terça-feira, 24 de março de 2009




FATO

O maior estabelecimento de pesquisa científica do mundo - Conseil

Européen pour la Recherche Nucléaire (CERN) -, na Suíça, recentemente

conseguiu produzir as primeiras partículas de antimatéria. A antimatéria é idêntica

à matéria física, exceto por ser composta de partículas cujas descargas elétricas

são inversas àquelas encontradas na matéria normal.

A antimatéria é a mais poderosa fonte de energia conhecida pelo homem.

Libera energia com 100 por cento de eficiência (a fissão nuclear é 1,5 por cento

eficiente). A antimatéria não é poluente nem radioativa, e bastaria uma gota para

abastecer a cidade de Nova York de energia por um dia inteiro.

Há, porém, uma ressalva...

A antimatéria é extremamente instável. Incendeia-se ao entrar em contato

com qualquer coisa, inclusive o ar. Um único grama de antimatéria contém

energia igual à de uma bomba nuclear de 20 quilotons - o tamanho da bomba que

caiu sobre Hiroshima.

Até bem recentemente, a antimatéria tinha sido criada apenas em

quantidades bem reduzidas (alguns átomos por vez). Agora, porém, o CERN

começou a trabalhar com o novo desacelerador de antiprótons - um avançado

aparelho que promete criar antimatéria em quantidades maiores.

Resta uma pergunta: será que essa substância tão volátil vai salvar o mundo

ou será usada para gerar a mais mortífera arma de todos os tempos?

NOTA DO AUTOR

Todas as referências a obras de arte, a arquitetura, a túneis e a tumbas em

Roma são inteiramente factuais (assim como suas localizações exatas). Essas

obras e monumentos ainda podem ser vistos hoje. A fraternidade dos Illuminati

também é factual.

PRÓLOGO

O físico Leonardo Vetra sentiu cheiro de carne queimada e sabia que era a

sua. Levantou os olhos, aterrorizado, para a figura sombria que o dominava.

- O que você quer?

- La chiave - respondeu a voz rascante. - A senha.

- Mas eu não...

O intruso curvou-se de novo para a frente, pressionando com mais força o

objeto em brasa no peito de Vetra. Ouviu-se um chiado de carne grelhando.

Vetra gritou alto, agoniado.

- Não existe senha nenhuma! - E sentiu que mergulhava na inconsciência.

O rosto do homem encheu-se de uma fúria contida.

- Ne avevo paura. Era o que eu temia.

Vetra esforçou-se para manter os sentidos, mas a escuridão envolvia-o

pouco a pouco. Seu único consolo era saber que o agressor jamais obteria o que

viera buscar. Um momento mais tarde, porém, o homem fez aparecer uma lâmina

e ergueu-a diante do rosto de Vetra. A lâmina adejou no ar. Precisa. Cirúrgica.

- Pelo amor de Deus! - gritou Vetra.

Mas era tarde demais.

CAPÍTULO 1

Do alto da pirâmide de Gizé, a jovem riu e voltou-se para ele, lá embaixo,

chamando-o.

- Ande, Robert! Devia ter me casado com um homem mais moço! - O

sorriso dela era mágico.

Ele tentou acompanhá-la, mas suas pernas pesavam como se fossem feitas

de pedra.

- Espere - pediu. - Por favor...

Enquanto subia, sua vista começou a turvar-se. Seus ouvidos latejavam.

Preciso alcançá-la! Mas, quando olhou de novo para cima, a mulher desaparecera.

Em seu lugar havia um velho de dentes estragados. O homem encarou-o, os lábios

torcendo-se em uma careta melancólica. E ele deixou escapar um grito de angústia

que ressoou pelo deserto.

Robert Langdon acordou sobressaltado do pesadelo. O telefone ao lado de

sua cama estava tocando. Tonto, levou-o ao ouvido.

- Alô?

- Gostaria de falar com Robert Langdon - disse uma voz masculina.

Langdon sentou-se na cama e tentou clarear sua mente.

- Aqui... é Robert Langdon - e apertou os olhos para o mostrador do relógio

digital. Eram 5h18 da madrugada.

- Preciso encontrá-lo imediatamente.

- Quem está falando?

- Meu nome é Maximilian Kohler. Sou um físico de Partículas Discretas.

- Um o quê? - Langdon mal conseguia se concentrar. - Tem certeza de que

procurou o Langdon certo?

- O senhor é professor de Simbologia Religiosa na Universidade de

Harvard. Escreveu três livros sobre simbologia e...

- Sabe que horas são?

- Peço desculpas. Há uma coisa que precisa ver. Não posso explicar pelo

telefone.

Um resmungo conformado escapou dos lábios de Langdon. Aquilo já

acontecera antes. Um dos perigos de se escrever livros sobre simbologia religiosa

era o chamado de fanáticos querendo que ele confirmasse o último sinal que

haviam recebido de Deus. No mês anterior, uma stripper de Oklahoma prometera

a Langdon a melhor sessão de sexo de sua vida se ele pegasse um avião até cidade

dela para verificar a autenticidade de uma figura cruciforme que parecera

magicamente nos lençóis de sua cama. O sudário de Tulsa, como Langdon a

chamara.

- Como conseguiu o número do meu telefone? - Langdon tentou ser

amável, apesar da hora.

- Na Internet. No site do seu livro.

Langdon franziu a testa. Tinha certeza de que o número do telefone de sua

casa não constava do site de seu livro. O homem obviamente estava mentindo.

- Preciso vê-lo - a voz do outro lado insistiu. - Vou pagar bem.

Agora Langdon estava ficando furioso.

- Sinto muito, mas eu...

- Se sair agora, pode estar aqui por volta de...

- Não vou a lugar nenhum! São cinco horas da manhã!

Langdon desligou e caiu de volta na cama. Fechou os olhos e tentou

adormecer novamente. Não adiantou.

O sonho estava entranhado em sua mente. Relutante, vestiu um roupão e

desceu.

Robert Langdon perambulou descalço por sua casa deserta, uma construção

Vitoriana em Massachusetts, segurando seu remédio habitual contra a insônia:

uma caneca de chocolate instantâneo fumegante. O luar de abril filtrava-se pelas

janelas da sacada e formava desenhos nos tapetes orientais. Os colegas de

Langdon sempre brincavam que o lugar parecia mais um museu de antropologia

do que uma casa. As prateleiras estavam cheias de artefatos religiosos de todo o

mundo - um akuaba de Gana, uma cruz dourada da Espanha, um ídolo cicladense

do Egeu e um ainda mais raro boccus de Bornéu, o símbolo da perpétua juventude

de um jovem guerreiro.

Sentado em uma arca de latão maharishi e saboreando o chocolate quente,

deu com o seu reflexo nas vidraças das janelas. A imagem estava distorcida e

pálida.. como a de um fantasma. Um fantasma envelhecido, pensou, sendo

cruelmente lembrado de que o seu espírito da mocidade vivia dentro de um

invólucro mortal.

Apesar de não ser propriamente bonito no sentido clássico, Langdon, com

seus quarenta e cinco anos, possuía o que as colegas do sexo feminino

classificavam de um encanto "erudito" - mechas grisalhas misturadas ao espesso

cabelo castanho, perspicazes olhos azuis, uma voz grave atraente e o sorriso forte

e despreocupado de um atleta universitário. Membro da equipe de mergulho da

faculdade, Langdon ainda tinha um corpo de nadador, um metro e oitenta de boa

forma, que ele mantinha cuidadosamente com 2.500 metros diários de exercício

na piscina da universidade.

Seus amigos sempre o viram como uma espécie de enigma - um homem

que pertencia a séculos diferentes. Nos fins de semana, viam-no andando pelo

pátio da universidade vestido de jeans e conversando sobre computação gráfica e

história religiosa com os alunos; outras vezes, aparecia com seu paletó de tweed e

colete paisley nas páginas de importantes revistas de arte em aberturas de

exposições de museus para as quais era convidado a dar palestras.

Mesmo sendo um professor rigoroso e muito severo quanto à disciplina,

Langdon era o primeiro a acolher o que chamava de "a arte perdida de uma boa

brincadeira" Apreciava os momentos de divertimento com um fanatismo

contagiante, o que lhe valera uma aceitação fraternal entre seus alunos. Seu

apelido no campus, "Golfinho", era uma referência tanto à sua natureza afável

quanto à sua lendária capacidade de mergulhar em uma piscina e confundir a

estratégia de toda a equipe adversária em um jogo de pólo aquático.

Enquanto estava ali, sozinho, olhando distraído para a escuridão, o silêncio

da casa foi quebrado novamente, dessa vez pelo toque da máquina de fax. Exausto

demais para se incomodar, Langdon forçou uma risadinha cansada.

O povo de Deus, pensou. Dois mil anos de espera pelo Messias e eles ainda

são de uma persistência infernal.

Entediado, deixou a caneca vazia na cozinha e foi andando devagar para

seu escritório revestido de painéis de carvalho. O fax recém-chegado estava na

bandeja da máquina. Suspirando, pegou a folha de papel e olhou para ela. No

mesmo instante foi tomado por uma onda de náusea.

A imagem na página era a de um cadáver humano. O corpo fora despido e

a cabeça fora torcida, virada completamente para trás. No peito da vítima havia

uma terrível queimadura. O homem fora marcado a fogo... com uma única

palavra. Uma palavra que Langdon conhecia bem, muito bem. Ele olhou

fixamente, incrédulo, para as letras desenhadas.

Illuminati

- Illuminati - ele gaguejou, o coração batendo forte. - Não pode ser...

Lentamente, temendo o que estava para presenciar, Langdon girou o papel

80 graus. Olhou para a palavra de cabeça para baixo.

E quase perdeu o fôlego. Era como se tivesse sido atropelado por um

caminhão. Mal acreditando em seus olhos, virou a folha de novo, lendo a palavra

nas duas posições.

- Illuminati - murmurou.

Aturdido, deixou-se cair em uma cadeira. Ficou ali por um momento,

totalmente desnorteado. Aos poucos, sua atenção voltou-se para a luz vermelha

que piscava na máquina. Quem mandara o fax ainda estava na linha.. esperando

para falar. Langdon contemplou durante longo tempo o ponto luminoso piscando.

Depois, trêmulo, levantou o fone.

CAPÍTULO 2

- Vai me dar atenção agora? - disse o homem quando Langdon finalmente

atendeu o telefone.

- Sim, senhor, com certeza, agora vou. Pode explicar melhor?

- Foi o que tentei lhe contar antes - a voz era rígida, mecânica. - Sou físico.

Dirijo uma organização de pesquisas. Aconteceu um crime e o senhor viu o fax.

- Como me encontrou? - Langdon mal conseguia se concentrar na

conversa. Sua mente estava na imagem no fax.

- Já lhe disse. Na Internet, no site de seu livro A arte dos Illuminati.

Langdon procurou reunir seus pensamentos. Seu livro era praticamente

desconhecido nos círculos literários convencionais mas tivera uma repercussão

bastante significativa on-line. Ainda assim, a explicação não fazia sentido.

- A página não traz informações para contato - Langdon desafiou-o.

- Tenho certeza disto.

- No laboratório tenho gente que é especialista em extrair informações

sobre os usuários da Internet.

Langdon ainda estava meio cético.

- Parece que seu laboratório sabe tudo sobre a Internet.

- Claro - o outro disparou -, fomos nós que a inventamos.

Algo na voz do homem dizia que ele não estava brincando.

- Preciso vê-lo - insistiu. - Não é assunto para se tratar pelo telefone. Meu

laboratório fica a apenas uma hora de vôo de Boston.

Na penumbra de seu escritório, Langdon analisou o fax que tinha em mãos.

A imagem era estarrecedora, talvez representasse a maior descoberta epigráfica do

século, uma década de suas pesquisas confirmada em um único símbolo.

- É urgente - a voz pressionou-o.

Os olhos de Langdon estavam fixos na queimadura. Illuminati, ele lia sem

parar. Seu trabalho sempre se baseara no equivalente simbólico dos fósseis -

documentos antigos e boatos históricos -, mas aquela imagem diante dele

representava o hoje. O tempo presente. Sentia-se como um paleontólogo que dá de

cara com um dinossauro vivo.

- Tomei a liberdade de mandar um avião buscá-lo - disse a voz. - Vai estar

em Boston dentro de 20 minutos.

Langdon sentiu a boca seca. Uma hora de vôo...

- Por favor, desculpe minha impertinência - continuou o homem. - Preciso

do senhor aqui.

Langdon olhou outra vez para a imagem no fax - um antigo mito

confirmado em preto-e-branco. As implicações eram assustadoras. Levantou um

olhar ausente para as janelas. Os primeiros vestígios da aurora insinuavam-se por

entre os galhos das bétulas dos fundos de sua casa, mas a vista de alguma forma

parecia diferente naquela manhã. À medida que uma estranha mistura de medo e

animação ia tomando conta dele, Langdon percebeu que não tinha escolha.

- O senhor me convenceu - falou ele. - Agora me diga onde encontrar o

avião.

CAPÍTULO 3

A milhares de quilômetros dali, dois homens encontravam-se.

O aposento era escuro. Medieval. De pedra.

- Benvenuto - disse o encarregado. Estava sentado nas sombras, fora de

visão. - Foi bem-sucedido?

- Si - respondeu o vulto. - Perfectamente. - Suas palavras soavam duras

como as paredes de pedra.

- E não haverá dúvidas quanto à responsabilidade?

- Nenhuma.

- Excelente. Trouxe o que pedi?

Os olhos do assassino brilharam, negros como petróleo. Pegou um pesado

aparelho eletrônico e colocou-o sobre a mesa.

O homem nas sombras pareceu satisfeito.

- Você se saiu bem.

- Servir à fraternidade é uma honra - disse o assassino.

- A fase dois vai começar logo. Procure descansar um pouco. Esta noite

vamos mudar o mundo.

CAPÍTULO 4

O Saab 900S de Robert Langdon saiu do túnel Callahan no lado leste do

porto de Boston, perto da entrada para o Aeroporto Logan. Verificando o

endereço, Langdon encontrou a Aviation Road e dobrou à esquerda depois do

prédio da Eastern Airlines. Na estrada de acesso, uns 300 metros adiante, um

hangar surgiu na escuridão. Pintado nele, um grande número "4". Langdon parou

no estacionamento e saiu do carro.

Um homem de rosto redondo vestindo um uniforme azul de vôo saiu de

trás da construção.

- Robert Langdon? - indagou.

A voz era amigável, com um sotaque peculiar que Langdon não conseguiu

identificar.

- Eu mesmo - respondeu ele, trancando o carro.

- Cálculo perfeito - disse o homem. - Acabei de aterrissar. Venha comigo,

por favor.

Ao rodearem o prédio, Langdon sentiu-se tenso. Não estava acostumado a

receber telefonemas enigmáticos nem a marcar encontros secretos com estranhos.

Sem saber o que esperar, envergara seu traje habitual de dar aulas - calças de

algodão, camisa de gola rulê e um paletó de tweed. Enquanto caminhavam,

pensou no fax no bolso de seu paletó, ainda incapaz de acreditar na imagem que

apresentava.

O piloto pareceu perceber a ansiedade de Langdon.

- Voar não é problema para o senhor, ou é?

- De jeito nenhum - Langdon replicou. Corpos marcados a fogo é que são.

Voar não é nada.

O homem conduziu Langdon até o outro lado do hangar. Contornaram um

dos cantos e saíram na pista de pouso.

Langdon estacou, boquiaberto diante da aeronave estacionada na pista.

- Vamos nisso aí?

O homem sorriu.

- Gostou dele?

Langdon ficou parado olhando algum tempo.

- Dele? Que diabos é isso?

O avião era enorme. Lembrava um pouco o ônibus espacial, exceto pelo

topo, que parecia ter sido raspado fora, deixando-o perfeitamente plano.

Estacionado ali, parecia uma cunha gigantesca. A primeira sensação de Langdon

foi a de que estava sonhando. O veículo dava a impressão de ser tão capaz de voar

quanto um Buick. As asas praticamente não existiam - apenas dois atarracados

estabilizadores verticais na traseira da fuselagem. Um par de pequenos lemes

dorsais erguia-se na ré. O resto do avião era apenas casco - cerca de sessenta

metros de ponta a ponta -, sem janelas, nada mais além de casco.

- Pesa 250 toneladas com o tanque de combustível cheio - adiantou-se o

piloto, como um pai se gabando do filho recém-nascido. - Movido a hidrogênio. O

casco é feito de um molde de titânio com fibras de carbureto de silício. Arremete

com um coeficiente de empuxo de 20:1; a maioria dos jatos só chega a 7:1.

O diretor deve estar com uma pressa danada de encontrar o senhor. Ele não

costuma mandar o possante assim à toa.

- Essa coisa voa? - espantou-se Langdon.

O piloto riu.

- Se voa!

Conduziu Langdon pela pista na direção do avião.

- Chega a assustar, eu sei, mas é bom ir se acostumando. Daqui a cinco

anos, é só o que se vai ver - os HSCT, High Speed Civil Transports (Transporte

Civil de Alta Velocidade). Nosso laboratório é um dos primeiros a ter um.

Deve ser um tremendo laboratório - pensou Langdon.

- Este é um protótipo do Boeing X-33 - continuou o piloto -, mas existem

dezenas de outros: o National Aero Space Plane, o Scramjet dos russos, o Hotol

dos ingleses. O futuro está aqui, só vai levar algum tempo para chegar ao setor

público. Pode ir se despedindo dos jatos convencionais.

Langdon examinou o avião com ar desconfiado.

- Acho que teria preferido um jato convencional.

O piloto apontou para a escada de embarque.

- Vamos subir, por favor, senhor Langdon. Cuidado com os degraus.

Minutos depois, Langdon estava sentado dentro da cabine vazia. O piloto

instalou-o na primeira fila e encaminhou-se para a frente do avião.

Surpreendentemente, a cabine em si parecia-se com a de um grande jato

comercial comum. A única exceção era o fato de não possuir janelas, o que

incomodava Langdon bastante. A vida inteira fora perseguido por uma leve

claustrofobia, vestígio de um incidente de infância jamais superado por completo.

Sua aversão por espaços fechados não chegava a atrapalhar, mas sempre

fora causa de algumas frustrações. Manifestava-se de formas sutis. Ele evitava a

prática de esportes de quadras fechadas, como o squash, e pagara de bom grado

uma pequena fortuna por sua casa vitoriana, arejada e com pé-direito alto, embora

houvesse pronta disponibilidade de moradia mais econômica para professores da

universidade. Às vezes, suspeitava que sua atração pelo mundo da arte desde

muito jovem devia-se ao seu gosto pelos amplos espaços abertos dos museus.

Os motores roncaram sob os seus pés causando um estremecimento

profundo que percorreu todo o corpo do avião. Langdon engoliu em seco e

aguardou. Sentiu o avião começar a taxiar. Acima de sua cabeça espalhou-se

suavemente o som de música country com instrumentos de sopro.

Um telefone na parede a seu lado tocou duas vezes. Langdon pegou o fone

e levou-o ao ouvido.

- Alô?

- Está confortável, senhor Langdon?

- Nem um pouco.

- Procure relaxar. Vamos chegar lá em uma hora.

- E onde exatamente é lá? - perguntou Langdon, percebendo que não tinha

noção de para onde estavam indo.

- Genebra - respondeu o piloto, acelerando os motores. - O laboratório é

em Genebra.

- Genebra - repetiu Langdon, sentindo-se um pouco melhor. - No norte do

estado de Nova York. Tenho parentes perto do lago Seneca. Não sabia que havia

um laboratório de Física em Genebra.

O piloto deu uma risada.

- Não é a Genebra de Nova York, senhor Langdon. Estamos indo para a

Genebra da Suíça.

A palavra demorou um longo momento para ser assimilada.

- Suíça? - O pulso de Langdon acelerou-se. - Mas você não disse que o

laboratório ficava só a uma hora de viagem?

- E fica, senhor Langdon. - Ele deu mais uma risadinha. - Este avião voa a

Mach 15.

CAPÍTULO 5

Em uma movimentada rua européia, o assassino deslocava-se de maneira

sinuosa através da multidão. Era um homem vigoroso. Moreno e forte. De uma

agilidade dissimulada. Seus músculos ainda estavam tensos pela emoção do

encontro.

Correu tudo bem, disse a si mesmo. Embora seu empregador não tivesse

em nenhum momento mostrado o rosto, o assassino sentia-se honrado por estar

em sua presença. Fazia realmente apenas 15 dias que haviam feito o primeiro

contato? O assassino ainda lembrava cada palavra da conversa...

- Meu nome é Janus - dissera a pessoa que telefonara. - Estamos de certa

forma ligados pelos mesmos laços. Temos um inimigo comum. Soube que se pode

contratar seus serviços profissionais.

- Depende de quem você representa - replicou o assassino.

O interlocutor disse um nome.

- Não acho graça nessa brincadeira.

- Vejo que já ouviu falar de nós - observou o homem.

- Claro que sim. A fraternidade é lendária.

- E mesmo assim noto que você duvida que eu seja um membro genuíno.

- Todos sabem que os irmãos foram reduzidos a pó.

- Um ardil para desviar a atenção. O inimigo mais perigoso é aquele que

ninguém teme.

O matador mostrou-se cético.

- A fraternidade ainda subsiste?

- Mais às ocultas do que nunca. Nossas raízes estão infiltradas em tudo o

que você vê... até na fortaleza sagrada de nosso inimigo mais declarado.

- Impossível. Eles são invulneráveis.

- Nosso braço é longo.

- Nenhum braço chega tão longe.

- Logo você vai acreditar. Uma demonstração irrefutável do poder da

fraternidade já veio a público. Um único ato de traição e de prova.

- O que vocês fizeram?

O homem contou-lhe.

O matador arregalou os olhos.

- Uma tarefa impossível.

No dia seguinte, os jornais do mundo inteiro estampavam a mesma

manchete. O matador passou a acreditar.

Agora, 15 dias depois, a fé do matador consolidara-se além de qualquer

sombra de dúvida. A fraternidade subsiste, pensou. Hoje à noite eles virão à tona

para revelar seu poder.

Caminhando pelas ruas, seus olhos negros brilhavam, cheios de

expectativa. Uma das fraternidades mais ocultas e temidas que já haviam existido

neste mundo convocara seus serviços. Escolheram com sabedoria, refletiu. Sua

reputação de saber guardar segredo só era superada pela de infalibilidade.

Até ali, servira-os nobremente. Fizera a execução e entregara o objeto a

Janus como fora solicitado. Agora, cabia a Janus lançar mão de seu poder para

providenciar a instalação do objeto. A instalação...

O assassino se perguntava como Janus realizaria aquela tarefa tão

assombrosa. O homem certamente tinha contatos lá dentro. Os domínios da

fraternidade pareciam ilimitados.

Janus, pensou ele. Um codinome, sem dúvida. Seria uma referência,

ocorreu-lhe, ao deus romano de duas faces... ou à lua de Saturno? Não que fizesse

qualquer diferença. Janus exercia um poder insondável. Dera provas irrefutáveis

disso.

Enquanto andava, o assassino imaginava seus próprios ancestrais rindo

para ele. Ele estava lutando a mesma batalha deles, era o mesmo inimigo contra o

qual haviam lutado durante séculos, talvez desde o século XI... quando os

exércitos dos cruzados haviam começado a pilhar suas terras, violentando e

matando seu povo, declarando-o impuro, despojando seus templos e deuses.

Seus antepassados haviam formado um pequeno mas mortífero exército

para se defender. Esse exército tornou-se famoso na região, seus membros eram

vistos como protetores - hábeis carrascos que percorriam o país trucidando o

inimigo onde quer que o encontrassem. Eram afamados não só por seus

extermínios brutais, como por celebrá-los entregando-se ao entorpecimento

causado pelo uso de drogas. A droga escolhida era uma potente substância

inebriante a que chamavam de hashish, o haxixe.

À medida que sua notoriedade se espalhava, esses homens letais passaram

a ser conhecidos por uma única denominação: Hassassin - literalmente, "os

seguidores do haxixe" O nome Hassassin tornou-se sinônimo de morte em quase

todas as línguas da terra. A palavra ainda é usada hoje, até nas línguas modernas...

porém, assim como a arte de matar, o termo evoluiu.

Hoje pronuncia-se assassino.

CAPÍTULO 6

Sessenta e quatro minutos se passaram e um incrédulo e ligeiramente

nauseado Robert Langdon desceu a escada do avião na pista banhada pelo sol.

Uma brisa fresca fez ondular as lapelas de seu paletó de tweed. A sensação de

espaço aberto era maravilhosa. Ele apertou os olhos para ver melhor o vale

coberto de verde e, acima, os picos cobertos de neve que rodeavam inteiramente o

local onde estavam.

Estou sonhando, disse a si mesmo. Vou acordar a qualquer momento.

- Bem-vindo à Suíça - gritou o piloto acima do ruído dos motores HEDM

do X-33 por trás deles.

Langdon conferiu o horário. Eram 7h07 da manhã.

- O senhor acabou de cruzar seis fusos horários - explicou o piloto. - Já

passa um pouco de uma hora da tarde aqui.

Langdon acertou o relógio.

- Como está se sentindo?

Ele esfregou o estômago.

- Como se tivesse comido um pedaço de isopor.

O piloto assentiu.

- Por causa da altitude. Estávamos a 60 mil pés. A gente fica 30 por cento

mais leve lá. Sorte que foi apenas um pulinho de nada. Se tivéssemos ido para

Tóquio, eu teria subido o máximo possível - mais de 160 mil metros. Isso é que

deixa o estômago embrulhado para valer.

Langdon fez um gesto cansado de cabeça e apreciou a sua boa sorte. De

modo geral, o vôo fora surpreendentemente comum. Exceto pela sensação de

esmagamento acelerado nos ossos do corpo durante a decolagem, o movimento no

interior do avião fora bem característico - uma leve turbulência de vez em quando,

umas poucas mudanças de pressão enquanto ganhavam altura, mas nada que

indicasse que estavam cortando o espaço a uma atordoante velocidade de 20 mil

quilômetros por hora.

Uma porção de técnicos aproximou-se correndo para cuidar do X-33. O

piloto acompanhou Langdon até um Peugeot sedã preto estacionado atrás da torre

de controle. Pouco depois, seguiam por uma estrada asfaltada que se estendia

através da parte baixa do vale. Um amontoado indistinto de construções

delineava-se à distância. Do lado de fora do carro, os campos relvados passavam

depressa, um borrão verde.

Langdon observou espantado o piloto fazer o velocímetro alcançar 170

quilômetros por hora.

Qual seria o problema daquele sujeito com relação à velocidade? -

ponderou ele.

- São cinco quilômetros até o laboratório - disse o piloto. - Vai estar lá em

dois minutos.

Langdon procurou em vão o cinto de segurança.

Por que não em três minutos para chegarmos vivos?

O carro seguia em disparada.

- O senhor gosta de Reba? - perguntou o piloto, empurrando uma fita

cassete no toca-fitas do carro.

Uma mulher começou a cantar: "É só o medo de estar só..."

Esse medo eu não tenho, pensou Langdon, distraído. Suas colegas

costumavam caçoar que sua coleção de peças de museu não passava de uma

tentativa evidente de encher uma casa vazia, uma casa que, segundo elas, seria

muito favorecida pela presença de uma mulher. Langdon sempre ria disso,

lembrando-lhes que já tinha três amores em sua vida: a simbologia, o pólo

aquático e o celibato, sendo o último uma liberdade que lhe permitia viajar pelo

mundo, dormir até a hora que bem entendesse e desfrutar de noites sossegadas em

casa com uma bebida e um bom livro.

- Aqui é como se fosse uma cidade pequena - explicou o piloto, arrancando

Langdon de seu devaneio. - Não existe só o laboratório. Temos supermercados,

um hospital e até um cinema.

Langdon balançou vagamente a cabeça e voltou a atenção para o

aglomerado de construções que se aproximava.

- Na realidade - o piloto acrescentou -, temos aqui a maior máquina do

mundo.

- É mesmo? - Langdon correu os olhos pelo campo.

- Não dá para vê-la daqui, senhor. - O homem sorriu. - Está enterrada a uns

20 metros de profundidade.

Langdon não teve tempo de perguntar mais nada. Sem avisar, o piloto

pisou firme no freio. O carro derrapou e parou junto a uma cabine reforçada de

segurança.

Langdon leu a placa diante deles: SECURITE. ARRÊTEZ. Foi tomado por

uma súbita onda de pânico ao se dar conta de onde estava.

- Meu Deus! Eu não trouxe meu passaporte!

- Não é necessário - o motorista garantiu. - Temos um acordo com o

governo suíço.

Langdon, pasmo, viu seu motorista entregar um cartão de identificação ao

guarda, que o passou em um aparelho eletrônico de autenticação. Uma luz verde

se acendeu na máquina.

- Nome do passageiro?

- Robert Langdon - respondeu o motorista.

- Convidado de quem?

- Do diretor.

O guarda arqueou as sobrancelhas. Virou-se e examinou uma lista

impressa, conferindo o que lera nos dados da tela de seu computador. Depois,

voltou para a janela.

- Boa estada, senhor Langdon.

O carro disparou outra vez, acelerando mais uns 200 metros em torno de

um amplo acesso circular que levava à entrada principal das instalações. Diante

deles erguia-se uma estrutura retangular ultramoderna toda feita de vidro e aço.

Langdon admirou a notável construção transparente. Sempre fora um grande

apreciador de arquitetura.

- A Catedral de Vidro - explicou seu acompanhante.

- Uma igreja?

- Que nada. Igreja é uma coisa que não temos aqui. A religião deste lugar é

a Física. Pode usar o nome de Deus em vão quanto quiser - riu ele -, mas não se

atreva a falar mal de quarks nem de mésons.

O motorista fez a curva e parou na frente do prédio de vidro. Langdon

estava atônito. Quarks e mésons? Fronteira sem controle? Jato Mach 15? QUEM

são esses caras, afinal? E leu a resposta gravada em uma placa de granito na

fachada do prédio:

CERN

Conseil Européen pour la Recherche Nucléaire

- Pesquisa nuclear? - perguntou Langdon, certo de que traduzira

corretamente.

O motorista não respondeu. Inclinado para o painel do carro, ocupava-se

em ajustar o toca-fitas.

- O senhor fica aqui. O diretor vem encontrá-lo nesta entrada.

Langdon viu um homem em uma cadeira de rodas saindo do prédio.

Parecia ter pouco mais de 60 anos.

Magro e pálido, inteiramente calvo e com um rosto severo, vestia um

jaleco branco e calçava sapatos sociais, que apoiava com firmeza no suporte da

cadeira. Mesmo de longe, seus olhos pareciam sem vida, como duas pedras

cinzentas.

- É ele? - Langdon perguntou.

O motorista ergueu os olhos, virou-se e deu um sorriso agourento para

Langdon.

- Falando do diabo...

Sem saber muito bem o que o esperava, Langdon desceu do carro.

O homem da cadeira de rodas apressou-se na direção de Langdon e

estendeu-lhe a mão fria e úmida.

- Senhor Langdon? Fui eu quem falou com o senhor ao telefone. Meu

nome é Maximilian Kohler.

CAPÍTULO 7

Pelas costas, Maximilian Kohler, diretor-geral do CERN, era chamado de

Konig - rei, em alemão. O título devia-se mais ao medo do que à reverência pela

figura que governava o seu domínio sentado em um trono de rodas. Embora

poucos o conhecessem pessoalmente, a horrível história da maneira como ficara

aleijado era uma lenda no CERN, e também poucos ali o culpavam por sua

amargura... ou por sua dedicação declarada à pura ciência.

Apenas alguns minutos na presença de Kohler bastaram para fazer

Langdon notar que o diretor era um homem que se mantinha à distância. Langdon

quase precisou correr para acompanhar a cadeira elétrica em direção à entrada

principal. Era um tipo de cadeira de rodas que ele nunca vira antes - equipada com

uma bancada de aparelhos eletrônicos, como um telefone com diversas linhas, um

sistema de pager, uma tela de computador e até uma pequena câmara de vídeo

destacável. O centro eletrônico de comando do rei Kohler. Passaram por uma

porta mecânica e entraram no descomunal saguão principal do CERN.

A Catedral de Vidro, Langdon refletiu, levantando os olhos para o alto.

Lá em cima, o teto de vidro azulado cintilava ao sol da tarde, lançando

raios que formavam padrões geométricos no ar e davam ao local uma sensação de

grandiosidade. Sombras angulares projetavam-se em forma de veias na cerâmica

das paredes e no piso de mármore. O ar tinha um cheiro limpo, esterilizado.

Havia alguns cientistas circulando por ali, apressados, o som de suas

passadas ecoando no espaço.

- Venha por aqui, senhor Langdon, por favor. - A voz soava quase

computadorizada. Seu sotaque era rígido e preciso como os traços severos de seu

rosto. Kohler tossiu e enxugou a boca em um lenço branco, fixando os olhos

cinzentos e mortiços em Langdon. - Por favor, vamos depressa. - A cadeira de

rodas parecia saltar sobre as lajotas do chão.

Langdon seguiu-o por incontáveis corredores que se ramificavam a partir

do saguão principal. Todos esses corredores fervilhavam de atividade. Os

cientistas que cruzavam com Kohler pareciam surpresos e olhavam para Langdon

tentando imaginar quem seria ele para estar em tal companhia.

Langdon tentou puxar conversa.

- Confesso que estou encabulado por nunca ter ouvido falar do CERN.

- Não é de espantar - replicou Kohler, a resposta cortante soando áspera e

eficiente. - A maioria dos americanos não vê a Europa como líder mundial em

pesquisa científica e sim como um pitoresco distrito de compras, nada mais do

que isso. O que é estranho, considerando-se as nacionalidades de homens como

Einstein, Galileu e Newton.

Langdon ficou sem saber muito bem o que responder. Tirou o fax do bolso.

- Esse homem na fotografia, o senhor poderia...

Kohler interrompeu-o com um gesto.

- Por favor. Aqui, não. Estou levando o senhor até onde ele está agora. -

Estendeu a mão. - Talvez seja melhor eu ficar com isso.

Langdon entregou-lhe o fax e continuou a caminhar em silêncio.

Kohler dobrou à esquerda bruscamente e enveredou por um corredor largo

em cujas paredes estavam pendurados prêmios e comendas. Uma placa de bronze

particularmente grande dominava a entrada.

Quando passaram por ela, Langdon diminuiu o ritmo para ler o que estava

gravado.

PRÊMIO ARS ELETRÔNICA

Por Inovação Cultural na Era Digital

Concedido a Tim Berners Lee e ao CERN

pela invenção da WORLDWIDE WEB

Diabo! O sujeito não estava brincando! - pensou Langdon ao ler o texto.

Sempre pensara que a Internet fosse uma invenção norte-americana. No entanto,

seu conhecimento a respeito limitava-se ao site de seu próprio livro e a uma

ocasional exploração do Louvre e do Prado em seu velho Macintosh.

- A Internet começou aqui - disse Kohler, tossindo novamente e enxugando

a boca - como uma rede interna de computadores. Permitia a cientistas de

diferentes departamentos partilhar as descobertas diárias uns com os outros. É

claro, o mundo inteiro imagina que a Internet é tecnologia norte-americana.

Langdon seguia-o pelo corredor.

- Por que não esclarecem essa questão?

Kohler deu de ombros, aparentemente desinteressado.

- Um equívoco insignificante a respeito de uma tecnologia insignificante.

O CERN é muito maior do que uma conexão global de computadores. Nossos

cientistas produzem milagres quase todos os dias.

Langdon lançou-lhe um olhar interrogador.

- Milagres? - A palavra "milagre" não fazia parte do vocabulário dos

freqüentadores do Edifício de Ciências Fairchild, em Harvard. Milagres eram com

a Escola de Teologia.

- O senhor parece cético - disse Kohler. - Pensei que fosse um simbologista

religioso. Não acredita em milagres?

- Sou um tanto indeciso quanto a milagres - Langdon respondeu.

Principalmente quanto aos que se realizam em laboratórios científicos.

- Talvez milagre não seja a palavra certa. Eu estava simplesmente tentando

falar a sua língua.

- Minha língua? - Langdon de repente se sentiu incomodado. - Não quero

desapontá-lo, senhor, mas estudo simbologia religiosa. Sou um acadêmico, não

um sacerdote.

Kohler diminuiu a velocidade e se virou, o olhar suavizando-se um pouco.

- É claro. Que tolice a minha. Não é preciso ter câncer para se analisar os

sintomas da doença.

Langdon nunca ouvira a questão ser apresentada daquela forma.

Enquanto seguiam pelo corredor, Kohler fez um leve gesto de aceitação

com a cabeça.

- Acho que vamos nos entender perfeitamente, senhor Langdon. De alguma

forma, Langdon duvidava disso.

À medida que os dois avançavam, Langdon começou a perceber um ruído

surdo adiante. O barulho foi ficando mais intenso a cada passo, reverberando

pelas paredes. Parecia vir do final do corredor em frente a eles.

- O que é isso? - Langdon finalmente perguntou, tendo de gritar. Tinha a

impressão de que se aproximavam de um vulcão em erupção.

- Túnel de Queda Livre - respondeu Kohler, a voz oca cortando o ar sem

esforço.

Langdon não perguntou mais. Estava exausto e Maximilian Kohler não

parecia interessado em ganhar nenhum prêmio de hospitalidade. Langdon

procurou lembrar-se do motivo pelo qual estava ali. Illuminati. Presumiu que

haveria um cadáver em algum ponto daquela organização colossal... um cadáver

marcado com um símbolo que ele viajara uns cinco mil quilômetros para ver.

Ao se aproximarem do fim do corredor, o ruído tornou-se quase

ensurdecedor, vibrando através das solas dos sapatos de Langdon. Contornaram

uma pilastra e uma galeria de observação apareceu à direita. Quatro portais de

grossas vidraças haviam sido encaixados em uma parede curva, como janelas de

submarino.

Langdon parou e espiou por uma das aberturas.

O professor Robert Langdon já vira algumas coisas esquisitas em sua vida,

mas aquela era a mais esquisita de todas. Deu umas piscadelas, achando que

estivesse tendo alucinações. Encontrava-se diante de uma enorme câmara circular.

Dentro da câmara, flutuando como se fossem desprovidas de peso, havia pessoas.

Três. Uma delas acenou e deu uma cambalhota no ar. Deus do céu, pensou, estou

na Terra de Oz.

O piso da câmara era feito de uma tela reticulada, como uma gigantesca

cerca de galinheiro. Visível sob a tela, o borrão metálico de uma hélice imensa.

- É um túnel de queda livre - disse Kohler, parando para esperar por ele. - É

um túnel vertical de vento, um simulador de pára-quedismo para aliviar a tensão.

Langdon olhava, estupefato. Uma das pessoas, uma mulher obesa,

manobrou o corpo em direção à janela.

Estava sendo fustigada por correntes de ar, mas deu um sorriso e fez um

sinal com o polegar para cima.

Langdon sorriu amarelo e devolveu o gesto, pensando se ela saberia que

aquele era o antigo símbolo fálico de virilidade masculina.

A mulher era a única usando o que aparentava ser um pára-quedas em

miniatura. A faixa de tecido ondulava acima dela como se fosse um brinquedo.

- Para que serve o pequeno pára-quedas? - Langdon perguntou a Kohler.

- Não deve ter mais de um metro de diâmetro.

- Fricção - Kohler respondeu. - Diminui a aerodinâmica para que o

ventilador possa erguer a pessoa. - E voltou a andar pelo corredor. - Um metro

quadrado de algo que ofereça resistência ao ar retarda a queda de um corpo em

quase 20 por cento.

Langdon assentiu mecanicamente com a cabeça.

Jamais poderia imaginar que mais tarde, na mesma noite, em um país a

centenas de quilômetros de distância, aquela informação iria salvar-lhe a vida.

CAPÍTULO 8

Quando Langdon e Kohler saíram pelos fundos do conjunto principal do

CERN para a luminosidade crua do sol da Suíça, Langdon sentiu-se como se

tivesse sido levado de volta para casa. A cena diante dele era igual à de um

campus da Ivy League.

Um gramado em declive estendia-se na direção de uma vasta extensão de

terreno plano, com árvores sombreando pátios quadrangulares cercados por

prédios de dormitórios e caminhos de pedestres. Pessoas com aparência de

universitários, carregadas com pilhas de livros, entravam e saíam dos edifícios.

Como para acentuar a atmosfera, dois hippies de cabelos compridos jogavam um

frisbee para lá e para cá enquanto a Quarta Sinfonia de Mahler soava em alto

volume vinda de uma das janelas de um prédio.

- Esses são nossos prédios residenciais - explicou Kohler, acelerando sua

cadeira de rodas pelo caminho que ia dar nos edifícios. - Temos mais de três mil

físicos aqui. O CERN sozinho emprega mais da metade dos físicos de partículas

do mundo, as mentes mais brilhantes do mundo: alemães, japoneses, italianos,

holandeses, todos, enfim. Nossos físicos representam mais de quinhentas

universidades e sessenta nacionalidades.

Langdon estava impressionado.

- E como se comunicam?

- Em inglês, naturalmente. A língua universal da ciência.

Langdon sempre ouvira dizer que a matemática era a língua universal da

ciência, mas estava cansado demais para discutir. Seguiu Kohler obedientemente

pelo caminho.

Quase chegando na parte de baixo, um rapaz cruzou com eles correndo,

fazendo exercício. Na camiseta dele, a mensagem: SEM TOE, SEM GLÓRIA!

Langdon acompanhou-o com o olhar, intrigado.

- Toe?

- Theory of Everything, Teoria sobre Tudo - disse Kohler em tom de

gracejo.

- Sei - disse Langdon, sem saber coisa alguma.

- Tem alguma noção de Física de Partículas, senhor Langdon?

Langdon encolheu os ombros.

- Tenho noções sobre Física geral, queda dos corpos pesados e coisas

assim.

- Sua experiência de mergulho dera-lhe um profundo respeito pelo poder

impressionante da aceleração gravitacional. - A Física das Partículas é o estudo

dos átomos, não é?

Kohler balançou a cabeça.

- Os átomos parecem planetas se comparados com as coisas com que

lidamos. Nosso interesse está no núcleo do átomo, apenas dez milionésimos do

tamanho do todo. - Tossiu de novo, parecendo adoentado.

- Os homens e mulheres do CERN estão aqui para encontrar respostas para

as mesmas perguntas que o homem vem fazendo desde o começo dos tempos. De

onde viemos? De que somos feitos?

- E as respostas estão em um laboratório de Física?

- O senhor ficou surpreso?

- Fiquei. Essas respostas parecem pertencer mais ao domínio do espiritual.

- Senhor Langdon, todas as perguntas algum dia foram espirituais. Desde o

princípio dos tempos, a espiritualidade e a religião preencheram as lacunas que a

ciência não compreendia. O nascer e o pôr do Sol eram outrora atribuídos a Helios

e sua carruagem de fogo. Terremotos e maremotos deviam-se à ira de Poseidon. A

ciência provou que esses deuses eram falsos ídolos. Logo será provado que todos

os deuses são falsos ídolos. A ciência acabou fornecendo respostas para quase

todas as perguntas que o homem pode fazer. Restam apenas algumas poucas, que

são as esotéricas. De onde viemos? O que estamos fazendo aqui? Qual o sentido

da vida e do universo?

Langdon era só perplexidade.

- E são essas as perguntas que o CERN está tentando responder?

- Corrigindo: são as perguntas que estamos respondendo.

Langdon calou-se e os dois continuaram a circular através dos pátios das

residências. Enquanto andavam, um frisbee veio voando e caiu bem na frente

deles. Kohler ignorou-o e prosseguiu.

Uma voz chamou do outro lado do pátio.

- S'il vous plaít!

Langdon olhou na direção da voz. Um homem idoso de cabelos brancos,

vestido com um agasalho esportivo onde se lia COLLËGE PARIS, acenou para

ele. Langdon pegou o frisbee e lançou-o habilmente de volta. O senhor apanhou-o

com um dedo e, depois de girá-lo uma ou duas vezes, atirou-o por cima do ombro

de volta para seu parceiro.

- Merci! - gritou para Langdon.

- Parabéns - disse Kohler, quando Langdon finalmente o alcançou. - O

senhor acabou de jogar com um ganhador do Prêmio Nobel, George Charpak,

inventor da câmara de múltiplas ligações proporcionais.

Langdon sacudiu a cabeça. Hoje é meu dia de sorte.

Levaram mais uns três minutos para chegar a seu destino, um grande

prédio bem cuidado em meio a um bosque de choupos. Comparada às outras, essa

construção era até luxuosa. Em uma placa de pedra em frente ao prédio lia-se, em

letras entalhadas: EDIFICIO C.

Cheio de imaginação, pensou Langdon.

Apesar do nome inexpressivo, o Edifício C estava bem de acordo com o

gosto de Langdon em matéria de estilo de arquitetura: sólido e conservador. A

fachada era de tijolo vermelho e o edifício possuía uma balaustrada decorada e era

emoldurado por sebes vivas simétricas bem aparadas. Quando os dois homens

subiram o caminho de pedra que levava à entrada, passaram por uma estrutura

formada por um par de colunas de mármore. Alguém pregara um bilhete adesivo

em uma delas.

ESTA COLUNA É IÔNICA

Grafite de físicos? - refletiu Langdon, examinando a coluna e dando uma

risadinha baixa.

- É um alívio saber que até os físicos mais brilhantes cometem erros.

Kohler virou a cabeça.

- O que quer dizer?

- Quem escreveu esse bilhete cometeu dois erros: a grafia correta é jônica.

E essa coluna é dórica, a equivalente grega. As colunas jônicas são de largura

uniforme. Essa é afunilada. Um erro bem comum.

Kohler não sorriu.

- O autor do bilhete estava brincando, senhor Langdon. Iônico significa que

contém íons, partículas carregadas de eletricidade. A maioria dos objetos os

contém.

Langdon virou-se para a coluna lá atrás e resmungou em voz baixa.

Langdon ainda se sentia um idiota quando saltou do elevador no último

andar do Edifício C. Seguiu Kohler por um corredor bem decorado. O estilo da

decoração - francês colonial tradicional - surpreendeu-o: um divã cor de cereja,

ornamentação em volutas de madeira e um jarrão de porcelana.

- Gostamos de manter com conforto nossos cientistas contratados - Kohler

explicou.

Dá para notar, pensou Langdon.

- Então, o homem do fax morava aqui? Era um dos seus funcionários de

alto nível?

- Exato - disse Kohler. - Ele não compareceu a uma reunião comigo esta

manhã e não respondeu a seu pager. Vim procurá-lo e o encontrei morto no meio

da sala.

Langdon sentiu um arrepio súbito quando se deu conta de que ia ver um

cadáver. Seu estômago nunca fora muito robusto, uma fraqueza que descobrira

quando era estudante de arte ao ouvir de um professor em sala de aula que

Leonardo da Vinci adquirira sua experiência sobre as formas humanas exumando

corpos e dissecando músculos.

Kohler chegou ao fim do corredor. Havia ali uma única porta.

- Apartamento de cobertura, como vocês chamam - anunciou ele,

enxugando uma gota de suor na testa.

Langdon leu a placa na porta de carvalho:

LEONARDO VETRA

- Leonardo Vetra - disse Kohler - iria fazer 58 anos na semana que vem.

Era um dos cientistas mais brilhantes de nosso tempo. Sua morte é uma grande

perda para a ciência.

Por um instante, Langdon pensou ter visto uma nota de emoção no rosto

duro de Kohler. Entretanto, aquilo se foi tão depressa quanto veio. Kohler enfiou

a mão no bolso e começou a examinar um grande chaveiro.

Um estranho pensamento passou pela mente de Langdon. O prédio parecia

deserto.

- Onde está todo mundo? - perguntou.

A ausência de atividade não era o que ele esperava, considerando-se que

estavam prestes a entrar no local de um crime.

- Os residentes estão em seu laboratórios - respondeu Kohler, encontrando

a chave certa.

- Estou falando da polícia - Langdon esclareceu. - Já foi embora?

Kohler parou, a chave a meio caminho da fechadura.

- A polícia?

- Sim, a polícia. O senhor me mandou um fax sobre um homicídio. Deve

ter chamado a polícia.

- Claro que não.

- O quê?

Os olhos cinzentos de Kohler assumiram uma expressão penetrante.

- A situação é complexa, senhor Langdon.

Uma onda de apreensão tomou conta de Langdon.

- Mas... com certeza, alguém mais tem conhecimento do fato!

- Sim. A filha adotiva de Leonardo. Ela também é física aqui no CERN.

Divide um laboratório com o pai.

Trabalham em parceria. A senhorita Vetra passou esta semana fora fazendo

pesquisa de campo. Já lhe comuniquei a morte de seu pai e ela está a caminho,

vindo para cá.

- Mas um homem foi assassin...

- Uma investigação formal - interrompeu Kohler com voz firme - será

realizada. Entretanto, certamente vai envolver uma busca no laboratório de Vetra,

um espaço que ele e a filha consideram altamente privado.

Portanto, vou esperar até que a senhorita Vetra chegue. Acho que devo a

ela pelo menos essa pequena manifestação de discrição.

E virou a chave na fechadura.

Quando a porta se abriu, uma lufada de ar gélido penetrou no vestíbulo e

atingiu direto o rosto de Langdon. Ele recuou, espantado. Encontrava-se no limiar

de um mundo desconhecido. O apartamento à sua frente estava imerso em uma

névoa branca e espessa. A névoa rodopiava formando espirais em torno dos

móveis e envolvia o ambiente em um véu opaco.

- Que diabo...? - gaguejou Langdon.

- Sistema de resfriamento por fréon - Kohler explicou. - Esfriei o

apartamento para preservar o corpo.

Langdon abotoou o paletó de tweed para se proteger do frio.

Estou em Oz, pensou. E esqueci de trazer meus sapatos mágicos.

CAPÍTULO 9

O cadáver no chão diante de Langdon era horrendo.o falecido Leonardo

Vetra estava deitado de costas, de barriga para cima, despido, a pele de um

cinzento-azulado. Os ossos do pescoço projetavam-se para fora no ponto onde

tinham sido quebrados e a cabeça fora totalmente virada para trás, apontando para

o lado errado. Não se via seu rosto, voltado para o chão. O homem jazia em uma

poça congelada da própria urina, os pêlos em torno de seus órgãos genitais

enrugados cobertos de gotas geladas.

Reprimindo a náusea, Langdon pousou os olhos no peito da vítima.

Embora já tivesse olhado dezenas de vezes para a ferida simétrica no fax, a

queimadura era infinitamente mais impressionante na vida real. A carne queimada

e inchada fora delineada com perfeição... o símbolo formara-se sem uma falha

sequer.

Langdon não sabia se o frio intenso que o acometia era por causa do arcondicionado

ou por sua absoluta perplexidade com o significado do que

contemplava naquele momento.

Illuminati

Seu coração batia forte enquanto rodeava o corpo para ler a palavra ao

contrário, confirmando a genialidade da simetria. O símbolo parecia ainda mais

inconcebível visto de perto.

- Senhor Langdon?

Ele não escutou. Estava em um outro mundo... seu mundo, onde história,

mito e fato iam de encontro um ao outro, inundando seus sentidos. As

engrenagens entraram em funcionamento.

- Senhor Langdon? - Kohler observava-o, cheio de expectativa.

Langdon não ergueu os olhos, sua atenção agora intensificada, totalmente

concentrado.

- O que o senhor já sabe de fato sobre o assunto?

- Só o que li no seu site. A palavra Illuminati significa "os esclarecidos" É

o nome de uma espécie de confraria antiga.

Langdon concordou.

- Já tinha ouvido esse nome antes?

- Não, até vê-lo marcado no senhor Vetra.

- E então o senhor foi fazer uma busca na Internet para saber o que era?

- Fui.

- E verificou que o nome aparece em centenas de sites, sem dúvida.

- Milhares - disse Kohler. - O seu site, porém, mencionava Harvard,

Oxford, uma editora respeitável, bem como trazia uma lista de publicações

relacionadas ao assunto. Como cientista, aprendi que a informação só é valiosa se

a fonte também é. Suas referências pareciam autênticas.

Os olhos de Langdon ainda estavam fixos no corpo.

Kohler parou de falar. Apenas acompanhava os movimentos de Langdon,

aparentemente esperando que ele pudesse produzir algum esclarecimento sobre a

cena que se apresentava diante deles.

Langdon levantou a cabeça e correu os olhos pelo apartamento gelado.

- Quem sabe poderíamos falar sobre o assunto em um lugar mais quente?

- Aqui está bom. - Kohler parecia indiferente ao frio. - Vamos conversar

aqui mesmo.

Langdon franziu o cenho. A história dos Illuminati não era nada simples.

Vou congelar tentando explicar tudo. Olhou de novo para a marca, mais uma vez

com uma sensação de assombro.

Apesar de existirem relatos lendários sobre o símbolo dos Illuminati na

moderna simbologia, nenhum acadêmico jamais o vira de fato. Antigos

documentos descreviam a insígnia como um ambigrama - ambi, "ambos" -,

significando que seria legível de ambos os lados. E embora os ambigramas fossem

comuns na simbologia - suásticas, yin-yang, estrelas-de-davi, cruzes simples -, a

idéia de que uma palavra pudesse ser trabalhada para formar um ambigrama

parecia totalmente impossível. A maioria dos acadêmicos chegara à conclusão de

que a existência do símbolo era um mito.

- Afinal, quem eram os Illuminati? - perguntou Kohler.

Sim, pensou Langdon, quem seriam realmente? - e começou seu relato.

- Desde o começo da história - explicou Langdon -, sempre existiu uma

profunda brecha entre ciência e religião. Cientistas como Copérnico, que não

tinham papas na língua...

- Foram assassinados - interrompeu Kohler. - Assassinados pela Igreja por

revelar verdades científicas. A religião sempre perseguiu a ciência.

- Sim, mas por volta de 1500, um grupo de homens em Roma revidou e

lutou contra a Igreja. Alguns dos homens mais esclarecidos da Itália - físicos,

matemáticos, astrônomos - começaram a promover encontros secretos para

discutir suas preocupações sobre os ensinamentos errados difundidos pela Igreja.

Temiam que o monopólio da "verdade" pela Igreja ameaçasse a difusão dos

conhecimentos acadêmicos pelo mundo afora. Fundaram o primeiro think tank

científico do mundo, chamando a si mesmos de "os esclarecidos"

- Os Illuminati.

- Exato - concordou Langdon. - As mentes mais cultas da Europa...

dedicadas à busca da verdade científica.

Kohler calou-se.

- Evidentemente, os Illuminati eram caçados impiedosamente pela Igreja

Católica. Somente através de ritos extremamente sigilosos é que os cientistas se

mantinham seguros. Os rumores se espalharam pelo submundo acadêmico e a

fraternidade dos Illuminati cresceu, incluindo cientistas de toda a Europa. Eles

encontravam-se regularmente em Roma em um refúgio ultra-secreto a que

chamavam de "Igreja da Iluminação"

Kohler tossiu e remexeu-se na cadeira.

- Muitos dos Illuminati - Langdon prosseguiu - queriam combater a tirania

da Igreja com atos de violência, mas seu membro mais reverenciado persuadiu-os

a não agir assim. Era um pacifista e um dos mais famosos cientistas da História.

Langdon estava certo de que Kohler reconheceria o nome. Até os que não

pertenciam ao mundo científico conheciam o malfadado astrônomo que fora preso

e quase executado pela Igreja por ter declarado que o Sol, e não a Terra, era o

centro do sistema solar. Embora seus dados fossem irrefutáveis, o astrônomo fora

severamente punido por insinuar que Deus não instalara a humanidade no centro

de seu universo.

- Seu nome era Galileu Galilei - disse Langdon.

- Galileu? - espantou-se Kohler.

- Ele mesmo. Galileu era um Illuminatus. E também um católico fervoroso.

Tentou abrandar a posição da Igreja com relação à ciência proclamando que a

ciência não prejudicava a noção da existência de Deus mas, ao contrário,

reforçava-a. Escreveu certa vez que, quando olhava os planetas girando através de

seu telescópio, conseguia ouvir a voz de Deus na música das esferas. Sustentava

que a ciência e a religião não eram inimigas e sim aliadas, duas linguagens

diferentes que contavam a mesma história, uma história de simetria e equilíbrio:

céu e inferno, noite e dia, quente e frio, Deus e Satã. Tanto a ciência quanto a

religião exultavam com a simetria de Deus, o infindável confronto da luz e das

trevas. - Langdon fez uma pausa, batendo com os pés no chão para se aquecer.

Kohler permaneceu sentado em sua cadeira de rodas olhando para ele.

- Infelizmente - Langdon acrescentou -, a unificação da ciência e da

religião não era o que a Igreja queria.

- Claro que não - interrompeu Kohler. - A união teria invalidado a

pretensão da Igreja de ser o único veículo através do qual o homem poderia

compreender Deus. Assim, a Igreja acusou Galileu de heresia, condenou-o e

colocou-o em prisão domiciliar permanente. Estou bastante a par da história

científica, senhor Langdon. Só que isso tudo aconteceu séculos atrás. O que tem a

ver com Leonardo Vetra?

A pergunta de um milhão de dólares. Langdon tentou abreviar.

- A prisão de Galileu causou uma convulsão entre os Illuminati.

Cometeram alguns erros e a Igreja descobriu as identidades de quatro membros,

que foram capturados e interrogados. Mas os quatro cientistas nada revelaram,

nem sob tortura.

- Tortura?

Langdon assentiu.

- Foram marcados a fogo. No peito. Com o símbolo da cruz.

Os olhos de Kohler arregalaram-se e ele lançou um rápido olhar para o

corpo de Vetra.

- Em seguida, os cientistas foram brutalmente assassinados e seus corpos

lançados às ruas de Roma como advertência para os que ainda cogitassem se unir

aos Illuminati. Com a Igreja fechando o cerco, os Illuminati que restavam fugiram

da Itália.

Langdon fez outra pausa, dessa vez para causar o efeito que desejava.

Olhou direto para os olhos sem vida de Kohler.

- Os Illuminati mergulharam fundo na clandestinidade, onde começaram a

se misturar a outros grupos que haviam fugido dos expurgos da Igreja Católica:

místicos, alquimistas, ocultistas, muçulmanos, judeus. Ao longo dos anos, os

Illuminati absorveram novos membros. Surgiu um outro tipo de Illuminati, mais

soturno, profundamente anticristão. Tornaram-se muito poderosos, praticando

ritos misteriosos, sigilo mortal e jurando um dia se erguerem outra vez e se

vingarem da Igreja Católica. Seu poder cresceu a ponto de serem considerados a

mais perigosa força anticristã do mundo. O Vaticano acusou publicamente a

fraternidade de Shaitan.

- Shaitan?

- É um termo islâmico. Significa "adversário".., adversário de Deus. A

Igreja escolheu o nome islâmico porque era uma língua que eles consideravam

suja.

- Langdon hesitou. - Shaitan é a origem de uma palavra bem conhecida:

Satã. Uma expressão de inquietude passou pelo rosto de Kohler.

Langdon falou com voz dura.

- Senhor Kohler, não sei como essa marca apareceu no peito desse homem,

nem por que, mas o que o senhor está vendo é o símbolo há muito esquecido do

mais antigo e mais poderoso culto satânico do mundo.

CAPÍTULO 10

A viela era estreita e deserta. O Hassassin caminhava depressa, os olhos

negros cheios de expectativa. Enquanto percorria o caminho que o aproximava de

seu destino, as palavras de despedida de Janus ecoavam em sua mente. A fase dois

vai começar em breve. Procure descansar um pouco.

O Hassassin deu um sorriso presunçoso. Ficara acordado a noite inteira,

mas sono era a última coisa em que pensava. Sono era para os fracos. Ele era um

guerreiro como seus ancestrais, e seu povo nunca dormia depois que a batalha

começava. Aquela batalha com certeza acabara de começar, e ele tivera a honra de

ser o primeiro a derramar sangue. Agora tinha duas horas para comemorar sua

glória antes de voltar ao trabalho.

Dormir? Há maneiras muito melhores de relaxar...

Um apetite por prazeres hedonísticos fora algo que herdara de seus

ancestrais. Seus antepassados regalavam-se com haxixe, mas ele preferia um tipo

diferente de gratificação. Orgulhava-se de seu corpo, máquina bem ajustada e letal

que, apesar de sua hereditariedade, ele se recusava a poluir com narcóticos.

Desenvolvera um vício mais revigorante do que as drogas, uma

recompensa muito mais saudável e satisfatória.

Sentindo crescer dentro de si a ansiedade já familiar, o Hassassin andou

com mais rapidez pela rua.

Chegou a uma porta comum e tocou a campainha. Uma fenda retangular

abriu-se na porta e dois belos olhos castanhos avaliaram-no, fazendo uma

estimativa. Então, a porta foi aberta.

- Seja bem-vindo - disse a mulher bem vestida. Levou-o para uma sala de

estar impecavelmente mobiliada e com iluminação suave. O ambiente recendia a

perfume caro e almíscar.

- Fique à vontade. - Entregou-lhe um álbum de fotografias. - Chame

quando tiver escolhido.

E saiu.

O Hassassin sorriu.

Quando se sentou no divã de pelúcia e colocou o álbum no colo, sentiu a

fome carnal intensificar-se. Seu povo não comemorava o Natal, mas essa deveria

ser a sensação que as crianças cristãs experimentavam diante de uma pilha de

presentes, prestes a descobrir os mistérios que continham. Ele abriu o álbum e

examinou as fotos. Um mundo de fantasias sexuais oferecia-se a ele.

Marisa. Uma deusa italiana. Ardente. Uma jovem Sophia Loren.

Sachiko. Uma gueixa japonesa. Dócil. Sem dúvida, habilidosa.

Kanara. Uma estonteante visão negra. Musculosa. Exótica.

Viu o álbum duas vezes e fez sua escolha. Apertou o botão na mesa a seu

lado. Um minuto depois, a mulher que o recebera reapareceu. Ele apontou a

escolhida. Ela sorriu.

- Venha comigo.

Depois de resolver os acertos financeiros, a mulher fez uma discreta

ligação telefônica. Esperou alguns minutos e então o conduziu por uma escadaria

de mármore em espiral até um luxuoso vestíbulo.

- É a porta dourada no final - disse ela. - O senhor tem gostos caros.

Claro, pensou ele, sou um connoisseur.

As passadas do Hassassin pelo corredor pareciam as de uma pantera que

aguarda uma refeição atrasada.

Ao chegar à porta, sorriu intimamente. A porta já estava entreaberta,

convidando-o a entrar. Ele a empurrou e ela se abriu sem ruído.

Quando viu o que escolhera, soube que havia decidido bem. Ela estava

exatamente como ele solicitara: nua, deitada de costas, os braços amarrados aos

balaústres da cama com grossos cordões de veludo.

Ele atravessou o quarto e correu o dedo escuro pelo abdome claro como

marfim. Matei na noite de ontem, pensou. Você é minha recompensa.


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