciso. Ele e Wallace eram como irmãos.

- Irmãos?

- Dê uma conferida em seus livros de História - disse Langdon com um

sorriso. - Franklin D. Roosevelt era um maçom conhecido.

CAPÍTULO 32

Langdon prendeu a respiração enquanto o X-33 fazia uma descida em

espiral na direção do Aeroporto Internacional Leonardo Da Vinci. Vittoria,

sentada à sua frente, fechou os olhos, como se procurasse submeter a situação ao

seu controle. A aeronave tocou o solo e taxiou para um hangar particular.

- Desculpem o vôo lento - desculpou-se o piloto, saindo da cabine de

comando.

- Tive de segurá-lo por causa dos regulamentos sobre ruído em áreas

povoadas.

Langdon verificou o relógio. O vôo tinha levado 37 minutos.

O piloto abriu a porta externa.

- Alguém pode me dizer o que está acontecendo?

Nenhum dos dois respondeu.

- Ótimo - disse ele, alongando-se. -Vou esperar na cabine de comando com

o ar condicionado e minha música. Só eu e Garth.

Fora do hangar, o sol do fim de tarde ardia, intenso. Langdon carregava seu

paletó de tweed pendurado no ombro. Vittoria levantou o rosto para o sol e

respirou fundo, como se a luz solar de alguma forma transferisse para ela uma

energia revigorante e mística.

Povos mediterrâneos... observou Langdon para si mesmo, já suando.

- Você está um pouco velho para desenhos animados, não acha? -

perguntou Vittoria, sem abrir os olhos.

- Como disse?

- Seu relógio de pulso. Vi lá dentro do avião.

Langdon enrubesceu um pouco. Estava acostumado a ter de defender seu

relógio. Era uma peça de coleção, um relógio do Mickey Mouse que lhe fora dado

de presente na infância por seus pais. Apesar do ridículo dos braços esticados do

Mickey indicando a hora, fora o único relógio de pulso que Langdon usara em

toda a sua vida. À prova d'água e com um mostrador que brilhava no escuro, era

perfeito para nadar e para andar à noite pelos caminhos sem iluminação da

universidade. Quando seus alunos questionavam seu conceito de moda, ele

respondia que usava aquele relógio para se lembrar diariamente que queria manter

seu espírito jovem.

- São seis horas - disse.

Vittoria balançou a cabeça, os olhos ainda fechados.

- Acho que nossa carona chegou.

Langdon ouviu o zumbido distante e olhou para cima, com o coração

apertado. Vindo do norte, um helicóptero se aproximava, voando baixo acima da

pista de pouso. Langdon andara de helicóptero uma vez no vale Palpa andino para

ver os desenhos de areia Nazca e não gostara nem um pouco. Uma caixa de patos

voadora. Depois de passar a manhã voando em um avião espacial, contava que o

Vaticano enviasse um carro para buscá-los.

Tudo indicava que não seria o caso.

O helicóptero reduziu a velocidade, pairou um instante e desceu na pista de

pouso diante deles. Era branco e trazia na lateral um brasão pintado - duas chaves

mestras cruzadas sobre um escudo encimado pela mitra papal. Ele conhecia bem

aquele símbolo. Era o brasão tradicional do Vaticano, o símbolo sagrado da Santa

Sé, ou "santa sede" do governo, literalmente o antigo trono de São Pedro.

O Santo Helicóptero, resmungou Langdon, acompanhando o pouso.

Esquecera-se de que o Vaticano possuía um, usado para transportar o Papa para o

aeroporto, para reuniões ou para seu castelo de verão em Gandolfo. Langdon

decididamente teria preferido um carro.

O piloto saltou e caminhou na direção deles pela pista.

Agora era Vittoria que parecia apreensiva.

- Esse é o nosso piloto?

Langdon também ficou preocupado.

- Voar ou não voar, eis a questão.

O piloto parecia estar vestido para um melodrama shakespeariano. Sua

túnica bufante era listrada verticalmente de azul - vivo e dourado. Usava calças e

polainas combinando. Estava calçado com sapatos rasos pretos que pareciam

chinelos. Na cabeça, trazia uma boina preta de feltro.

- O uniforme tradicional da Guarda Suíça - explicou Langdon. - Desenhado

pelo próprio Michelangelo. - Quando o homem se aproximou mais, Langdon

estremeceu. - E, admito, não foi um dos melhores trabalhos dele.

A despeito do traje extravagante do homem, Langdon viu logo que ele não

estava brincando. Movia-se ao encontro deles com a mesma rigidez e dignidade

de um fuzileiro naval norte-americano. Langdon lera muitas vezes sobre as

rigorosas exigências para se fazer parte da elitista Guarda Suíça. Recrutados em

um dos quatro cantões católicos da Suíça, os candidatos tinham de ser rapazes

suíços natos com idade entre 19 e 30 anos, pelo menos 1,74 m de altura, solteiros

e treinados pelo exército suíço. Esse soberbo corpo militar era invejado por

governos de todo o mundo por ser a mais fiel e mortífera força de segurança que

existe.

- Vocês são do CERN? - perguntou o guarda, ao chegar diante deles. Sua

voz era dura como aço.

- Sim, senhor - respondeu Langdon.

- Fizeram um tempo notável - disse ele, lançando um olhar intrigado para o

X-33. Virou-se para Vittoria. - A senhora tem outra roupa para vestir?

- Como disse?

Ele apontou para as pernas dela.

- Não é permitido entrar de calças curtas no Vaticano.

Langdon olhou para as pernas de Vittoria e fez uma careta. Esquecera

daquilo. Na Cidade do Vaticano era rigorosamente proibido ter as pernas à mostra

acima do joelho, tanto para as mulheres quanto para os homens. A norma era uma

forma de mostrar respeito pela santidade da cidade de Deus.

- Só tenho esta - ela disse. - Saímos de lá com muita pressa.

O guarda sacudiu a cabeça, aborrecido. Em seguida, dirigiu-se a Langdon.

- O senhor está carregando alguma arma?

Arma? pensou Langdon. Eu não trouxe nem uma muda de roupa de baixo!

E negou com um gesto de cabeça.

O oficial agachou-se aos pés de Langdon e começou a apalpá-lo por baixo,

começando pelas meias.

Rapaz confiante, pensou Langdon. As mãos fortes do guarda subiram pelas

pernas de Langdon chegando desconfortavelmente perto de sua virilha. Por fim,

deslocaram-se para seu peito e ombros.

Aparentemente satisfeito por nada ter encontrado, o guarda virou-se para

Vittoria. Correu os olhos pelo tronco e pelas pernas dela.

Ela lhe lançou um olhar feroz.

- Nem pense nisso.

O guarda encarou-a com uma expressão que claramente pretendia

intimidál-a. Ela não cedeu.

- O que é isso? - disse o guarda, apontando para uma leve protuberância

quadrada no bolso da frente do short dela.

Vittoria tirou do bolso um telefone celular ultrafino. O guarda pegou-o,

ligou-o, aguardou o sinal de linha e, tendo verificado que o aparelho não passava

realmente de um telefone, devolveu-o a ela.

- Dê uma volta, por favor - disse o guarda.

Vittoria obedeceu, levantando os braços e girando o corpo 360 graus.

O guarda examinou-a com cuidado. Langdon já observara que a blusa e o

short justos de Vittoria não mostravam nenhuma saliência onde não deveriam.

Parecia que o guarda chegara à mesma conclusão.

- Obrigado. Venham, por favor.

O helicóptero da Guarda Suíça funcionava em ponto morto quando Vittoria

e Langdon se aproximaram dele. Vittoria embarcou primeiro, como uma

freqüentadora habitual, mal se curvando ao passar por baixo das pás em

movimento. Langdon parou um instante.

- Nenhuma possibilidade de irmos de carro? - gritou, meio brincando, para

o guarda suíço, que se acomodava no banco do piloto.

O homem nem respondeu.

Com os motoristas loucos de Roma, Langdon sabia que, de qualquer

maneira, voar seria provavelmente mais seguro. Respirou fundo e embarcou,

depois de ter o cuidado de se abaixar bem para passar sob os rotores.

Enquanto o guarda preparava a decolagem, Vittoria perguntou:

- Já localizaram o tubo?

O guarda olhou para ela por cima do ombro, sem compreender.

- O quê?

- O tubo. Vocês não telefonaram para o CERN por causa de um tubo?

O homem deu de ombros.

- Não sei sobre o que está falando. Estivemos muito ocupados hoje. Meu

comandante mandou que eu viesse buscá-los. É tudo o que sei.

Vittoria virou-se para Langdon com o rosto inquieto.

- Coloquem os cintos, por favor - disse o piloto quando aumentou a

velocidade do motor.

Langdon procurou seu cinto de segurança e afivelou-o. Tinha a impressão

de que a fuselagem diminuta encolhia à sua volta. Então, com um ronco, a

aeronave subiu e inclinou-se abruptamente para o lado, descrevendo uma curva

para o norte na direção de Roma.

Roma... o caput mundi, onde César um dia reinou, onde São Pedro foi

crucificado. O berço da civilização moderna. E em seu âmago... o tique-taque de

uma bomba.

CAPÍTULO 33

Roma vista de cima é um labirinto - um emaranhado indecifrável de

antigas estradas serpenteando em volta de prédios, fontes e ruínas.

O helicóptero do Vaticano voava baixo no céu rumo a noroeste através da

camada permanente de fumaça produzida pelos congestionamentos da cidade.

Langdon via as bicicletas motorizadas, os ônibus de turismo e o enxame de

miniaturas de Fiats sedã contornando apressados os entroncamentos rotatórios e

espalhando-se em todas as direções. Koyaanisqatsi, pensou ele, lembrando o

termo hopi que significa "vida desequilibrada'

Vittoria mantinha-se em silenciosa determinação no assento ao lado dele.

O helicóptero inclinou-se fortemente para o lado.

Com um vazio no estômago, Langdon procurou fixar os olhos em pontos

mais distantes. E encontrou as ruínas do Coliseu romano. Ele sempre considerara

o Coliseu uma das maiores ironias da História. Hoje um símbolo consagrado do

desenvolvimento da cultura e da civilização humana, o estádio fora construído

para exibir séculos de eventos bárbaros - leões famintos despedaçando

prisioneiros, exércitos de escravos combatendo-se até a morte, estupros coletivos

de mulheres exóticas capturadas em terras remotas, assim como decapitações e

castrações públicas. Era também irônico, na opinião dele, ou talvez apropriado,

que a estrutura arquitetônica do Coliseu tivesse servido de modelo para o Soldier

Field de Harvard, o estádio de futebol onde as antigas tradições de selvageria

eram reencenadas todos os outonos, com fãs enlouquecidos clamando por sangue

quando Harvard enfrentava Yale.

Olhando para o norte, Langdon avistou o Fórum romano, o coração da

Roma pré-cristã. As colunas em ruínas pareciam lápides de túmulos caídas em um

cemitério que de alguma forma conseguira não ser engolido pela metrópole que o

rodeava.A oeste, a ampla bacia do rio Tibre desenhava enormes arcos através da

cidade. Mesmo de cima, dava para notar que o rio era fundo. As torrentes revoltas

eram escuras, cheias de sedimentos e espuma causados por fortes chuvas.

- Bem à nossa frente - disse o piloto, subindo mais.

Langdon e Vittoria olharam para fora e viram. Como uma montanha

rompendo a bruma, o domo colossal erguia-se diante deles: a Basílica de São

Pedro.

- Nisso aí, por exemplo - disse Langdon para Vittoria -, Michelangelo saiuse

muito bem.

Langdon nunca vira a basílica de cima. A fachada de mármore resplandecia

ao sol da tarde. Adornado com 140 estátuas de santos, mártires e anjos, o hercúleo

edifício tinha a mesma largura de dois campos de futebol e o comprimento

assombroso de seis. O descomunal interior da basílica tinha capacidade para

abrigar mais de 60 mil devotos, cem vezes mais que a população da Cidade do

Vaticano, o menor país do mundo.

Por inacreditável que fosse, nem mesmo uma cidadela dessa magnitude

conseguia fazer a piazza à sua frente parecer menor. Uma vastidão de granito, a

Praça de São Pedro era um extenso espaço aberto no congestionamento de Roma,

como um Central Park clássico. Diante da basílica, contornando o grande espaço

aberto, 284 colunas espalhavam-se em quatro arcos concêntricos cujos tamanhos

iam diminuindo...um trompe l'wil arquitetural utilizado para intensificar a

impressão de grandiosidade da piazza.

Contemplando aquele magnífico santuário, Langdon imaginou o que São

Pedro pensaria se estivesse ali. O santo morrera de modo horripilante, crucificado

de cabeça para baixo naquele mesmo local. Hoje, repousava na mais sagrada das

tumbas, muitos metros abaixo do solo, diretamente sob a cúpula central da

basílica.

- A Cidade do Vaticano - disse o piloto, num tom de voz que poderia ser

tudo, menos hospitaleiro.

Altos bastiões de pedra elevavam-se adiante - fortificações impenetráveis

cercando o complexo de construções, uma estranha defesa terrena para um mundo

espiritual de segredos, poder e mistério.

- Veja! - disse Vittoria de repente, agarrando o braço de Langdon. Ela

apontou, veemente, para a Praça de São Pedro logo abaixo deles. Langdon

aproximou o rosto da janela para enxergar melhor.

- Ali adiante - indicou ela.

A parte de trás da piazza parecia um estacionamento, lotada com uns dez

trailers. No teto dos trailers, imensas antenas parabólicas estavam viradas para o

céu, todas elas exibindo nomes conhecidos:

TELEVISOR EUROPEA

VIDEO ITALIA

BBC

UNITED PRESS INTERNATIONAL

Ocorreu a Langdon que a notícia sobre a antimatéria já pudesse ter vazado.

Vittoria ficou tensa.

- Por que a imprensa está aqui? O que está havendo?

O piloto virou a cabeça e lançou-lhe um olhar estranho.

- O que está havendo? Então, não sabe?

- Não - ela respondeu depressa, o sotaque soando rouco e forte.

- Ii Conclavo - disse. - As portas vão ser lacradas dentro de uma hora. O

mundo inteiro está acompanhando.

Ii Conclavo.

A palavra reverberou por um longo instante nos ouvidos de Langdon antes

da sensação de ter um tijolo caindo na boca de seu estômago. Ii Conclavo. O

Conclave do Vaticano. Como esquecera daquilo? A notícia estivera nos jornais

recentemente.

Quinze dias antes, o Papa falecera, depois de um pontificado

tremendamente popular de doze anos. Todos os jornais do mundo haviam contado

a história do derrame fatal que acometera o Papa durante o sono - morte repentina

e inesperada que muitos consideravam suspeita. Agora porém, mantendo a

tradição sagrada, 15 dias depois da morte de um Papa, o Vaticano realizava Ii

Conclavo: a cerimônia em que os 165 cardeais do mundo, os homens mais

poderosos da cristandade, reuniam-se na Cidade do Vaticano para eleger o novo

pontífice.

Todos os cardeais do planeta estão aqui hoje, Langdon refletiu enquanto o

helicóptero passava por cima da Basílica de São Pedro. O vasto mundo interior da

Cidade do Vaticano estendia-se abaixo deles.

Toda a estrutura de poder da Igreja Católica Romana está em cima de uma

bomba-relógio.

CAPÍTULO 34

O cardeal Mortati levantou o olhar para o teto exuberante da Capela Sistina

e procurou recolher-se em um momento de quieta reflexão. Nas paredes cobertas

de afrescos ecoavam as vozes de cardeais de todas as nações do globo. Os homens

acotovelavam-se no santuário iluminado pela luz de velas, cochichando

alvoroçados e trocando opiniões em diversas línguas, as universais sendo o inglês,

o italiano e o espanhol.

A luz na capela era geralmente sublime - longos raios coloridos de sol

cortando a escuridão como se viessem direto do Paraíso -, mas não hoje. Como

era o costume, todas as janelas da Capela haviam sido cobertas de veludo negro

em função do sigilo. Assim, ninguém lá dentro podia mandar sinais ou comunicarse

de que maneira fosse com o mundo exterior. O resultado era uma profunda

escuridão iluminada apenas por velas e uma luminosidade difusa que parecia

purificar todos os que tocava, tornando-os imateriais, como santos.

Que privilégio, pensou Mortati, eu ser o supervisor deste acontecimento

santificado.

Os cardeais acima de oitenta anos eram considerados velhos demais para se

candidatarem à eleição e não participavam do conclave, mas, aos 79 anos, Mortati

era o mais velho de todos e fora designado para dirigir os procedimentos.

Seguindo a tradição, os cardeais reuniam-se ali duas horas antes do

conclave para reatarem o contato com os amigos e debaterem questões de última

hora. Às sete da noite, o camarista do último Papa chegava, fazia a oração de

entrada e depois ia embora. Em seguida, a Guarda Suíça lacrava as portas,

trancando todos os cardeais dentro da capela. Então, tinha início o ritual político

mais secreto do mundo. Os cardeais só podiam sair depois de decidirem quem

entre eles seria o novo Papa.

Conclave. Até o nome sugeria segredo. "Con clave" significava

literalmente "trancado à chave' Os cardeais não podiam ter qualquer contato com

o mundo exterior. Nada de ligações telefônicas, nada de mensagens, nada de

sussurros através de portas. O conclave era um vácuo, não podia ser influenciado

por nada que viesse de fora. Para garantir que os cardeais tivessem Solum Deum

prae oculis – somente Deus diante dos olhos.

Do lado de fora da capela, naturalmente, a mídia observava e esperava,

especulando qual dos cardeais seria o líder de um bilhão de católicos em todo o

mundo. Os conclaves criavam uma atmosfera intensa, politicamente carregada e,

ao longo dos séculos, haviam-se tornado às vezes fatais: envenenamentos, lutas

corporais e até assassinatos já haviam irrompido entre as paredes sagradas.

História antiga, pensou Mortati. O conclave daquela noite seria marcado pela

união, pela bem-aventurança e, acima de tudo, seria breve.

Pelo menos, fora o que pensara.

Agora, todavia, surgira um transtorno inesperado. Inexplicavelmente

quatro cardeais estavam ausentes da capela. Mortati sabia que todas as saídas da

Cidade do Vaticano estavam guardadas e que os cardeais que faltavam não

poderiam estar longe. Ainda assim, a menos de uma hora da prece de abertura, ele

se sentia desconcertado. Afinal de contas, os quatro homens não eram cardeais

comuns. Eram os cardeais.

Os quatro escolhidos.

Como supervisor do conclave, Mortati já mandara avisar a Guarda Suíça

através dos canais competentes, alertando-a para a ausência deles. Ainda não

tivera nenhuma resposta. Outros cardeais já haviam notado a incompreensível

ausência. Haviam começado os cochichos ansiosos. De todos, aqueles quatro

eram os que deveriam ter sido mais pontuais! O cardeal Mortati começava a

recear que a noite pudesse ser longa, afinal.

Ele nem imaginava quanto.

CAPÍTULO 35

O heliponto do Vaticano, por questões de segurança ou de controle de

ruído, localiza-se na extremidade nordeste da Cidade do Vaticano, tão longe da

Basílica de São Pedro quanto possível.

- Terra firma - anunciou o piloto quando pousaram. Ele saiu e abriu a porta

de correr para Vittoria e Langdon.

Langdon desceu e virou-se para ajudar Vittoria, mas ela já tinha saltado

com facilidade. Todos os músculos do corpo dela pareciam estar afinados para um

único objetivo: encontrar a antimatéria antes que esta deixasse um terrível legado.

Depois de estender um painel refletor para proteger o vidro da cabine de

comando contra o sol, o piloto conduziu-os para um carrinho elétrico de golfe que

aguardava ali perto. O carrinho, silencioso e rápido, levou-os ao longo da fronteira

oeste do Vaticano - um baluarte de cimento de 15 metros de altura, grosso o

bastante para resistir até mesmo à investida de tanques. Enfileirados na parte

interna do muro, postados a intervalos de 50 metros, os guardas suíços

mantinham-se atentos, vigilantes. O carrinho dobrou à direita e saiu na Via

dell'Osservatorio. Havia placas de sinalização apontando para todas as direções:

PALAZZO GOVERNATORIO

COLLEGIO ETHIOPIANA

BASILICA SAN PIETRO

CAPELLA SISTINA

Aceleraram pela rua bem cuidada e passaram por uma construção

atarracada onde havia uma placa com os dizeres: RADIO VATICANA. Langdon

deu-se conta de que dali vinha a programação de rádio mais ouvida do planeta, a

que espalhava a palavra de Deus para milhões de ouvintes no mundo inteiro.

- Attenzione - disse o piloto, dobrando abruptamente em um entroncamento

rotatório.

Enquanto o carro circulava, Langdon mal podia crer na vista que se

apresentava diante deles. Giardini Vaticani, pensou. O coração da Cidade do

Vaticano. Bem à frente, encontrava-se a parte dos fundos da Basílica de São

Pedro, que muita gente jamais vira. À direita erguia-se o Palácio do Tribunal, a

opulenta residência papal cuja decoração barroca rivalizava apenas com

Versailles. O prédio do Governatorato, de aparência severa, estava agora atrás

deles e abrigava a administração da Cidade do Vaticano. E, mais além, à

esquerda, estava o maciço edifício retangular do Museu Vaticano. Langdon sabia

que não haveria tempo para visitar nenhum museu naquela viagem.

- Onde estão todos? - perguntou Vittoria, observando os gramados e

calçadas desertos.

O guarda conferiu seu cronógrafo preto, de estilo militar - um curioso

anacronismo sob sua manga bufante.

- Os cardeais estão reunidos na Capela Sistina. O conclave começa em

menos de uma hora.

Langdon balançou a cabeça, lembrando-se vagamente que, antes do

conclave, os cardeais passavam duas horas dentro da Capela Sistina em tranqüila

reflexão e estabelecendo contato com seus companheiros do resto do mundo. O

período de tempo tinha como finalidade renovar velhas amizades e fazer com que

o processo eleitoral fosse menos acalorado.

- E o resto dos residentes e funcionários?

- Proibidos de entrar na cidade para garantir que haja sigilo e segurança até

que o Conclave termine.

- E quando termina?

O guarda deu de ombros.

- Só Deus sabe.

As palavras soaram estranhamente literais.

Depois de estacionar o carrinho no vasto gramado logo atrás da Basílica de

São Pedro, o guarda escoltou Vittoria e Langdon por uma rampa de pedra que

dava acesso a uma esplanada junto aos fundos da basílica. Atravessaram a

esplanada, aproximaram-se da basílica e contornaram-na passando por um pátio

triangular, cruzando a Via Belvedere e um conjunto de edifícios muito próximos

uns dos outros. As aulas de História da Arte de Langdon haviam-lhe permitido

que aprendesse italiano o suficiente para identificar ali a Gráfica do Vaticano, o

Laboratório de Restauração de Tapeçarias, a Administração do Correio e a Igreja

de Santa Ana. Atravessaram mais uma pequena praça e chegaram a seu destino.

O Escritório da Guarda Suíça fica ao lado de le Corpo di Vigilanza, a

nordeste da basílica, em uma construção robusta, de pedra. De cada lado da

entrada, como duas rígidas estátuas, havia um guarda.

Langdon teve de admitir que esses guardas não pareciam tão cômicos.

Também usavam o uniforme azul e dourado, mas seguravam a tradicional "espada

longa do Vaticano” uma lança de dois metros e meio de comprimento com uma

ponta falciforme, afiada como uma navalha, que teria sido usada para decapitar

inúmeros muçulmanos na defesa dos cruzados cristãos no século XV.

Quando Langdon e Vittoria se aproximaram, os dois guardas deram um

passo à frente e cruzaram suas longas espadas, bloqueando a entrada. Um deles

olhou para o piloto, confuso.

- I pantaloni - disse, indicando o short de Vittoria.

O piloto fez um gesto para que os deixasse passar.

- Ii comandante vuole vederli subito.

Os guardas fizeram cara feia. Relutantes, afastaram-se para o lado.

Dentro, o ar estava frio. Não se parecia em nada com a sede administrativa

de um serviço de segurança que Langdon teria imaginado. Decorados e

impecavelmente mobiliados, os corredores continham quadros que qualquer

museu ficaria contente em expor em sua sala principal.

O piloto apontou para uma escadaria íngreme.

- Vamos descer, por favor.

Langdon e Vittoria desceram os degraus de mármore entre uma fileira de

estátuas masculinas nuas. Todas elas usavam folhas de parreira de um material de

tonalidade mais clara que o do resto do corpo.

A Grande Castração, pensou Langdon.

Foi uma das piores tragédias da arte da Renascença. Em 1857, o Papa Pio

IX decidiu que a representação exata do corpo masculino poderia incitar à luxúria.

Então, pegou um cinzel e um malho e decepou a genitália de todas as estátuas

masculinas da Cidade do Vaticano. Desfigurou obras de Michelangelo, Bramante

e Bernini. Folhas de parreira feitas de gesso serviram de remendo para o estrago.

Langdon muitas vezes imaginara se não haveria um enorme caixote cheio de pênis

em algum lugar.

- Aqui - anunciou o guarda.

Haviam chegado ao pé da escada, que só dava acesso a uma pesada porta

de aço. O guarda digitou um código de entrada e a porta correu, abrindo-se. Os

dois entraram.

Lá dentro reinava o caos absoluto.

CAPÍTULO 36

O Escritório da Guarda Suíça.

Langdon parou na porta, observando a colisão de séculos à sua frente.

Multimídia, pensou. A sala era uma biblioteca renascentista suntuosamente

decorada, com estantes de madeira marchetada, tapetes orientais e tapeçarias

coloridas. Entretanto, fervilhava de equipamentos eletrônicos de última geração -

computadores, faxes, mapas eletrônicos do conjunto de construções do Vaticano e

televisões ligadas na CNN. Homens de calças bufantes coloridas digitavam

febrilmente nos teclados dos computadores e escutavam atentos seus fones de

ouvido futurísticos.

- Esperem aqui - disse o guarda.

Os dois viram-no cruzar a sala e aproximar se de um homem

excepcionalmente alto e magro, vestido com um uniforme militar azul. Ele falava

ao telefone celular e mantinha-se tão ereto que quase se curvava para trás. O

guarda disse-lhe algo e o homem lançou um olhar para Langdon e Vittoria.

Cumprimentou-os com um gesto de cabeça, depois se virou de costas para eles e

continuou a falar ao telefone.

O guarda voltou.

- O comandante Olivetti vai estar com os senhores em um minuto.

- Obrigado.

O guarda saiu e subiu as escadas de volta.

Langdon analisou o comandante Olivetti através da sala, dando-se conta de

que ele era na realidade o comandante-em-chefe das forças armadas de um país

inteiro. Enquanto esperavam, Vittoria e Langdon observavam a movimentação ao

seu redor. Guardas vestidos de cores vivas andavam apressados de um lado para

outro gritando ordens em italiano.

- Continua cercando! - um deles exclamou ao telefone.

- Probasti il museo? - perguntava outro.

Langdon não precisava falar italiano fluente para verificar que o centro de

segurança estava naquele momento intensamente empenhado em procurar alguma

coisa. Essa era a boa notícia. A má era que obviamente ainda não haviam

encontrado a antimatéria.

- Você está bem? - ele perguntou a Vittoria.

Ela deu de ombros, com um sorriso cansado.

Quando o comandante finalmente desligou o telefone e veio na direção

deles, deu a impressão de crescer a cada passo. O próprio Langdon era alto e não

estava acostumado a levantar a cabeça para falar com as pessoas, mas a estatura

do comandante Olivetti exigia isso. Langdon percebeu de imediato que aquele

homem já passara por várias tempestades, por seu rosto duro e vigoroso.

Tinha o cabelo escuro em um corte rente de estilo militar e seus olhos

ardiam com a rígida determinação que só se adquire depois de anos de muito

treinamento. Movimentava-se com uma precisão enérgica, um pequeno fone

discretamente colocado atrás da orelha fazendo com que se parecesse mais com

um membro do serviço secreto norte-americano do que da Guarda Suíça.

Falou-lhes em inglês com sotaque. A voz era espantosamente baixa para

um homem tão grande - ele quase sussurrava. Mas era cortante, e ele falava com

uma contida eficiência militar.

- Boa tarde - disse. - Sou o comandante Olivetti, Comandante Principale da

Guarda Suíça. Fui eu quem telefonou para seu diretor.

- Obrigada por nos receber, senhor - disse Vittoria, o rosto levantado para

ele. O comandante não disse mais nada. Fez sinal para que o seguissem e

conduziu-os através do labirinto de máquinas para uma porta na parede lateral da

sala.

- Entrem - disse, segurando a porta para eles.

Os dois entraram e viram-se na penumbra de uma sala de controle, onde,

em uma parede cheia de monitores de vídeo, sucediam-se devagar imagens em

preto-e-branco do conjunto de edifícios. Um jovem guarda estava sentado

observando as imagens com atenção.

- Fuori - disse Olivetti.

O guarda pegou suas coisas e saiu.

Olivetti encaminhou-se para uma das telas e apontou para ela. Depois,

virou-se para seus visitantes.

- Esta imagem é de uma câmera remota escondida em algum ponto da

Cidade do Vaticano. Gostaria de uma explicação.

Langdon e Vitto ria prenderam a respiração ao mesmo tempo. A imagem

era categórica. Não havia qualquer dúvida. Tratava-se do tubo de antimatéria do

CERN. Dentro dele, a ameaça de uma reluzente gotícula suspensa no ar,

iluminada pelo piscar ritmado do mostrador eletrônico do relógio digital. De

modo sinistro, a área em torno do tubo estava quase por completo às escuras,

como se a antimatéria estivesse dentro de um armário ou de um quarto sem

iluminação. No alto da tela aparecia um texto: AO VIVO - CÂMERA 86.

Vittoria verificou o tempo restante no indicador do tubo.

- Menos de seis horas - murmurou para Langdon, o rosto tenso.

Langdon olhou para o relógio.

- Então, temos até... - ele parou de falar, um nó apertando-lhe o estômago.

- Meia-noite - completou Vittoria, com um ar abatido.

Meia-noite, pensou Langdon. Um toque dramático. Pelo jeito, quem

roubara o tubo na noite anterior calculara o tempo com perfeição. Veio-lhe um

mau pressentimento ao lembrar que estava exatamente na área de explosão de

uma bomba.

O cochichar de Olivetti soava agora mais como o sibilar de uma cobra.

- Esse objeto pertence à sua empresa?

Vittoria concordou com um gesto.

- Sim, senhor. Foi roubado de lá. Contém uma substância extremamente

combustível chamada antimatéria.

Olivetti não se mostrou abalado.

- Estou bem familiarizado com materiais incendiários, senhorita. Nunca

ouvi falar de antimatéria.

- É uma nova tecnologia. Precisamos localizá-la imediatamente ou evacuar

a Cidade do Vaticano.

Olivetti fechou os olhos devagar e reabriu-os, como se focalizando-os de

novo em Vittoria pudesse mudar o que acabara de ouvir.

- Evacuar? Tem noção do que está havendo aqui esta noite?

- Sim, senhor. E as vidas de seus cardeais estão em perigo. Temos cerca de

seis horas. Já obteve algum progresso na localização do tubo?

Olivetti sacudiu a cabeça.

- Nem começamos a procurar.

Vittoria quase engasgou.

- O quê? Mas escutamos nitidamente seus guardas falando sobre procurar

o...- Sobre procurar, sim - interrompeu Olivetti -, mas não o seu tubo. Meus

homens estão procurando outra coisa que não lhes diz respeito.

A voz de Vittoria chegou a falhar.

- Vocês ainda nem começaram a procurar esse tubo?

As pupilas de Olivetti pareceram recuar para dentro de sua cabeça. Ficou

com a aparência impassível de um inseto.

- Senhorita Vetra, não é? Deixe-me explicar-lhe algo. O diretor de sua

empresa recusou-se a me fornecer qualquer detalhe ao telefone sobre esse objeto,

a não ser para me dizer que eu precisava encontrá-lo imediatamente. Estamos

bastante ocupados aqui e não posso me dar ao luxo de destacar efetivo para uma

situação sem apurar alguns fatos.

- Só existe um fato relevante neste momento, senhor - disse Vittoria.

- Dentro de seis horas aquele aparelho vai desintegrar todos estes prédios.

Olivetti ficou imóvel.

- Senhorita Vetra, há uma coisa que precisa saber - disse ele, num tom de

voz meio condescendente. - Apesar da aparência arcaica da Cidade do Vaticano,

cada uma das entradas, tanto as públicas como as particulares, está equipada com

os sensores mais avançados que se conhece. Se alguém tentar entrar com qualquer

tipo de dispositivo incendiário, isto será detectado no mesmo instante. Temos

scanners de isótopos radioativos, filtros olfatórios projetados pelo DEA (Drug

Enforcement Administration), a agência norte-americana de combate ao

narcotráfico, para detectar o mais tênue vestígio químico de combustíveis e

toxinas. Também usamos os mais avançados detectores de metais e scanners de

raios X disponíveis.

- Excelente - disse Vittoria, com a mesma frieza de Olivetti. - Infelizmente,

a antimatéria não é radioativa, sua assinatura química é a de hidrogênio puro e o

tubo é feito de plástico. Nenhum desses aparelhos a teria detectado.

- Mas o dispositivo tem uma fonte de energia - disse Olivetti, apontando

para o mostrador luminoso que piscava. - O menor vestígio de níquel-cádmio seria

identificado como...

- As baterias também são de plástico.

Via-se claramente que a paciência de Olivetti estava a ponto de terminar.

- Baterias de plástico?

- Eletrólito de gel-polímero com teflon.

Olivetti inclinou-se para ela, como se quisesse acentuar a diferença de

altura entre ambos.

- Signorina, o Vaticano é alvo de dezenas de ameaças de bomba por mês.

Sou eu pessoalmente quem treina toda a Guarda Suíça em moderna tecnologia de

explosivos. Sei muito bem que não existe substância neste mundo tão poderosa

assim para fazer o que está dizendo, a não ser que esteja se referindo a uma ogiva

nuclear com um núcleo de combustível do tamanho de uma bola de beisebol.

Vittoria fulminou-o com o olhar.

- A natureza tem muitos mistérios ainda por revelar.

Olivetti inclinou-se mais para ela.

- Posso perguntar quem exatamente é a senhorita? Qual é a sua função no

CERN?

- Sou membro sênior da equipe de pesquisas e fui designada para ser o

contato com o Vaticano nesta crise.

- Desculpe-me a indelicadeza, mas, se esta é de fato uma crise, por que

estou lidando com a senhorita e não com seu diretor? E o que pretende com o

desrespeito de entrar no Vaticano com essa roupa?

Langdon deu um gemido. Não podia acreditar que, naquelas circunstâncias,

o homem estivesse preocupado com trajes. Contudo, refletiu, se pênis de pedra

podiam despertar pensamentos lascivos nos moradores do Vaticano, Vittoria

Vetra de short certamente seria uma ameaça à segurança nacional.

- Comandante Olivetti - intrometeu-se Langdon, tentando desarmar o que

parecia ser uma segunda bomba prestes a explodir -, meu nome é Robert Langdon.

Sou professor de estudos religiosos nos Estados Unidos e sem vínculos com o

CERN. Assisti a uma demonstração dos efeitos da antimatéria e posso confirmar a

afirmação da senhorita Vetra de que se trata de uma substância excepcionalmente

perigosa. Temos motivos para crer que foi colocada dentro do Vaticano por

representantes de um culto anti-religioso com a intenção de destruir o conclave.

Olivetti virou-se, olhando Langdon de cima.

- Tenho aqui uma mulher de short me dizendo que uma gotinha de líquido

vai explodir o Vaticano e um professor americano me dizendo que somos o alvo

de um culto anti-religioso. O que afinal querem que eu faça?

- Encontre o tubo - disse Vittoria. - Agora mesmo.

- Impossível. Pode estar em qualquer lugar. A Cidade do Vaticano é

enorme.

- Suas câmaras não têm localizadores GPS?

- Não costumam ser roubadas. Levaríamos dias para localizar essa câmara.

- Não temos dias - replicou Vittoria, inflexível. - Temos seis horas.

- Seis horas para que, senhorita Vetra? - A voz de Olivetti ficou alta de

repente.Apontou para a imagem na tela. - Até que essa contagem chegue a zero?

Até que a Cidade do Vaticano desapareça? Acredite, não gosto nem um pouco que

alguém venha burlar meu sistema de segurança. Nem me agrada que uma

geringonça dessas apareça misteriosamente dentro dos meus edifícios. Eu estou

preocupado.

É minha obrigação estar preocupado. Mas o que me contou é inaceitável.

Langdon não se conteve:

- O senhor já ouviu falar dos Illuminati?

A atitude glacial do comandante rompeu-se. Seus olhos ficaram brancos,

como os de um tubarão pronto para atacar.

- Estou avisando a vocês. Não tenho tempo para isso.

- Então, quer dizer que o senhor já ouviu falar dos Illuminati?

Os olhos de Olivetti pareciam perfurar como golpes de baioneta.

- Sou um defensor jurado da Igreja Católica. Claro que já ouvi falar dos

Illuminati. Estão mortos há décadas.

Langdon enfiou a mão no bolso e tirou o fax com a imagem do corpo

marcado a fogo de Leonardo Vetra.

Estendeu-o para Olivetti.

- Sou um estudioso dos Illuminati - disse Langdon, enquanto Olivetti

examinava o papel. - Estou tendo grande dificuldade em aceitar que os Illuminati

ainda estejam em atividade, mas a aparência dessa marca combinada com o fato

de que os Illuminati têm um conhecido pacto contra o Vaticano me fizeram mudar

de idéia.

- Uma fraude produzida por computador. - Olivetti devolveu o fax a

Langdon.

Este exclamou, incrédulo:

- Fraude? Veja a simetria! O senhor melhor do que ninguém deveria

reconhecer a autenticidade de...

- Autenticidade é exatamente o que falta a vocês. A senhorita Vetra talvez

não tenha lhe informado, mas os cientistas do CERN vêm criticando as políticas

do Vaticano há anos. Eles regularmente nos encaminham pedidos de retratação da

teoria cri acionista, de desculpas formais a Galileu e Copérnico e repelem nossas

críticas a pesquisas perigosas ou imorais. O que parece mais provável aos

senhores: que um culto satânico de quatrocentos anos tenha ressurgido com uma

arma avançada de destruição em massa ou que algum engraçadinho no CERN

esteja tentando acabar com um evento sagrado do Vaticano lançando mão de uma

fraude bem executada?

- Aquela foto - disse Vittoria, a voz igual a lava incandescente - é do meu

pai. Assassinado. Acha que eu iria brincar com uma coisa dessas?

- Não sei, senhorita Vetra. O que sei é que, até conseguir algumas respostas

que façam sentido, não vou acionar qualquer tipo de alarme. Vigilância e

discrição são meu dever para que as questões espirituais possam ter lugar aqui

com clareza de mente. Hoje mais do que nunca.

Langdon disse:

- Ao menos, então, adie o evento.

- Adiar? - o queixo de Olivetti caiu. - Que arrogância! Um conclave não é

um jogo qualquer de beisebol que se pode transferir por causa da chuva! É um

evento sagrado com um código e um processo rigorosos. Não faz mal que um

bilhão de católicos estejam esperando por um líder! Não faz mal que a imprensa

mundial esteja lá fora! O protocolo deste evento é sagrado, não está sujeito a

modificações. Desde 1179, os conclaves sobreviveram a terremotos, fome e até à

peste. Acreditem, não vai ser cancelado por causa de um cientista morto e de uma

gotinha de sabe-se lá o quê.

- Leve-me à pessoa encarregada - exigiu Vittoria.

Olivetti lançou-lhe um olhar furibundo.

- Está diante dela.

- Não - disse ela -, alguém do clero.

As veias na testa de Olivetti começaram a crescer.

- O clero se foi. Com exceção da Guarda Suíça, só quem está presente no

momento é o Colégio dos Cardeais. E eles estão no interior da Capela Sistina.

- E quanto ao camarista do Papa? - perguntou Langdon, incisivo.

- Quem?

- O camarista do último Papa. - Ele repetiu a palavra, seguro de si, rezando

para que a memória o tivesse ajudado. Lembrou-se de ter lido certa vez sobre a

curiosa delegação de autoridade que se seguia à morte de um Papa. Se estivesse

correto, no período entre Papas, o poder autônomo completo transferia-se

temporariamente para o assistente pessoal do Papa anterior, seu camarista ou

camareiro, um secretário que supervisionava o conclave até que os cardeais

escolhessem o novo Santo Padre. - Creio que o camarista é a pessoa encarregada

no momento.

- Il camerlengo?- disse Olivetti. - O camerlengo é só um padre aqui. Nem

cônego ele é. Era o criado do último Papa.

- Mas ele está aqui. E o senhor responde a ele.

Olivetti cruzou os braços.

- Senhor Langdon, é verdade que as regras do Vaticano determinam que o

camerlengo assuma a superintendência durante o conclave, mas é apenas porque a

sua inelegibilidade para o papado garante uma eleição imparcial. É como se o seu

presidente morresse e um de seus assistentes temporariamente se sentasse na Sala

Oval. O camerlengo é jovem e seus conhecimentos sobre segurança, ou qualquer

coisa relacionada a isso, são extremamente limitados. Para todos os efeitos, o

responsável aqui sou eu.

- Leve-nos até ele - pediu Vittoria.

- Impossível. O conclave começa dentro de 40 minutos. O camerlengo está

no escritório do Papa, preparando tudo. Não pretendo incomodá-lo com assuntos

de segurança.

Vittoria abriu a boca para responder, mas foi interrompida por uma batida

na porta. Olivetti abriu-a.

Um guarda em traje de gala estava do lado de fora, apontando para o

relógio.

- P l'ora, comandante.

Olivetti verificou seu próprio relógio e sacudiu a cabeça, concordando.

Virou-se para Langdon e Vittoria como um juiz que decidisse o destino deles.

- Sigam-me.

Saiu com eles da sala de monitoramento, cruzando o centro de segurança

até um cubículo claro junto à parede do fundo.

- Meu escritório.

Olivetti fez com que entrassem. A sala não tinha nada de especial: uma

escrivaninha cheia de coisas, além de arquivos, cadeiras dobráveis e um

refrigerador.

- Volto em dez minutos. Sugiro que aproveitem o tempo para decidir como

querem agir.

Vittoria girou nos calcanhares.

- Não pode sair assim! Aquele tubo é...

- Não tenho tempo para isso agora - Olivetti estava agitado. - Talvez tenha

de prendê-los até depois do conclave, quando terei tempo.

- Signore - insistiu o guarda, apontando de novo para o relógio. - Spazzare

di capeila.

Olivetti sacudiu a cabeça e dirigiu-se para a porta.

- Spazzare di capeila? - perguntou Vittoria. - Estão saindo para varrer a

capela?

Olivetti virou-se com um olhar penetrante.

- Vamos fazer uma varredura, procurar grampos, escuta eletrônica,

senhorita Vetra. Por uma questão de discrição. - E ele fez um gesto para as pernas

dela.

- Embora eu não espere que a senhorita compreenda o que quer dizer isto.

E bateu a porta, sacudindo o vidro pesado. Com um movimento ligeiro, fez

aparecer uma chave, colocou-a na fechadura e girou-a. Uma tranca pesada

encaixou-se no lugar.

- Idiota! - gritou Vittoria. - Não pode nos prender aqui!

Através do vidro, Langdon viu Olivetti dizer alguma coisa para um guarda.

A sentinela concordou.

Quando Olivetti saiu da sala, o guarda veio e ficou de frente para eles do

outro lado do vidro, os braços cruzados, uma arma pendurada no quadril, bem à

vista.

Perfeito, pensou Langdon, simplesmente perfeito.

CAPÍTULO 37

Vittoria fulminou com o olhar o guarda suíço do outro lado da porta

trancada do escritório de Olivetti. O guarda devolveu-lhe o olhar fulminante, o

uniforme colorido em desacordo com seu ar ameaçador.

Che fiasco, pensou Vittoria. Mantida presa por um homem armado vestido

de pijamas.

Langdon calara-se e Vittoria esperava que ele estivesse usando seu cérebro

de Harvard para achar um jeito de escapulirem dali. Pela cara dele, porém, tinha a

impressão de que estava mais em estado de choque do que entregue a

pensamentos. Lamentava tê-lo envolvido naquela situação.

O primeiro instinto de Vittoria havia sido pegar o telefone celular e ligar

para Kohler, mas sabia que teria sido inútil. Primeiro, o guarda provavelmente

entraria e tomaria seu telefone. Segundo, se aquele episódio de Kohler tivesse

seguido o curso habitual, ele provavelmente ainda estaria incapacitado. Não que

fizesse diferença... Olivetti não parecia inclinado a acreditar na palavra de quem

quer que fosse naquele momento.

Lembre-se!, disse a si mesma. Lembre-se da solução para este problema!

A lembrança era um truque filosófico budista. Em vez de pedir à sua mente

para procurar uma solução para um desafio potencialmente impossível, Vittoria

pedia-lhe que apenas se lembrasse da solução. O pressuposto de que sabia a

resposta criava a disposição mental de que a resposta deveria existir, eliminando

assim o conceito paralisante de desesperança. Vittoria costumava utilizar aquele

processo para resolver incertezas científicas, aquelas que a maioria das pessoas

achava não terem solução.

Naquela hora, todavia, o truque da lembrança só produzia um grande

branco.

Portanto, ela avaliou suas opções, suas necessidades. Precisava avisar

alguém.Alguém no Vaticano precisava levá-la a sério. Mas quem? O camerlengo?

Como?

Ela estava dentro de uma caixa de vidro com uma única porta de saída.

Ferramentas, disse consigo. Sempre existem ferramentas. Reavalie seu

ambiente.

Instintivamente, ela abaixou os ombros, relaxou o rosto e respirou fundo

três vezes. Sentiu seu ritmo cardíaco diminuir e seus músculos se descontraírem.

O pânico caótico em sua mente dissipou-se. Muito bem, pensou, deixe a mente

livre. O que há de positivo nesta situação? Quais são minhas vantagens?

A mente analítica de Vittoria Vetra, tendo se acalmado, tornava-se uma

força poderosa. Em segundos, ela verificou que o fato de estarem encarcerados

constituía na verdade a chave de sua fuga daquele lugar.

- Vou dar um telefonema - anunciou, de súbito, a Langdon.

- Eu já ia sugerir que ligasse para Kohler, mas...

- Kohler, não. Outra pessoa.

- Quem?

- O camerlengo.

- Você vai ligar para o camerlengo? Como?

- Olivetti disse que o camerlengo estava no escritório do Papa.

- Certo. E você sabe o número do telefone do Papa?

- Não. Mas não é do meu telefone que vou ligar. - E fez um sinal na

direção de um sofisticado sistema de telefonia na mesa de Olivetti. Havia uma

porção de botões de discagem direta. - O chefe da segurança deve ter uma linha

direta para o escritório do Papa.

- E também temos um halterofilista com uma arma plantado a dois metros

daqui.

- E nós estamos trancados aqui dentro.

- Eu já tinha notado.

- Quero dizer é que o guarda não pode entrar. Este é o escritório particular

de Olivetti. Duvido que alguém mais tenha a chave.

Langdon deu uma espiada no guarda.

- O vidro é bem fino e a arma é bem grande.

- E o que ele vai fazer, atirar em mim porque estou usando o telefone?

- Sabe-se lá! Este lugar é bem esquisito, e do jeito que as coisas vão...

- Ou isso - disse Vittoria - ou podemos passar as próximas cinco horas e

quarenta e oito minutos na prisão do Vaticano. Pelo menos, vamos assistir de

camarote quando a antimatéria explodir.

Langdon empalideceu.

- O guarda vai chamar Olivetti assim que você pegar aquele telefone. Além

disso, há uns 20 botões ali. E não estou vendo nenhuma identificação. Vai tentar

todos eles e torcer para acertar de primeira?

- Não - disse ela, dirigindo-se para o telefone. - Só vou tentar um. - Vittoria

pegou o fone e apertou o primeiro botão. - Número um. Aposto um daqueles

dólares dos Illuminati que você tem no bolso que este é o botão do escritório do

Papa. O que mais teria importância prioritária para um comandante da Guarda

Suíça?

Langdon não teve tempo de responder. O guarda lá fora começou a bater

no vidro com a coronha de sua arma. Fazia sinal para que ela largasse o telefone.

Vittoria piscou para ele. O guarda pareceu inflar de tanta raiva.

Langdon afastou-se da porta e falou com Vittoria.

- É bom você estar certa, porque esse sujeito não está muito satisfeito.

- Droga! - disse ela, escutando. - Uma gravação!

- Gravação? - perguntou Langdon. - O Papa tem secretária eletrônica?

- Não era o escritório do Papa - disse Vittoria, desligando. - Era o maldito

cardápio semanal da intendência do Vaticano.

Langdon deu um sorriso amarelo para o guarda lá fora, que agora estava

com uma cara furiosa, comunicando-se com Olivetti pelo walkie-talkie.

CAPÍTULO 38

A mesa telefônica do Vaticano localiza-se no Ufficio di Communicazione,

atrás do Correio do Vaticano. Fica em uma sala relativamente pequena contendo

um equipamento Corelco 141 de oito linhas, O departamento atende a 2.000

ligações por dia, a maioria encaminhada automaticamente para o sistema gravado

de informações. Naquela noite, o único telefonista de plantão estava sentado

sossegadamente tomando sua xícara de chá. Sentia-se orgulhoso por ser um dos

poucos funcionários autorizados a permanecer dentro do Vaticano durante o

conclave.

É claro que a honra ficava de certa forma abalada pela presença dos

guardas suíços rondando sua porta. Uma escolta para ir ao banheiro, pensou ele.

Ah, as indignidades que somos obrigados a aturar em nome do Santo Conclave!

Felizmente, as chamadas até então haviam sido poucas. O que talvez não

fosse tão bom assim.

O interesse mundial pelos negócios do Vaticano diminuíra nos últimos

anos, O número de ligações da imprensa fora menor e até os malucos não ligavam

mais com tanta freqüência. A secretaria de imprensa esperava que houvesse um

alvoroço mais festivo em torno do acontecimento da noite. Entretanto,

lamentavelmente, embora a Praça de São Pedro estivesse cheia de carros de

reportagem, aparentemente a maioria dos furgões pertencia à imprensa italiana ou

européia. Só um pequeno número de redes internacionais estava presente... e sem

dúvida haviam enviado apenas seus giornalisti secundari.

O telefonista pegou sua caneca e conjeturou se a noite seria longa. Até

meia- noite, mais ou menos, calculou ele. Hoje em dia, muita gente bem

informada já sabia quem era o favorito para se tornar Papa muito antes de o

conclave se reunir, de modo que o processo acabava sendo mais um ritual de três

ou quatro horas do que propriamente uma eleição. Claro que dissensões de última

hora podiam prolongar a cerimônia pela madrugada afora... ou além. O conclave

de 1831 durara 54 dias. Mas não o de hoje, disse consigo. Falava-se que este

conclave seria uma "vigília de fumaça".

Os pensamentos do telefonista evaporaram-se com o zumbido de uma linha

interna em seu painel. Olhou para a luz vermelha piscando e coçou a cabeça. Que

coisa estranha, pensou. A linha zero. Quem será que está ligando daqui de dentro

para o telefonista de informações? E quem é que ainda está aqui dentro, afinal?

- Città dei Vaticano, prego? - disse ele, atendendo.

A voz que estava na linha falava um italiano rápido. O telefonista

reconheceu vagamente o sotaque como sendo o que era comum aos guardas

suíços, italiano fluente com leve influência franco-suíça. Aquela pessoa, porém,

decididamente não pertencia à Guarda Suíça.

Ao ouvir a voz da mulher, o telefonista levantou-se de um pulo, quase

derramando seu chá. Verificou o painel outra vez. Não se enganara. Era uma

extensão interna. A ligação vinha de dentro. Não era possível, algo estava errado!

Uma mulher dentro da Cidade do Vaticano? Hoje?

A mulher falava depressa e furiosamente. O telefonista passara tempo

suficiente naquele trabalho para saber quando estava lidando com um pazzo.

Aquela mulher não parecia maluca. Seu tom era urgente mas racional. Calmo e

eficiente. Ele escutou o pedido dela, aturdido.

- Ii camerlengo? - disse o telefonista, ainda tentando descobrir de onde

estaria vindo a ligação. – Não posso completar... sim, sei que ele está no escritório

do Papa mas... quem é a senhora, mesmo? E quer avisar a ele que... - O homem

escutava, cada vez mais desconcertado. Todos em perigo? Como? E de onde está

chamando? - Talvez seja melhor entrar em contato com a Guarda Su... - O

telefonista parou no meio da frase. - Onde é que a senhora está? Onde?

Ele escutou, atônito, depois tomou uma decisão.

- Aguarde um pouco, por favor - disse, colocando a mulher na espera antes

que ela pudesse responder. Em seguida, ligou para a linha direta do comandante

Olivetti. Não é possível que a mulher esteja realmente...

A ligação foi atendida de imediato.

- Per l'amore di Dio! - a voz feminina conhecida gritou. - Faça a bendita

ligação!

A porta do centro de segurança da Guarda Suíça abriu-se com um silvo. Os

guardas abriram caminho quando o comandante Olivetti entrou na sala como um

foguete. Chegando à porta de seu escritório, constatou o que o guarda no walkietalkie

acabara de lhe contar: Vittoria Vetra estava de pé diante da mesa dele

falando em seu telefone particular.

Che coglioni che ha questa!, pensou ele.

Lívido, aproximou-se, enfiou a chave na fechadura e abriu a porta,

perguntando:

- O que está fazendo?

Vittoria ignorou-o.

- Sim - dizia ela ao telefone. - E tenho de prevenir...

Olivetti arrancou o telefone da mão dela e colocou-o no próprio ouvido.

- Quem diabos está falando?

Em uma fração de segundo, a postura rígida de Olivetti desfez-se

repentinamente.

- Sim, camerlengo... - disse ele. - Correto, signore... mas questões de

segurança exigem... claro que não...estou mantendo-a aqui por... com certeza,

mas... - Ele escutou. - Sim, senhor - disse, afinal. - Vou subir com eles

imediatamente.

CAPÍTULO 39

O Palácio Apostólico consiste em um aglomerado de prédios situados perto

da Capela Sistina, no ângulo nordeste da Cidade do Vaticano. Com uma ampla

vista da Praça de São Pedro, o palácio abriga não só os apartamentos papais como

o escritório do Papa.

Vittoria e Langdon seguiram calados o comandante Olivetti por um longo

corredor rococó, os músculos do pescoço dele pulsando de raiva. Depois de subir

três lances de escada, entraram em um grande vestíbulo meio imerso na

penumbra.

Langdon mal acreditava nas obras de arte que via nas paredes: bustos,

tapeçarias e baixos-relevos em perfeito estado de conservação, obras que valiam

centenas de milhares de dólares. Ao cruzarem o vestíbulo, passaram por uma

fonte de alabastro. Olivetti dobrou à esquerda e, em um vão, deram com uma das

maiores portas que Langdon já vira.

- Ufficio di Papa - declarou o comandante, com um olhar corrosivo para

Vittoria.

Ela não hesitou, adiantou-se e bateu com força na porta.

O escritório do Papa, Langdon repetiu mentalmente, com dificuldade para

se conscientizar de que estava à porta de uma das salas mais sagradas da religião

mundial.

- Avanti! - alguém disse lá dentro.

Quando a porta se abriu, Langdon teve de proteger os olhos com as mãos.

A luminosidade do sol era ofuscante. Devagar, a imagem à sua frente entrou em

foco.

O escritório do Papa lembrava mais um salão de baile, O piso de mármore

vermelho estendia-se até as paredes enfeitadas com afrescos de cores vivas. Um

lustre colossal pendia do teto e uma série de janelas em arco oferecia um

panorama deslumbrante da Praça de São Pedro banhada de sol.

Meu Deus, pensou ele. Isto é que é um quarto com vista.

Na extremidade oposta do aposento, em uma escrivaninha de madeira

entalhada, um homem estava sentado escrevendo energicamente.

- Avanti - repetiu ele, pousando a caneta e fazendo sinal para que se

aproximassem.

Olivetti foi na frente, com seu passo militar.

- Signore - disse ele, desculpando-se -, no ho potuto...

O homem interrompeu-o. Levantou-se e estudou os dois visitantes.

O camerlengo não tinha nada da imagem dos frágeis e beatíficos homens

idosos que Langdon costumava imaginar circulando pelo Vaticano. Não trazia

rosários ou pingentes. Nem usava uma daquelas túnicas pesadas. Estava vestido

com uma batina preta simples que ampliava a solidez de sua substancial

constituição física. Deveria estar com quase quarenta anos, uma criança para os

padrões do Vaticano. Seu rosto era surpreendentemente bonito, com bastos

cabelos revoltos e olhos verdes quase radiantes que brilhavam como se fossem

acesos e movidos pelos mistérios do universo. Mais de perto, porém, Langdon viu

naqueles olhos uma profunda exaustão, como a de uma pessoa que tivesse

acabado de viver os dias mais difíceis de sua vida.

- Sou Carlo Ventresca - disse, em inglês perfeito. - O camerlengo do último

Papa.

- Sua voz era despretensiosa e amável, com apenas um ligeiro sotaque

italiano.

- Vittoria Vetra - disse ela, dando um passo à frente e estendendo-lhe a

mão.

- Obrigada por nos receber.

O rosto de Olivetti crispou-se quando o camerlengo apertou a mão de

Vittoria.

- Este é Robert Langdon - disse Vittoria -, um historiador de religiões da

Universidade de Harvard.

- Padre - disse Langdon, pronunciando o melhor possível o seu italiano. E

curvou a cabeça ao estender a mão.

- Não, não - insistiu o camerlengo, fazendo Langdon levantar o corpo. - O

escritório de Sua Santidade não me torna santo. Sou apenas um padre, um

camarista servindo em uma hora de necessidade.

Langdon endireitou o corpo.

- Por favor - disse o camerlengo -, sentem-se todos.

Dispôs algumas cadeiras em torno de sua mesa. Langdon e Vittoria

sentaram-se, Olivetti preferiu ficar de pé.

O camerlengo sentou-se em sua cadeira diante da escrivaninha, entrelaçou

as mãos, suspirou e olhou para seus visitantes.

- Signore - disse Olivetti -, o traje da moça é culpa minha. Eu...

- A roupa dela não é o que me preocupa - replicou o camerlengo, a voz

revelando que estava fatigado demais para ser incomodado. - Quando o telefonista

do Vaticano liga para mim meia hora antes do início do conclave e diz que uma

mulher está telefonando da sua sala particular para me alertar sobre uma grande

ameaça à segurança sobre a qual não fui informado, isso sim me preocupa.

Olivetti permaneceu rígido, as costas arqueadas como se fosse um soldado

passando por intensa inspeção.

Langdon estava hipnotizado pela presença do camerlengo. Mesmo sendo

moço e estando tão cansado, o padre tinha um quê de herói mítico, irradiando

carisma e autoridade.

- Signore - falou Olivetti, em tom de desculpas mas ainda inflexível -, não

devia se preocupar com questões de segurança. O senhor tem outras

responsabilidades.

- Sei muito bem de minhas outras responsabilidades. Também sei que,

como direttore intermediario, sou responsável pela segurança e bem-estar de todos

os que participam deste conclave. O que está havendo aqui?

- A situação está sob controle.

- Não parece.

- Padre - interrompeu Langdon, tirando do bolso o fax amassado e

estendendo-o para o camerlengo -, por favor.

O comandante Olivetti adiantou-se, tentando intervir.

- Padre, por favor, não perturbe seus pensamentos com...

O camerlengo pegou o fax, ignorando Olivetti por alguns momentos.

Olhou a imagem de Leonardo Vetra morto e prendeu a respiração, estupefato.

- O que é isto?

- É meu pai - disse Vittoria, a voz trêmula. - Era um padre e um homem de

ciência. Foi assassinado na noite passada.

O rosto do camerlengo suavizou-se no mesmo instante. Levantou os olhos

para ela.

- Minha filha, sinto muito. - Fez o sinal da cruz e olhou de novo para o fax,

sua expressão revelando ondas sucessivas de repulsa. - Quem faria.., e essa

queimadura no... - o camerlengo parou de falar, apertando os olhos para enxergar

a imagem mais de perto.

- Está escrito Illuminati - disse Langdon. - O senhor decerto conhece o

nome.

Uma estranha sombra passou pelo rosto do camerlengo.

- Já ouvi o nome, sim, mas...

- Os Illuminati mataram Leonardo Vetra para roubar uma nova tecnologia

que ele estava...

- Signore - aparteou Olivetti. - Isso é um absurdo. Os Illuminati? É

evidente que se trata de alguma fraude sofisticada.

O camerlengo pareceu ponderar as palavras do comandante. Depois, virouse

e contemplou Langdon com tanta intensidade que ele sentiu o ar lhe fugir dos

pulmões.

- Senhor Langdon, passei toda a minha vida na Igreja Católica. Conheço

bem as histórias dos Illuminati e a lenda das marcações a fogo. Ainda assim, devo

preveni-lo de que sou um homem do presente. O cristianismo já tem inimigos

demais, não precisamos ressuscitar os fantasmas.

- O símbolo é autêntico - afirmou Langdon, de modo um pouco mais

defensivo do que pensou. Inclinou-se para a mesa e girou o papel.

O camerlengo ficou calado quando viu a simetria.

- Nem os computadores modernos - acrescentou Langdon - conseguiram

criar um ambigrama simétrico dessa palavra.

O camerlengo cruzou as mãos e não disse nada por alguns instantes.

- Os Illuminati estão mortos - disse finalmente. - Há muito tempo. É fato

histórico.

Langdon assentiu.

- Ontem, eu teria concordado com o senhor.

- Ontem?

- Antes da série de acontecimentos de hoje. Acredito que os Illuminati

tenham ressurgido para cumprir um antigo pacto.

- Perdoe-me, meus conhecimentos de história estão enferrujados. Que

antigo pacto é esse?

Langdon respirou fundo.

- A destruição da Cidade do Vaticano.

- A destruição do Vaticano? - o camerlengo estava mais confuso do que

assustado. - Mas isto seria impossível.

Vittoria sacudiu a cabeça.

- Sinto muito, mas ainda não acabamos de lhe dar as más notícias.

CAPÍTULO 40

- Isso é verdade? - indagou o camerlengo, olhando espantado de Vittoria

para Olivetti.

- Signore - garantiu Olivetti -, admito que haja um certo dispositivo aqui no

Vaticano. Está visível em um de nossos monitores de segurança, mas, quanto ao

poder que a senhorita Vetra afirma que essa substância tem, não posso de maneira

alguma...

- Espere aí - disse o camerlengo. - Vocês conseguem ver essa coisa?

- Sim, signore. Na câmera sem fio 86.

- E por que não foram buscá-la? - o camerlengo agora falava zangado.

- Muito difícil, signore - Olivetti explicou a situação, muito empinado.

O camerlengo escutava e Vittoria notou a sua preocupação crescente.

- Tem certeza de que está dentro do Vaticano? - perguntou ele. - Alguém

pode ter levado a câmera para fora e estar transmitindo de outro lugar.

- Impossível - disse Olivetti. - Nossos muros externos são blindados

eletronicamente para proteger nossas comunicações internas. Esse sinal só pode

estar vindo de dentro, ou não o estaríamos recebendo.

- E suponho - continuou o camerlengo - que vocês estejam procurando essa

câmera perdida com todos os recursos disponíveis?

Olivetti sacudiu a cabeça.

- Não, signore. Localizar aquela câmera poderia levar centenas de homenshora.

Temos várias outras preocupações de segurança no momento e, com todo o

respeito à senhorita Vetra, essa gotícula de que ela fala é muito pequena. Não

pode ser tão explosiva quanto ela alega.

A paciência de Vittoria evaporou-se.

- Aquela gotícula é suficiente para arrasar a Cidade do Vaticano! Será que

não escutou nenhuma palavra do que eu disse?

- Minha senhora - disse Olivetti, a voz dura como aço -, tenho vasta

experiência em explosivos.

- Sua experiência está obsoleta - revidou ela, igualmente dura. - Apesar da

minha roupa, que vejo que o senhor acha inconveniente, sou uma física de nível

sênior na instituição de pesquisas subatômicas mais avançada do mundo. Fui eu

quem projetou pessoalmente o recipiente da antimatéria que impede o

aniquilamento imediato daquela amostra. E estou avisando ao senhor que, a

menos que encontre aquele tubo nas próximas seis horas, seus guardas não terão

nada para proteger no próximo século a não ser um grande buraco no chão.

Olivetti girou nos calcanhares e encarou o camerlengo, seus olhos de inseto

fuzilando de raiva.

- Signore, não posso, em sã consciência, permitir que isto se prolongue.

Seu tempo está sendo desperdiçado por impostores. Os Illuminati? Uma gotinha

que vai destruir tudo?

- Basta - declarou o camerlengo. Pronunciou a palavra em voz baixa e no

entanto ela pareceu ecoar pelo aposento. Depois, ficou em silêncio. E então

continuou, em um sussurro. - Perigoso ou não, Illuminati ou não, o que quer que

seja, este objeto não deveria estar dentro do Vaticano. Muito menos na véspera do

conclave. Quero que seja encontrado e retirado daqui. Organize uma busca

imediatamente.

Olivetti não desistiu.

- Signore, mesmo que utilizemos todos os guardas para fazer uma busca

geral em todos os prédios, levaria dias para encontrarmos essa câmera. Além

disso, depois de falar com a senhorita Vetra, mandei um dos meus guardas

procurar em nosso mais avançado guia de balística qualquer referência a essa

substância chamada antimatéria. E ele não encontrou nada, nem uma citação

sequer. Nada.

Idiota arrogante, pensou Vittoria. Um guia de balística? Que tal uma

enciclopédia? Na letra A!

Olivetti continuava falando.

- Signore, se está sugerindo uma busca a olho nu na Cidade do Vaticano

inteira, então preciso protestar.

- Comandante - a voz do camerlengo fervia de irritação. - Tenho de

lembrar-lhe que, quando se dirige a mim, está se dirigindo a este cargo. Percebo

que o senhor não está levando a sério a minha posição. Mesmo assim, pela lei, sou

eu quem decide. Se não me engano, os cardeais encontram-se agora seguros

dentro da Capela Sistina e as suas preocupações com a segurança são mínimas até

o encerramento do conclave. Não compreendo por que reluta em procurar esse

objeto. Se não o conhecesse, diria que está submetendo este conclave a um perigo

internacional.

Olivetti respondeu com desdém.

- Como ousa! Servi seu Papa durante 12 anos! E o Papa antes dele durante

14 anos! Desde 1438, a Guarda Suíça...

O walkie-talkie no cinto de Olivetti emitiu um chamado alto,

interrompendo-o.

- Comandante?

Olivetti agarrou-o e apertou o botão do transmissor.

- Sto. ocupa to! Cosa voi?!!!

- Scusi - disse o guarda suíço ao rádio. - Aqui é do setor de Comunicações.

Achei que o senhor gostaria de ser informado de que recebemos uma ameaça de

bomba.

Olivetti não demonstrou qualquer interesse.

- Então, resolvam isso! Sigam os procedimentos de sempre e façam o

relatório!

- Foi o que fizemos, senhor, mas o homem que ligou... - o guarda fez uma

pausa. - Eu não queria incomodá-lo, comandante, mas ele mencionou a substância

que o senhor me pediu para pesquisar. Antimatéria.

Todos na sala se entreolharam.

- Ele mencionou o quê? - gaguejou Olivetti.

- Antimatéria, senhor. Enquanto seguíamos a rotina, fiz mais umas

pesquisas a respeito. As informações sobre a antimatéria são... bem, para falar a

verdade, são bem preocupantes.

- Mas você disse que não havia nenhuma referência a ela no guia de

balística.

- Encontrei referências na Internet.

Aleluia, pensou Vittoria.

- A substância parece ser bastante explosiva - disse o guarda. - É difícil de

acreditar que esta informação é correta, mas aqui diz que a antimatéria carrega

aproximadamente cem vezes mais carga útil do que uma ogiva nuclear.

Olivetti curvou os ombros. Era como assistir a uma montanha

desmoronando. A sensação de triunfo de Vittoria dissipou-se ao ver a expressão

de horror no rosto do camerlengo.

- Vocês rastrearam a chamada? - disse Olivetti, a voz trêmula.

- Não conseguimos. Veio de um celular criptografado. As linhas estão

embaralhadas, portanto a triangulação é impossível. A assinatura digital indica

que ele está em algum ponto de Roma, mas não há realmente nenhuma forma de

rastreá-lo.

- Ele fez alguma exigência? - disse Olivetti, em voz baixa.

- Não, senhor. Só avisou que há antimatéria escondida dentro dos prédios

do Vaticano. Pareceu surpreso por não sabermos. Perguntou se eu ainda não a

tinha visto, O senhor perguntou sobre a antimatéria, por isso decidi comunicarlhe.

- Fez muito bem - disse Olivetti. - Vou descer em um minuto. Avise

imediatamente se ele ligar de novo.

Houve um momento de silêncio no walkie-talkie.

- A pessoa ainda está na linha, senhor.

Olivetti ficou com a aparência de alguém que acabou de ser eletrocutado.

- O quê? A linha está aberta?

- Sim, senhor. Faz dez minutos que estamos tentando rastreá-la sem

conseguir. Ele deve saber que não podemos encontrá-lo porque se recusa a

desligar enquanto não falar com o camerlengo.

- Transfira a ligação para cá - ordenou o camerlengo. - Agora!

Olivetti virou-se para ele.

- Padre, não. Um guarda suíço seria muito mais indicado como negociador

para lidar com isso.

-Agora!

Olivetti deu a ordem.

Logo depois, o telefone na mesa do camerlengo Ventresca começou a

tocar. O religioso apertou o botão do viva-voz.

- Quem, em nome de Deus, você pensa que é?


Nenhum comentário:

Postar um comentário