quarta-feira, 25 de março de 2009




CAPÍTULO 41

A voz que emanava do aparelho na mesa do camerlengo era metálica e fria,

com traços de arrogância. Todos na sala a escutavam.

Langdon tentou localizar o sotaque. Oriente Médio, talvez?

- Sou o mensageiro de uma antiga fraternidade - a voz anunciou, com uma

cadência estrangeira. – Uma fraternidade que vocês ultrajaram durante séculos.

Sou um mensageiro dos Illuminati.

Langdon sentiu seus músculos se retesarem, os últimos vestígios de dúvida

se esvaírem. Por um segundo experimentou a mistura conhecida de emoção,

privilégio e medo mortal que tomara conta dele naquela manhã ao ver o

ambigrama pela primeira vez.

- O que você quer? - perguntou o camerlengo.

- Represento os homens de ciência. Homens que, como vocês, procuram

respostas. Respostas sobre o destino do homem, seu propósito, seu criador.

- Quem quer que você seja - disse o camerlengo - eu...

- Silenzio. É melhor escutar. Durante dois milênios, sua igreja dominou a

busca da verdade. Vocês esmagaram seus oponentes com mentiras e profecias de

condenação. Manipularam a verdade para servir às suas necessidades, matando

aqueles cujas descobertas não prestavam serviço às suas políticas. Estão

espantados por serem alvo de homens esclarecidos de todo o mundo?

- Homens esclarecidos não recorrem a chantagem para promover suas

causas.

- Chantagem? - o homem riu. - Isto não é chantagem. Não temos

exigências a fazer. A extinção do Vaticano não é negociável. Esperamos 400 anos

por este dia. À meia-noite sua cidade será destruída. Não há nada que possam

fazer.

Olivetti vociferou para o aparelho:

- É impossível ter acesso a esta cidade! Vocês não podem de modo algum

ter plantado explosivos aqui!

- Você fala com a devoção ignorante de um guarda suíço. Talvez seja até

um oficial. Com certeza, deve saber que, durante séculos, os Illuminati se

infiltraram em organizações de elite do mundo inteiro. Acha que só o Vaticano

iria ficar imune a isto?

Jesus, pensou Langdon, eles têm gente aqui dentro. Não era nenhum

mistério a tática da infiltração ser a marca registrada do poder dos Illuminati.

Haviam- se infiltrado entre os maçons, nas grandes redes de bancos, organismos

dos governos. Churchill, certa vez, chegara a dizer a jornalistas que, se os espiões

ingleses tivessem se infiltrado entre os nazistas da mesma forma que os Illuminati

tinham se infiltrado no Parlamento inglês, a guerra teria terminado em um mês.

- Um blefe mais do que evidente - disse Olivetti, áspero. - Não é possível

que a sua influência se estenda tanto assim.

- Por quê? Porque seus guardas suíços estão vigilantes? Porque eles tomam

conta de cada pedacinho de seu mundo particular? E que tal os próprios guardas

suíços? Não são homens? Acredita mesmo que arriscariam suas vidas pela fábula

de um homem que anda sobre a água? Pergunte a si mesmo de que outra maneira

a antimatéria poderia ter entrado em sua cidade. Ou como quatro de seus mais

preciosos ativos poderiam ter desaparecido esta tarde.

- Nossos ativos? - Olivetti franziu o cenho. - O que quer dizer com isso?

- Um, dois, três, quatro. Até agora não deram falta deles?

- De que diabos está falan... - Olivetti parou de falar, os olhos arregalados

como se tivesse levado um soco no estômago.

- A luz se faz - disse o homem. - Quer que eu diga os nomes?

- O que está havendo? - perguntou o camerlengo atordoado.

O homem deu uma risada.

- Seu oficial ainda não lhe informou? Que pecado! Não me surpreende com

tanta vaidade. Imagine a desmoralização, contar a verdade, que quatro cardeais

que ele jurou proteger desapareceram...

Olivetti explodiu.

- Onde conseguiu essa informação?

- Camerlengo - tripudiou o homem -, pergunte ao seu comandante se todos

os cardeais estão presentes na Capela Sistina.

O camerlengo voltou-se para Olivetti, os olhos verdes exigindo uma

explicação.

- Signore - Olivetti sussurrou no ouvido do camerlengo -, é verdade que

quatro de nossos cardeais ainda não se apresentaram na Capela Sistina, mas não

há motivo para alarme. Todos eles tiveram a entrada registrada no edifício

residencial esta manhã, portanto sabemos que estão em segurança dentro da

Cidade do Vaticano. O senhor mesmo tomou chá com eles há poucas horas.

Devem ter apenas se atrasado para a reunião que precede o conclave. Estamos

procurando, mas tenho certeza de que somente perderam a hora e ainda estão por

aí apreciando as belezas do lugar.

- Apreciando as belezas do lugar? - A calma abandonou a voz do

camerlengo. - Eles deveriam estar na capela há mais de uma hora!

Langdon olhou assombrado para Vittoria. Cardeais desaparecidos? Então

eram eles que estavam sendo procurados lá embaixo?

- Eis nossa lista - disse o homem -, que vocês vão achar bem convincente.

Há o cardeal Lamassé, de Paris, o cardeal Guidera, de Barcelona, o cardeal Ebner,

de Frankfurt... Olivetti parecia encolher um pouco a cada nome citado.

O homem fez uma pausa, como se saboreasse com prazer especial o último

nome.

- E, da Itália..., o cardeal Baggia.

O camerlengo bambeou, como um alto veleiro cujas velas acabassem de

perder o vento em uma calmaria.

Sua batina ondulou e ele se deixou cair em sua cadeira.

- I preferiti - murmurou. - Os quatro favoritos.., inclusive Baggia, o mais

provável sucessor do Sumo Pontífice... Como é possível?

Langdon já lera bastante sobre as modernas eleições papais e compreendia

o desespero no rosto do camerlengo. Embora tecnicamente todo cardeal com

menos de oitenta anos pudesse tornar-se Papa, apenas uns poucos possuíam a

capacidade necessária de infundir respeito para obter uma maioria de dois terços

no processo de votação intensamente partidário. Eram conhecidos como os

preferiti. E todos haviam sumido.

O suor escorria na testa do camerlengo.

- O que pretende com esses homens?

- O que acha que pretendo? Sou descendente dos Hassassin.

Langdon sentiu um calafrio. Conhecia bem aquele nome. A Igreja fizera

alguns inimigos mortais através dos anos - os Hassassin, os Cavaleiros

Templários, exércitos que haviam sido perseguidos ou traídos pelo Vaticano.

- Liberte os cardeais - disse o camerlengo. - Já não basta a ameaça de

destruir a cidade de Deus?

- Esqueça seus quatro cardeais. Eles já estão perdidos para você. Mas fique

certo de que suas mortes serão lembradas por milhões de pessoas. É o sonho de

todo mártir. Farei deles luminares da mídia. Um a um. Até a meia-noite, os

Illuminati vão atrair a atenção de todos. Para que mudar o mundo se o mundo não

estiver assistindo? Os assassinatos públicos têm um certo horror inebriante, não é

verdade? Vocês provaram isto há muito tempo com a Inquisição, a tortura dos

Templários, as Cruzadas. - Ele fez uma pausa.

- E, é claro, la purga.

O camerlengo ficou calado.

- Não se lembra de la purga? - perguntou o homem. - Claro que não, você é

uma criança. Os padres não são bons historiadores. Talvez porque sua história os

envergonhe?

- La purga - Langdon ouviu-se dizer. - 1668. A Igreja marcou a fogo quatro

cientistas illuminati com o símbolo da cruz. Para purgar seus pecados.

- Quem está falando? - perguntou a voz, num tom mais intrigado do que

preocupado. - Quem está aí?

Langdon estremeceu.

- Meu nome não é importante - disse ele, tentando manter sua voz firme.

Falar com um Illuminati vivo desorientava-o. Tanto quanto se estivesse falando

com George Washington. - Sou um acadêmico que estudou a história de sua

fraternidade.

- Excelente - replicou a voz. - Estou satisfeito por saber que ainda há gente

que conhece os crimes que foram cometidos contra nós.

- A maioria dos estudiosos pensa que vocês morreram todos.

- Um equívoco que a fraternidade trabalhou muito para promover. O que

mais sabe sobre la purga?

Langdon hesitou. O que mais eu sei? Que esta situação é insana, é o que

sei!

- Depois de serem marcados a fogo, os cientistas foram assassinados e seus

corpos foram deixados em locais públicos em torno de Roma como advertência a

outros cientistas para que não se juntassem aos Illuminati.

- Sim, é isso. Portanto, vamos fazer o mesmo. Quid pro quo. Considerem o

gesto como represália por nossos irmãos assassinados. Seus quatro cardeais vão

morrer, um a cada hora, começando às oito. À meia-noite teremos a atenção do

mundo inteiro.

Langdon foi para perto do fone.

- Vocês pretendem mesmo marcar a fogo e matar esses quatro homens?

- A história se repete, não é? Claro que vamos ser mais elegantes e

audaciosos do que a Igreja foi. Eles mataram em particular, abandonando os

corpos quando ninguém estava olhando. Uma atitude tão covarde!

- O que está dizendo? Que vai marcar e matar esses homens em público?

- Muito bem! Embora isso dependa do que você considera público. Noto

que não há mais tanta gente assim indo à igreja.

Langdon arriscou mais uma vez.

- Vai matá-los dentro de igrejas?

- Um gesto de bondade. Permitir que Deus convoque as suas almas ao

Paraíso com maior presteza. Nada mais justo. Evidentemente, a imprensa também

vai adorar, penso eu.

- Você está blefando - disse Olivetti, a frieza de volta na voz. - Não pode

matar um homem dentro de uma igreja e achar que pode escapar impune.

- Blefando? Nós nos movimentamos entre os seus guardas suíços como se

fôssemos fantasmas, tiramos quatro de seus cardeais de dentro de suas paredes,

plantamos um explosivo mortal no meio de seu santuário mais sagrado e você

acha que estou blefando? À medida que as mortes se sucederem e as vítimas

forem encontradas, todos os meios de comunicação vão acorrer como um

verdadeiro enxame para cá. À meia-noite o mundo vai tomar conhecimento da

causa dos Illuminati.

- E se colocarmos guardas em cada igreja? - disse Olivetti.

O homem riu.

- Receio que a natureza prolífica de sua religião torne essa tarefa difícil.

Tem feito contas ultimamente? Há mais de quatrocentas igrejas católicas em

Roma. Catedrais, capelas, tabernáculos, abadias, monastérios, conventos, escolas

paroquiais...

O rosto de Olivetti continuou impassível.

- Em noventa minutos, vou começar - disse o homem, conclusivo. - Um

por hora. Em uma progressão matemática e mortal. Agora, preciso ir.

- Espere! - pediu Langdon. - Fale-me das marcas que pretende usar nesses

homens.O matador pareceu divertir-se.

- Desconfio que já saiba quais serão as marcas. Ou será que você é um

cético? Vai vê-las logo, logo. Vão provar que as lendas antigas são verdade.

A cabeça de Langdon girou. Sabia exatamente o que o outro estava

dizendo. Lembrou a marca no peito de Leonardo Vetra. O folclore dos Illuminati

mencionava cinco marcas ao todo. Restam quatro marcas e faltam quatro cardeais.

- Fiz o juramento - disse o camerlengo - de eleger um novo Papa esta noite.

Jurei a Deus.

- Camerlengo - disse o homem -, o mundo não precisa de um novo Papa.

Depois da meia-noite ele terá apenas um monte de entulho para governar. A Igreja

Católica está acabada. Seu reino na Terra terminou.

Fez-se um silêncio pesado.

O camerlengo parecia sinceramente triste.

-Você está enganado. Uma igreja é muito mais do que pedra e cimento.

Não pode simplesmente apagar dois mil anos de fé, de qualquer fé, seja ela qual

for. Não pode destruir a fé apenas removendo suas manifestações terrenas. A

Igreja Católica vai continuar com ou sem a Cidade do Vaticano.

- Uma nobre mentira. Mas ainda assim uma mentira. Ambos sabemos qual

é a verdade. Diga, por que o Vaticano é uma cidade murada?

- Os homens de Deus vivem em um mundo perigoso - disse o camerlengo.

- Quantos anos você tem? O Vaticano é uma fortaleza porque a Igreja

Católica mantém metade de seu patrimônio dentro desses muros - pinturas e

esculturas raras, jóias de valor incalculável, livros preciosos... e ouro em barras e

títulos imobiliários nos cofres do Banco do Vaticano. Estima-se que o valor bruto

da Cidade do Vaticano seja de 48,5 bilhões de dólares. Um pé-de-meia bastante

razoável. Amanhã, será um monte de pó. Ativos liquidados, para dizer a verdade.

Vocês estarão falidos. Nem os homens do clero podem trabalhar de graça.

A exatidão das afirmativas refletia-se na expressão de Olivetti e do

camerlengo, a de pessoas em estado de choque. Langdon não sabia o que era mais

impressionante: a Igreja Católica ter todo aquele dinheiro ou os Illuminati terem

conhecimento dele.

O camerlengo suspirou pesadamente.

- É a fé, não o dinheiro, que constitui a espinha dorsal da Igreja.

- Mais mentiras - disse o homem. - No ano passado, vocês gastaram 183

milhões de dólares tentando apoiar suas dioceses em dificuldades pelo mundo

afora. O comparecimento às igrejas teve a maior queda de todos os tempos -

menos 46 por cento na última década. As doações caíram à metade do que eram

há apenas sete anos. Cada vez menos homens entram para os seminários. Embora

vocês não admitam, sua igreja está morrendo. Considerem isto como uma chance

de acabar bem.

Olivetti deu um passo à frente. Mostrava-se menos combativo agora, como

se tomasse consciência da realidade a enfrentar. Era um homem procurando uma

saída. Qualquer uma.

- E se um pouco daquele ouro passasse a financiar a sua causa?

- Não nos insulte a ambos.

- Temos dinheiro.

- Nós também. Mais do que pode calcular.

Em um lampejo, Langdon relembrou as supostas fortunas dos Illuminati, as

antigas riquezas dos pedreiros bávaros, os Rothschilds, os Bilderbergers, o

lendário diamante Illuminati.

- I preferiti - disse o camerlengo, mudando de assunto. Sua voz suplicava.

- Poupe-os. São velhos. Eles...

- Serão sacrifícios de virgens - o homem riu. - Diga, acredita mesmo que

eles sejam virgens? Será que os carneirinhos vão balir ao morrer? Sacrifici vergini

nell'altare di scienza.

O camerlengo ficou em silêncio um longo tempo.

- São homens de fé - disse afinal. - Não temem a morte.

O homem escarneceu.

- Leonardo Vetra era um homem de fé e contudo vi medo em seus olhos na

noite passada. Um medo que eliminei.

Vittoria, até então calada, de repente deu um salto, o corpo retesado de

ódio, e exclamou.

- Assassino! Ele era meu pai!

Uma gargalhada ecoou do outro lado do telefone.

- Seu pai? Que história é essa? Vetra tinha uma filha? Você tem de saber

que seu pai choramingou como uma criança no final. De dar pena, realmente. Um

homem patético.

Vittoria cambaleou como se tivesse sido agredida fisicamente pelas

palavras dele. Langdon correu para ampará-la, mas ela recuperou o equilíbrio e

fixou os olhos escuros no aparelho.

- Juro pela minha vida que antes que esta noite acabe vou encontrar você.

- A voz dela saiu cortante como um laser. - E quando isto acontecer...

O homem riu de modo grosseiro.

- Uma mulher de fibra. Estou excitado. Talvez, antes que esta noite acabe,

eu encontre você. E quando isto acontecer...

As palavras pairaram como uma lâmina no ar. Ele se fora.

CAPÍTULO 42

O cardeal Mortati agora suava dentro de sua batina preta. Não só a Capela

Sistina começava a se parecer com uma sauna, como o conclave estava

programado para começar daí a 20 minutos e ainda não se tinha notícia dos quatro

cardeais que faltavam.

Com a ausência deles, os iniciais cochichos de perplexidade dos outros

cardeais haviam se transformado em ansiedade declarada.

Mortati não podia imaginar onde estariam os ausentes. Com o camerlengo,

quem sabe? Sabia que o camerlengo realizara o tradicional chá particular para os

quatro preferiti mais cedo naquela tarde, mas aquilo fora horas atrás. Será que

estavam passando mal? Com algo que tivessem comido? Mortati duvidava.

Mesmo à beira da morte, os preferiti estariam ali. Só uma vez na vida, geralmente

nunca, um cardeal tinha a oportunidade de ser eleito Sumo Pontífice e, pela Lei

Vaticana, esse cardeal tinha de estar dentro da Capela Sistina quando a votação se

realizasse. Caso contrário, ele seria inelegível.

Apesar de haver quatro preferiti, poucos cardeais tinham qualquer dúvida

sobre quem seria o próximo Papa. Nos últimos 15 dias, inúmeros faxes e

telefonemas haviam sido trocados para discutir os candidatos em potencial. Como

era o costume, quatro nomes haviam sido selecionados como preferiti, cada um

deles preenchendo os requisitos tácitos para se tornar

Papa: fluente em italiano, espanhol e inglês; sem qualquer mancha em seu

passado; ter entre 65 e 80 anos de idade.

Como sempre, um dos preferiti destacara-se como o homem que o Colégio

se propunha a eleger. Naquela noite, tratava-se do cardeal Aldo Baggia, de Milão.

O histórico impecável de Baggia, combinado com excepcionais habilidades

lingüísticas e a capacidade de transmitir a essência da espiritualidade, haviam

feito dele o indiscutível favorito.

E onde será que ele se meteu?, cismava Mortati.

Mortati estava particularmente irritado com os cardeais faltosos porque a

tarefa de supervisionar o conclave coubera a ele. Uma semana antes, o Colégio

dos Cardeais escolhera unanimemente Mortati para o cargo conhecido como O

Grande Eleitor, o mestre-de-cerimônias interno do conclave. Ainda que o

camerlengo fosse o funcionário mais graduado da Igreja, era apenas um padre e

pouco familiarizado com o complexo processo eleitoral, de modo que um cardeal

era selecionado para dirigir a cerimônia de dentro da Capela Sistina.

Os cardeais costumavam brincar que ser indicado como Grande Eleitor era

a honra mais cruel da cristandade. A indicação tornava a pessoa inelegível, além

de exigir que passasse muitos dias antes do conclave debruçada sobre as páginas

do Universi Dominici Gregis reestudando as sutilezas dos misteriosos rituais do

conclave para garantir que a eleição fosse administrada convenientemente.

Mortati não se ressentia por isso, todavia. Sabia que era a escolha lógica.

Não só por ser o cardeal mais velho, como por ter sido confidente do último Papa,

um fato que aumentava o apreço por sua pessoa. Embora ainda estivesse

tecnicamente dentro da faixa etária legal para a eleição, já estava um pouco velho

para ser um candidato de peso. Com 79 anos, já ultrapassara o limiar não expresso

em palavras além do qual o Colégio não mais confiava na saúde da pessoa para

agüentar a rigorosa programação do papado. Um Papa geralmente trabalhava 14

horas por dia, sete dias por semana e morria de exaustão em uma média de 6,3

anos.

A piada que circulava internamente dizia que aceitar o papado era "o

caminho mais curto para o Céu" para um cardeal.

Mortati, muitos acreditavam, poderia ter sido Papa quando mais moço se

não fosse tão liberal. Quando se tratava de alcançar o papado, havia uma

Santíssima Trindade a considerar: Conservadorismo, Conservadorismo e

Conservadorismo.

Mortati sempre se divertira muito com a ironia de o último Papa - que Deus

guardasse a sua alma - ter-se revelado surpreendentemente liberal assim que

assumiu o cargo. Talvez por perceber que o mundo moderno progredia afastandose

da Igreja, o Papa promovera aberturas, suavizando a posição da Igreja com

relação às ciências e até fazendo doações em dinheiro para causas científicas

selecionadas.

Lamentavelmente, aquilo acabara se constituindo em suicídio político. Os

católicos conservadores declararam que o Papa estava "senil" e os puristas

científicos acusaram-no de tentar disseminar a influência da Igreja onde não era

chamado.

- Então, onde estão eles?

Mortati virou-se.

Um dos cardeais batia nervosamente no ombro dele.

- Sabe onde eles estão, não sabe?

Mortati procurou não demonstrar muita preocupação.

- Talvez ainda com o camerlengo.

- A esta hora? Isto estaria altamente em desacordo com as regras! - O rosto

do cardeal ensombreceu-se, desconfiado. - Talvez o camerlengo tenha perdido a

noção da hora?

Mortati duvidava muito disso, mas nada disse. Estava bem consciente de

que a maioria dos cardeais não simpatizava muito com o camerlengo, achando-o

muito moço para servir ao Papa tão de perto. Mortati suspeitava de que grande

parte dessa animosidade fosse de fato causada por ciúme, e ele próprio admirava

muito o jovem padre, tendo aplaudido em segredo o gesto do último Papa quando

este o escolhera para seu camarista. Mortati só via convicção nos olhos do

camerlengo e, ao contrário de muitos cardeais, o camerlengo colocava a Igreja e a

fé antes da política trivial. Ele era verdadeiramente um homem de Deus.

Durante todo o tempo em que desempenhou suas funções, a inabalável

devoção do camerlengo tornara-se lendária. Muitos a atribuíam a um

acontecimento milagroso na sua infância, que teria deixado uma impressão

permanente no coração de qualquer pessoa. O milagre e a sensação do

maravilhoso, pensou Mortati, que algumas vezes desejara que sua infância lhe

tivesse proporcionado um acontecimento capaz de despertar uma fé sem dúvidas

como aquela.

Infelizmente para a Igreja, Mortati sabia, o camerlengo nunca se tornaria

Papa quando fosse mais maduro.

Chegar ao papado requeria uma certa quantidade de ambição política, algo

que parecia faltar ao jovem padre. Ele recusara várias ofertas do Papa para ocupar

posições mais elevadas, dizendo que preferia servir à Igreja como um simples

homem.

- E então? - o cardeal bateu no ombro de Mortati, esperando.

Mortati ergueu os olhos para ele.

- Como assim?

- Eles estão atrasados! O que vamos fazer?

- O que podemos fazer? - retrucou Mortati. - Esperar. E ter fé.

Nem um pouco satisfeito com a resposta de Mortati, o cardeal desapareceu

nas sombras outra vez.

Mortati ficou parado um momento, dando pancadinhas nas têmporas e

tentando clarear sua mente.

De fato, o que vamos fazer? Olhou, além do altar, para o afresco restaurado

de Michelangelo, O Último Julgamento. A pintura não acalmou sua ansiedade.

Era uma apavorante representação de mais de 15 metros de altura de Jesus Cristo

separando a humanidade entre virtuosos e pecadores, e lançando os pecadores no

inferno. Havia carne viva exposta, corpos queimando e até um dos rivais de

Michelangelo usando orelhas de burro sentado no inferno. Guy de Maupassant

escrevera certa vez que aquela pintura parecia ter sido criada para uma barraca de

lutas de parque de diversões por um carvoeiro ignorante.

O cardeal Mortati tinha de concordar.

CAPÍTULO 43

Langdon ficou parado, imóvel,diante da janela à prova de bala do escritório

do Papa, olhando para baixo, para o alvoroço dos trailers da imprensa na Praça de

São Pedro. A sinistra conversa telefônica o deixara confuso, aturdido. Não parecia

ele mesmo.

Os Illuminati, como uma serpente saída das profundezas esquecidas da

História, haviam surgido e se enrolado em torno de um antigo adversário.

Nenhuma exigência. Sem negociações. Só retaliação.

Demoniacamente simples. Exercendo pressão. Uma vingança preparada

durante 400 anos. Ao que parecia, depois de séculos de perseguição, a ciência

revidava.

O camerlengo estava de pé diante da escrivaninha, olhando para o telefone

com um ar parado. Olivetti foi o primeiro a quebrar o silêncio.

- Carlo - disse, usando o primeiro nome do camerlengo e parecendo mais

um amigo fatigado do que um oficial. - Há 26 anos, jurei dar a minha vida para

proteger esta função. Acho que hoje perdi minha honra.

O camerlengo balançou a cabeça.

- Você e eu servimos a Deus de formas diferentes, mas este serviço sempre

traz honra.

- Estes acontecimentos... não posso imaginar como... esta situação...

Olivetti estava arrasado.

- Temos somente uma atitude possível a tomar. Sou responsável pela

segurança do Colégio dos Cardeais.

- Acho que esta responsabilidade era minha, signore.

- Então, seus homens vão cuidar da evacuação imediata.

- Signore?

- Mais tarde podemos nos ocupar das outras opções, como procurar o

aparelho, promover a busca dos cardeais desaparecidos e de seus cantores. Mas,

primeiro, os cardeais devem ser levados para um local seguro. A santidade da vida

humana está acima de tudo. Esses homens são a base desta Igreja.

- O senhor está sugerindo que cancelemos o conclave de imediato?

- Que outra escolha tenho?

- E quanto à sua tarefa de fazer eleger um novo Papa?

O camarista suspirou e voltou-se para a janela, o olhar se desviando para

Roma, que se estendia lá embaixo.

- Sua Santidade me disse certa vez que o Papa é um homem dividido entre

dois mundos, o mundo verdadeiro e o divino. E que a igreja que ignorasse a

realidade não sobreviveria para desfrutar do divino. - Sua voz soava de repente

mais madura do que a de alguém de sua idade. - O mundo real está diante de nós

esta noite. Seria uma ilusão ignorá-lo. Orgulho e precedência não podem

obscurecer a razão.

Olivetti concordou com um gesto de cabeça, impressionado.

- Eu o subestimei, senhor.

O camerlengo não pareceu ouvir. Seu olhar estava distante, voltado para a

janela.

- Vou falar abertamente, signore. O mundo real é o meu mundo. Mergulho

todos os dias em sua feiúra para que outros fiquem livres dessa incumbência e

possam buscar algo mais puro. Permita que o aconselhe na presente situação. É

para isso que sou treinado. Seu instinto, cujo valor ainda assim reconheço, pode

ter conseqüências desastrosas.

O camerlengo voltou-se para ele.

Olivetti suspirou.

- Tirar o Colégio dos Cardeais da Capela Sistina é a pior coisa que se

poderia fazer neste momento.

O camerlengo não se mostrou indignado com a sugestão, apenas

desnorteado.

- O que sugere, então?

- Não diga nada aos cardeais. Sele o conclave. Vai nos dar tempo para

tentar outras alternativas.

O camerlengo ficou perturbado.

- Está sugerindo que eu tranque o Colégio dos Cardeais inteiro em cima de

uma bomba-relógio?

- Sim, signore. Por ora. Mais tarde, se for necessário, podemos

providenciar a evacuação.

O camerlengo sacudiu a cabeça.

- Adiar a cerimônia antes que comece já é razão suficiente para um

inquérito, mas depois que as portas são lacradas, nada mais pode interferir com o

processo. Os procedimentos do conclave exigem...

- O mundo real, signore. O senhor está nele esta noite. Preste atenção. -

Olivetti falava agora com a animação de um oficial de campo. - Deslocar 165

cardeais despreparados e desprotegidos para Roma seria uma imprudência.

Causaria pânico e confusão em alguns homens muito idosos e, francamente, um

derrame fatal este mês já foi o bastante.

Um derrame fatal. As palavras do comandante fizeram Langdon lembrar as

manchetes que lera durante o jantar com alunos no Harvard Commons:

PAPA SOFRE DERRAME E MORRE DORMINDO.

- Além do mais - continuou Olivetti -, a Capela Sistina é uma fortaleza.

Apesar de não alardearmos o fato, a estrutura é altamente reforçada e pode resistir

a qualquer agressão, exceto de mísseis. Um de nossos preparativos foi examinar

cada centímetro da capela esta tarde. Fizemos uma varredura completa procurando

grampos e outros equipamentos de escuta. A capela está limpa, é um abrigo

seguro e tenho certeza de que a antimatéria não está lá dentro. Não existe lugar

mais seguro onde esses homens possam ficar neste momento. E podemos sempre

discutir uma evacuação de emergência mais tarde, se for O caso.

Langdon ficou impressionado. A lógica fria e inteligente de Olivetti

lembrava-o de Kohler.

- Comandante - disse Vittoria, a voz tensa -, há outras questões a

considerar. Nunca se criou uma quantidade tão grande de antimatéria. Só posso

fazer uma estimativa de qual seria exatamente o raio de explosão. É possível que

uma parte dos arredores de Roma também corra perigo. Se o material estiver

dentro de um de seus edifícios centrais ou no subsolo, o efeito fora destes muros

pode ser mínimo, mas se estiver perto do perímetro, neste prédio, por exemplo... -

e ela lançou um olhar cauteloso para fora da janela, para a multidão na Praça de

São Pedro.

- Tenho plena consciência das minhas responsabilidades para com o mundo

exterior - replicou Olivetti -, que não tornam menos grave esta situação. A

proteção deste santuário foi minha única incumbência por mais de 20 anos. Não

tenho qualquer intenção de permitir que essa arma detone.

- Acha que pode encontrá-la? - perguntou o camerlengo.

- Deixe que eu discuta nossas opções com alguns dos meus especialistas

em vigilância. Existe a possibilidade, se cortarmos a energia elétrica da Cidade do

Vaticano, de eliminarmos o fundo de radiofreqüência e criarmos um ambiente

limpo o suficiente para conseguir uma leitura do campo magnético daquele tubo.

Vittoria ficou surpresa e depois impressionada.

- O senhor quer apagar a Cidade do Vaticano inteira?

- Talvez. Ainda não sei se é possível, mas é uma opção que quero explorar.

- Os cardeais decerto ficariam imaginando o que teria acontecido -

observou Vittoria.

Olivetti fez que não com a cabeça.

- Os conclaves são realizados à luz de velas. Os cardeais jamais saberiam.

Depois que o conclave fosse selado, poderia convocar todos os meus guardas,

com exceção de alguns poucos do perímetro, e iniciar uma busca. Cem homens

poderiam fazer uma boa varredura em cinco horas.

- Quatro horas - corrigiu Vittoria. - Tenho de levar o tubo de volta para o

CERN. A detonação será inevitável se as baterias não forem carregadas.

- Existe alguma forma de recarregá-las aqui?

Vittoria sacudiu a cabeça.

- A interface é muito complexa. Teria trazido tudo se fosse possível.

- Quatro horas, então - assentiu Olivetti, de cara fechada. - Ainda temos

bastante tempo. Não adianta entrar em pânico. Signore, tem dez minutos. Vá para

a capela e sele o conclave. Dê a meus homens um pouco de tempo para que façam

o trabalho deles. À medida que nos aproximarmos da hora crítica, tomaremos as

decisões críticas.

Langdon conjeturou até que ponto de proximidade da "hora crítica"

Olivetti deixaria as coisas chegarem.

O camerlengo estava inquieto.

- Mas o Colégio vai perguntar pelos preferiti... principalmente por Baggia,

vai querer saber onde eles estão.

- Vai ter de pensar em alguma coisa, signore. Diga que serviu alguma coisa

durante o chá aos quatro cardeais que não lhes caiu bem.

O camerlengo irritou-se.

- Subir ao altar da Capela Sistina e mentir para o Colégio dos Cardeais?

- Para a própria segurança deles. Una bugia veniale. Uma mentira inocente.

Sua tarefa será a de manter a paz. - Olivetti encaminhou-se para a porta.

- Agora, se me permitem, preciso agir.

- Comandante - instou o camerlengo -, não podemos simplesmente dar as

costas aos cardeais desaparecidos.

Olivetti parou à porta.

- Baggia e os outros estão fora de nossa esfera de influência neste

momento. Temos de deixá-los de lado para o bem da maioria. Os militares

chamam a isso de triagem.

- Não seria abandono?

Sua voz endureceu.

- Se houvesse alguma forma, signore, qualquer uma neste mundo, de

localizar esses quatro cardeais, eu daria a minha vida para fazer isso. Entretanto...-

e ele apontou para a janela do outro lado da sala, de onde se via o mar infinito de

telhados romanos reluzindo ao sol do fim da tarde -, não está ao meu alcance fazer

uma busca em uma cidade de cinco milhões de habitantes. Não vou gastar um

precioso tempo acalmando minha consciência em um esforço inútil. Sinto muito.

Vittoria fez um aparte inesperado.

- Mas, se nós pegássemos o assassino, o senhor não o faria falar?

Olivetti respondeu, sério.

- Soldados não podem se dar ao luxo de serem santos, senhorita Vetra.

Acredite, simpatizo com sua motivação pessoal para pegar esse homem.

- Não é somente pessoal - explicou ela. - O assassino sabe onde está a antimatéria..,

e os quatro cardeais.

Se conseguíssemos encontrá-lo...

- E fazer o jogo deles? - disse Olivetti. - Afastar toda a proteção do

Vaticano para correr centenas de igrejas é o que os Illuminati esperam que

façamos, desperdiçando tempo e potencial humano quando deveríamos estar

procurando... ou, pior ainda, deixando o Banco do Vaticano totalmente

desprotegido.

Sem falar nos outros cardeais.

Era um argumento irrefutável.

- E a polícia de Roma? - perguntou o camerlengo. - Poderíamos alertar toda

a cidade pedindo reforços para a crise. Solicitar a ajuda deles para encontrar o

raptor dos cardeais.

- Seria outro erro - disse Olivetti. - O senhor sabe o que os carabinieri

romanos acham de nós. Teríamos uma colaboração sem muito empenho de uns

poucos homens e, em contrapartida, eles divulgariam a nossa crise para a

imprensa mundial. Exatamente o que querem nossos inimigos. Vamos ter de lidar

com a imprensa muito breve, de qualquer modo.

- Farei de seus cardeais luminares da mídia, foram as palavras do matador.

O corpo do primeiro cardeal vai aparecer às oito. Depois aparecerá um a cada

hora. A imprensa vai adorar.

O camerlengo falou novamente, um traço de indignação em sua voz.

- Comandante, não podemos em sã consciência deixar de fazer alguma

coisa pelos cardeais desaparecidos!

Olivetti encarou o camerlengo com firmeza.

- A oração de São Francisco, signore. Lembra-se dela?

O jovem padre pronunciou uma única frase com um tom dolorido.

- "Deus, dê-me forças para aceitar as coisas que não posso mudar."

- Acredite em mim - concluiu Olivetti -, esta é uma dessas coisas.

E saiu.

CAPÍTULO 44

O escritório central da BBC - British Broadcast Corporation - fica em

Londres, a oeste de Picadilly Circus. A linha telefônica externa tocou e uma

jovem editora atendeu.

- BBC - disse ela, apagando seu cigarro Dunhill.

A voz ao telefone era áspera, com um sotaque do Oriente Médio.

- Tenho uma história sensacional em primeira mão que deve interessar à

sua emissora.

A editora pegou uma caneta e papel.

- A respeito de quê?

- Da eleição do Papa.

Ela fez uma careta, enfastiada. A BBC divulgara na véspera uma história

sobre o mesmo assunto e tivera uma audiência medíocre. O público,

aparentemente, não estava muito interessado na Cidade do Vaticano.

- Sob que aspecto?

- Vocês têm um repórter de TV em Roma cobrindo a eleição?

- Acho que sim.

- Preciso falar diretamente com essa pessoa.

- Sinto muito, mas não posso lhe dar o número dele sem ter uma idéia...

- O conclave está ameaçado. É tudo o que posso adiantar.

A editora tomou notas.

- Seu nome, por favor?

- Meu nome não tem importância.

- E o senhor tem como provar o que alega?

- Tenho.

- Gostaria muito de receber a informação, mas não é nossa política dar os

números de telefones de nossos repórteres, a não ser que...

- Compreendo. Vou entrar em contato com outra emissora. Obrigado por

sua atenção. Até lo...

- Um momento - disse ela. - Pode aguardar um pouco?

A moça pôs a ligação na espera e alongou o pescoço. A arte de identificar

as potenciais chamadas de pessoas excêntricas ou malucas não era de modo algum

uma ciência perfeita, mas aquele homem acabara de passar pelos dois testes de

autenticidade de uma fonte telefônica. Recusara-se a dar seu nome e mostrara-se

impaciente para desligar. Charlatães e maníacos por um pouco de fama em geral

ficavam se lamentando e fazendo pedidos insistentes.

Para sorte dela, os repórteres viviam com medo de perder uma boa história

e por isso raramente se queixavam por ela lhes passar os ocasionais psicóticos que

os decepcionavam. Desperdiçar cinco minutos do tempo de um repórter era

perdoável. Perder uma boa manchete, não.

Bocejando, ela olhou para o seu computador e digitou as palavras "Cidade

do Vaticano' Quando viu o nome do repórter que estava cobrindo a eleição papal,

deu uma risadinha. Era um funcionário novo que a BBC acabara de trazer de um

tablóide londrino de má qualidade para fazer a cobertura mais rotineira. Os chefes

obviamente o tinham feito começar pelo degrau mais baixo.

Ele estaria provavelmente morto de tédio, esperando a noite inteira para

gravar sua matéria de dez segundos ao vivo. Ficaria talvez até agradecido por uma

interrupção da monotonia.

A editora da BBC anotou o número do celular via satélite do repórter na

Cidade do Vaticano. Depois, acendendo outro cigarro, deu o número ao

interlocutor anônimo.

CAPÍTULO 45

- Não vai funcionar - disse Vittoria, andando de um lado para outro no

escritório do Papa.

Ela se dirigiu ao camerlengo.

- Mesmo que uma equipe da Guarda Suíça consiga filtrar a interferência

eletrônica, terão de estar praticamente em cima do tubo de antimatéria para

detectar um sinal qualquer. E isto se o tubo estiver em local acessível e não

existirem outras barreiras a isolá-lo. E se estiver enterrado dentro de uma caixa de

metal em algum ponto do terreno? Ou dentro de um duto de ventilação feito de

metal? Não haverá meio de rastreá-lo. E se houver mesmo espiões na Guarda

Suíça? Quem garante que a busca será confiável?

O camerlengo tinha uma expressão esgotada no rosto.

- O que propõe, senhorita Vetra?

Vittoria agitou-se. Não é evidente?

- Proponho, senhor, que tome outras precauções imediatamente. Podemos

torcer, contra todas as probabilidades, que a busca do comandante seja bemsucedida.

Ao mesmo tempo, olhe lá para fora, pela janela. Está vendo toda aquela

gente? Aqueles prédios do outro lado da piazza? Os carros da imprensa?

Os turistas? Estão todos provavelmente dentro do raio da explosão. O

senhor tem de agir agora.

O camerlengo concordou, apático.

Vitória ficou frustrada. Olivetti convencera a todos de que havia tempo de

sobra. Mas Vittoria sabia que, se a notícia do problema no Vaticano vazasse, toda

a área estaria cheia de espectadores em questão de minutos. Ela presenciara uma

cena assim certa vez do lado de fora do prédio do parlamento suíço. Durante um

incidente envolvendo reféns e uma bomba, milhares de pessoas haviam se reunido

diante do prédio para assistir ao desenlace da situação. Apesar dos avisos da

polícia de que era perigoso permanecer ali, a multidão aglomerava-se cada vez

mais perto do edifício. Nada desperta mais o interesse humano do que a tragédia.

- Signore, o homem que matou meu pai está à solta por aí. Cada célula do

meu corpo deseja sair daqui correndo para caçá-lo. Mas estou aqui no seu

escritório porque me sinto responsável pelo senhor. Pelo senhor e pelos outros. Há

vidas em perigo, signore. Está me ouvindo?

O camerlengo não respondeu.

Vittoria escutava seu próprio coração em disparada. Por que a Guarda

Suíça não conseguira rastrear a maldita ligação? O assassino Illuminati é a chave

de tudo! Ele sabe onde está a antimatéria e, diabos, também sabe onde estão os

cardeais! É só pegar o assassino e tudo se resolve.

Vittoria percebeu que estava começando a se sentir desestabilizada, um

tipo estranho de angústia dos tempos da infância de que se lembrava apenas vagamente,

dos anos de orfanato, da falta de instrumentos para lidar com a frustração.

Agora você tem os instrumentos, disse a si mesma, sempre tem. Não adiantava,

porém. Seus pensamentos interferiam, estrangulando-a. Ela era uma pesquisadora,

uma pessoa cuja função era resolver problemas. Mas aquele problema não tinha

solução. Quais os dados de que precisa? Disse a si mesma para respirar fundo e,

pela primeira vez na vida, não conseguiu. Estava sufocada.

A cabeça de Langdon doía, ele tinha a sensação de estar somente no limiar

da racionalidade. Observava Vittoria e o camerlengo, mas sua visão estava

nublada por imagens horrendas: explosões, o alvoroço da imprensa, o espoucar

dos flashes das máquinas fotográficas, quatro corpos marcados a fogo.

Shaitan... Lúcifer... Aquele que traz a luz... Satan...

Afastou as imagens demoníacas de sua mente. Terrorismo calculado,

lembrou a si mesmo, agarrando-se à realidade. Caos planejado. Recordou-se de

um seminário em Radcliffe de que participara como ouvinte quando estava

pesquisando o simbolismo pretoriano. Desde então, modificara sua maneira de ver

os terroristas.

- O terrorismo - começara o professor - tem um objetivo em especial. Qual

é?

- Matar pessoas inocentes? - arriscou um aluno.

- Incorreto. A morte é apenas um subproduto do terrorismo.

- Uma exibição de força?

- Não. Não existe forma mais fraca de persuasão.

- Causar terror?

- Sendo muito conciso, sim. Simplesmente, o objetivo do terrorismo é criar

terror e medo. O medo abala a confiança nas instituições. Enfraquece o inimigo de

dentro para fora, causa inquietação nas massas.

Escrevam isto: o terrorismo não é uma expressão de raiva. O terrorismo é

uma arma política. Quando se acaba com a fachada de infalibilidade de um

governo, acaba-se com a fé do povo.

Perda de fé...

Seria esta a questão? Langdon imaginava como os cristãos de todo o

mundo reagiriam quando soubessem que quatro cardeais haviam sido sacrificados

como se fossem cães mutilados. Se a fé de um religioso consagrado não era capaz

de protegê-lo das maldades de Satã, que esperança restava para nós? A cabeça de

Langdon latejava mais agora, ouvindo vozes ao longe sobrepondo-se umas às

outras...

A fé não protege ninguém. Remédios e air-bags é que protegem as pessoas.

Deus não protege ninguém. A inteligência, sim. Esclarecimento. Tenha fé

somente em algo com resultados tangíveis. Há quanto tempo não se ouve falar que

alguém andou sobre a água? Os milagres modernos são realizados pela ciência...

computadores, vacinas, estações espaciais... até o milagre divino da criação. A

matéria vinda do nada... em um laboratório. Quem precisa de Deus? Não! A

ciência é Deus.

A voz do assassino ressoava na mente de Langdon. Meia-noite...

progressão matemática da morte...sacrifici vergini nell'altare di scienza.

Então, de súbito, como uma multidão que se dispersa ao ouvir um tiro, as

vozes se foram.

Robert Langdon levantou-se num pulo. Sua cadeira caiu para trás, batendo

com força no chão de mármore.

Vittoria e o camerlengo tiveram um sobressalto.

- Deixei escapar... - Langdon murmurava, como se estivesse enfeitiçado.

- Estava bem na minha frente.

- Deixou escapar o quê? - perguntou Vittoria.

Langdon dirigiu-se para o padre.

- Padre, durante três anos requeri acesso aos Arquivos do Vaticano. O

acesso me foi negado sete vezes.

- Senhor Langdon, sinto muito, mas este não é o momento apropriado para

fazer queixas como essa.

- Preciso ter acesso imediatamente. Os quatro cardeais desaparecidos.

Talvez eu consiga descobrir onde eles vão ser mortos.

Vittoria olhava fixo para ele, certa de não ter compreendido bem.

O camerlengo tinha a expressão perturbada de alguém que está sendo

vítima de uma brincadeira cruel.

- Espera que eu acredite que essa informação está em nossos arquivos?

- Não posso prometer localizá-la a tempo, mas, se me deixar entrar...

- Senhor Langdon, tenho de estar na Capela Sistina dentro de quatro

minutos. Os arquivos estão do outro lado da cidade.

- Você está falando sério, não está? - interrompeu Vittoria, encarando

Langdon, parecendo entender a intensidade de seu empenho.

- Não é hora para brincadeiras - respondeu Langdon.

- Padre - disse Vittoria, dirigindo-se ao camerlengo -, se houver uma

chance, por menor que seja, de sabermos onde essas mortes vão ocorrer,

poderíamos cercar os locais e...

- Mas, e os arquivos? - insistiu o camerlengo. - Como é possível que

contenham alguma pista?

- Se eu fosse explicar - disse Langdon -, gastaria um tempo que o senhor

não tem. Mas, se eu estiver certo, podemos usar as informações para pegar o

Hassassin.

O camerlengo esforçava-se para acreditar, mas não conseguia.

- Os códices mais sagrados da cristandade encontram-se naquele arquivo.

Tesouros que eu próprio não tive o privilégio de ver.

- Estou ciente disso.

- O acesso só é autorizado por decreto do curador e do Conselho dos

Bibliotecários Vaticanos.

- Ou - completou Langdon - por mandado papal. Está escrito em todas as

cartas de recusa que seu curador me mandou.

O camerlengo concordou.

- Não quero ser indelicado - insistiu Langdon -, mas, se não me engano, o

mandado papal sai deste escritório. Que eu saiba, hoje é o senhor quem está

incumbido dessa função. Considerando-se as circunstâncias...

O camerlengo tirou um relógio de bolso de sua batina e consultou-o.

- Senhor Langdon, estou preparado para dar minha vida, literalmente, para

salvar a Igreja esta noite.

Langdon viu apenas a verdade refletida no olhar do padre.

- Esse documento - disse o camerlengo -, o senhor acredita realmente que

está aqui? E que pode nos ajudar a localizar as quatro igrejas?

- Eu não teria feito inúmeras solicitações de acesso se não estivesse

convencido disso. A Itália é um tanto longe demais para se vir ao acaso quando se

vive de um salário de professor. O documento é um antigo...

- Por favor - o camerlengo interrompeu-o. - Perdoe-me. Minha cabeça não

consegue processar nenhum detalhe a mais neste momento. O senhor sabe onde os

arquivos secretos estão?

Langdon sentiu uma onda de excitação.

- Atrás do Portão de Sant'Ana.

- Estou impressionado. A maioria dos estudiosos pensa que se chega lá por

uma porta secreta atrás do Trono de São Pedro.

- Não. Ali fica o Archivio delia Reverenda di Fabbrica di S. Pietro. Um

engano comum.

- Um bibliotecário docente acompanha todos os que entram em todas as

ocasiões. Esta noite, não há nenhum docente, todos saíram do Vaticano. O que me

pede é um acesso com carta branca. Nem os nossos cardeais entram lá sozinhos.

- Vou tratar os seus tesouros com o maior respeito e cuidado. Seus

bibliotecários não vão encontrar qualquer vestígio da minha presença.

Os sinos de São Pedro começaram a tocar. O camerlengo verificou a hora

em seu relógio.

- Preciso ir - fez uma pausa tensa e olhou para Langdon. - Vou mandar um

guarda suíço encontrá-lo no local dos arquivos. Senhor Langdon, estou

depositando minha confiança no senhor. Agora, vá.

Langdon não encontrou palavras.

O jovem padre parecia agora ter um porte e uma presença quase

sobrenaturais. Estendeu a mão e apertou o ombro de Langdon com uma força

surpreendente.

- Quero que encontre o que vai procurar. E depressa.

CAPÍTULO 46

Os Arquivos Secretos do Vaticano estão situados na extremidade do Pátio

Bórgia, em uma elevação a que se chega pelo Portão de Sant'Ana.

Contêm mais de 20.000 volumes e, dizem, guarda tesouros como os diários

perdidos de Leonardo da Vinci e até livros não publicados da Bíblia Sagrada.

Langdon atravessou com passadas vigorosas a deserta Via della

Fondamenta rumo aos arquivos, mal acreditando que lhe fora concedido o acesso

tão ambicionado. Vittoria seguia a seu lado, acompanhando-o sem o menor

esforço. O cabelo dela ondulava levemente à brisa e Langdon aspirava seu

perfume de amêndoa. Sentiu seus pensamentos se dispersarem e fez um esforço

para se concentrar.

Vittoria disse:

- Vai me contar o que vamos procurar?

- Um livrinho escrito por um sujeito chamado Galileu.

- Você não perde tempo - comentou ela, surpresa. - O que há nele?

- Supõe-se que contenha algo chamado il cego.

- A indicação, a senha?

- Pista, sinal.., depende da sua tradução.

- Indicação para quê?

Langdon apertou o passo.

- Para um local secreto. Os Illuminati do tempo de Galileu precisavam se

proteger do Vaticano e por isso criaram um local de reuniões ultra-secreto aqui

em Roma, a que chamaram de Igreja da Iluminação.

- Muita audácia chamar de igreja um antro satânico.

Langdon abanou a cabeça.

- Os Illuminati de Galileu não eram nem um pouco satânicos. Eram

cientistas que reverenciavam o conhecimento, as luzes. Seu ponto de encontro era

apenas o lugar onde podiam se encontrar em segurança e discutir tópicos

proibidos pelo Vaticano. Embora se saiba que esse lugar existiu, até agora

ninguém jamais o localizou.

- Quer dizer que os Illuminati sabiam manter segredo.

- Sem dúvida. Na realidade, eles nunca revelaram a localização de seu

esconderijo para ninguém mais fora da fraternidade. Esse segredo protegia-os,

mas, ao mesmo tempo, criava um problema quando se tratava de recrutar novos

membros.

- Não poderiam crescer se não fizessem propaganda - disse Vittoria, as

pernas e o raciocínio acompanhando-o perfeitamente.

- Exato. Rumores sobre a fraternidade de Galileu começaram a correr por

volta de 1630, e cientistas de todo o mundo fizeram peregrinações secretas a

Roma na esperança de se juntar aos Illuminati, ávidos por uma oportunidade de

olhar através do telescópio de Galileu e ouvir as idéias do mestre. Infelizmente,

porém, por causa do sigilo mantido pelos Illuminati, os cientistas que chegavam

em Roma nunca sabiam aonde ir para assistir às reuniões ou a quem se dirigir com

segurança. Os Illuminati queriam sangue novo, mas não podiam se arriscar

divulgando seu paradeiro.

- Era então uma situazione senza soluzione - comentou Vittoria.

- Pois é. Um beco sem saída, como se diz.

- E o que eles fizeram?

- Eram cientistas, portanto examinaram o problema e encontraram uma

solução. Uma solução brilhante, para ser franco. Os Illuminati criaram uma

espécie de mapa engenhoso que orientava os cientistas para seu refúgio.

Vittoria diminuiu o passo, cética.

- Um mapa? Meio imprudente. Se uma cópia caísse nas mãos erradas...

- Não havia possibilidade - disse Langdon. - Não existiam cópias em lugar

algum. Não era o tipo de mapa que cabe em uma folha de papel. Era enorme. Uma

trilha marcada de várias maneiras através da cidade.

Vittoria diminuiu ainda mais o passo.

- Setas pintadas nas calçadas?

- De certo modo, sim, mas com mais sutileza. O mapa consistia em uma

série de marcos simbólicos disfarçados cuidadosamente em locais públicos pela

cidade afora. Um marco levava ao outro, e assim por diante, formando uma trilha

que acabava levando ao refúgio dos Illuminati.

Vittoria olhou-o de soslaio.

- Parece mais uma caça ao tesouro.

Langdon sorriu timidamente.

- E realmente não deixa de ser. Os Illuminati chamavam a sua seqüência de

marcos de "Caminho da Iluminação" E quem quer que desejasse fazer parte da

fraternidade tinha de segui-la toda até o fim. Uma espécie de teste.

- Mas, se o Vaticano quisesse encontrar os Illuminati - argumentou Vittoria

-, bastaria que também seguisse os marcos.

- Não. O caminho estava oculto. Era um quebra-cabeça, construído de tal

forma que apenas determinadas pessoas teriam a capacidade de encontrar os

marcos e adivinhar onde estava escondida a igreja dos Illuminati. Os Illuminati

pretendiam que fosse uma espécie de iniciação, funcionando não apenas como

medida de segurança mas também como um processo de seleção em que somente

os cientistas mais brilhantes chegassem à sua porta.

- Não pode ser. No século XVII, os homens do clero estavam entre os mais

instruídos do mundo. Se esses marcos ficavam em lugares públicos, com certeza

existiriam homens do Vaticano capazes de encontrá-los.

- Sem dúvida - disse Langdon -, se eles soubessem dos marcos. Mas não

sabiam. E nunca perceberam a existência dos marcos porque os Illuminati os

prepararam de uma forma que os clérigos jamais suspeitariam que fossem o que

eram. Utilizaram um método que em simbologia é chamado de dissimulação.

- Camuflagem.

Langdon surpreendeu-se.

- Você conhece o termo.

- Dissimulacione - disse ela. - A melhor forma de defesa da natureza.

Experimente achar um peixe-trombeta flutuando verticalmente no meio da

vegetação marinha.

- Pois é. Os Illuminati empregaram o mesmo conceito. Criaram marcos que

desapareciam contra o pano de fundo da antiga Roma. Não podiam usar

ambigramas nem simbologia científica porque seria um recurso visível demais, de

modo que convocaram um artista Iluminados, o mesmo prodígio anônimo que

criara seu símbolo ambigramático "Illuminati" e encomendaram-lhe quatro

esculturas.

- Esculturas Illuminati?

- Sim, esculturas que deveriam seguir duas rigorosas diretrizes. Primeiro,

serem parecidas com o resto das obras de arte de Roma, serem obras de arte que o

Vaticano nunca desconfiasse que pertenciam aos Illuminati.

- Arte religiosa.

Langdon concordou, animado, falando agora mais depressa.

- E a segunda diretriz eram os temas das quatro esculturas, que tinham de

ser muito específicos. Cada uma delas teria de ser um tributo sutil a um dos

elementos da ciência.

- Quatro elementos? - disse Vittoria. - Há mais de cem.

- Não no século XVII - lembrou Langdon. - Todos os alquimistas

acreditavam que o universo se constituía de apenas quatro substâncias: Terra, Ar,

Fogo e Água.

A cruz primitiva, Langdon sabia, era o símbolo mais comum dos quatro

elementos - quatro braços representando Terra, Ar, Fogo e Água. Além disso,

entretanto, existiam literalmente dezenas de ocorrências simbólicas de Terra, Ar,

Fogo e Água através da História - os ciclos da vida pitagóricos, o Hong-Fan

chinês, os rudimentos junguianos do feminino e do masculino, os quadrantes do

zodíaco. Até os muçulmanos reverenciavam os quatro elementos, embora no Islã

fossem conhecidos como "quadrados, nuvens, raios e ondas” Para Langdon,

porém, era um uso mais moderno que sempre lhe dava arrepios – os quatro graus

místicos de Iniciação Absoluta dos maçons: Terra, Ar, Fogo e Água.

Vittoria estava um pouco zonza.

- Quer dizer que esse artista Illuminati criou quatro obras de arte que

pareciam religiosas, mas eram na realidade tributos à Terra, ao Ar, ao Fogo e à

Água?

- Exatamente - disse Langdon, dobrando na Via Sentinel em direção aos

Arquivos. - As peças misturaram-se ao mar de arte religiosa espalhado por Roma.

Doando essas obras anonimamente para igrejas específicas e usando sua

influência política, a fraternidade instalou as quatro peças em igrejas

criteriosamente escolhidas em Roma. Cada uma delas, é claro, era um marco

apontando sutilmente para a igreja seguinte onde estava o próximo marco.

Funcionava como uma trilha de pistas disfarçada de arte religiosa. Se um

candidato a Illuminati encontrasse a primeira igreja e o marco que correspondia à

Terra, podia seguir para o do Ar, depois para o do Fogo, o da Água e, por fim,

para a Igreja da Iluminação.

Vittoria achava a explicação cada vez menos clara.

- E tudo isso tem alguma coisa a ver com pegarmos o assassino Illuminati?

Langdon riu e deu a última cartada.

- Ah, claro. Os Illuminati tinham uma denominação muito especial para

essas quatro igrejas. Os Altares da Ciência.

Vittoria franziu a testa.

- Desculpe, mas isso não signif... - ela parou de falar. - L'altare di scienza! -

exclamou. - O assassino Illuminati. Ele disse que os cardeais seriam sacrifícios de

virgens nos altares da ciência!

Langdon sorriu para ela.

- Quatro cardeais, quatro igrejas. Os quatro altares da ciência.

Ela estava assombrada.

- Quer dizer que as quatro igrejas onde os cardeais vão ser sacrificados são

as mesmas que marcam o antigo Caminho da Iluminação?

- Acredito que sim.

- Mas por que o assassino nos daria essa pista?

- Por que não? Poucos historiadores sabem sobre essas esculturas. Ainda

por cima, pouquíssimos acreditam que existam. E sua localização permaneceu

secreta por 400 anos. Decerto os Illuminati confiavam que o segredo fosse

mantido por mais cinco horas. Além disso, eles não precisam mais do Caminho da

Iluminação. Seu refúgio secreto provavelmente já desapareceu faz tempo. Vivem

no mundo moderno.

Encontram-se em salas de reuniões da presidência de bancos, em

restaurantes de clubes e campos de golfe particulares. Esta noite, querem tornar

públicos seus segredos. É o seu grande momento. A grande revelação.

Langdon temia que a grande revelação dos Illuminati viesse acompanhada

de mais uma característica paralela que ele ainda não mencionara. As quatro

marcas a fogo. O assassino declarara que cada cardeal seria marcado com um

símbolo diferente. Para provar que as lendas antigas são verdade, dissera ele. A

lenda das quatro marcas ambigramáticas era tão antiga quanto os próprios

Illuminati: terra, ar, fogo, água - quatro palavras trabalhadas em perfeita simetria.

Como a palavra Illuminati. Cada cardeal deveria ser marcado com um dos antigos

elementos da ciência. O boato de que as quatro marcas eram em inglês e não em

italiano ainda servia de tema de discussão entre os historiadores. O inglês parecia

ser um desvio fortuito da sua língua natural... e os Illuminati não faziam nada ao

acaso.

Langdon enveredou pelo caminho revestido de tijolos diante do prédio dos

arquivos. Imagens horripilantes agitavam sua mente. O plano geral dos Illuminati

começava a revelar sua paciente grandiosidade. A fraternidade jurara manter-se na

surdina por quanto tempo fosse necessário, acumulando influência e poder

suficientes para que pudesse reemergir sem medo, declarar sua posição e lutar por

sua causa em plena luz do dia. Sem se esconder mais. Alardeando seu poder,

confirmando os mitos conspiratórios. Aquela noite seria uma façanha publicitária

mundial.

Vittoria anunciou:

- Lá vem nosso acompanhante.

Langdon levantou a cabeça e viu um guarda suíço atravessando às pressas

um gramado adjacente em direção à porta da frente.

Quando o guarda avistou os dois, parou. Olhou para eles como se estivesse

tendo uma alucinação. Sem dizer palavra, virou-se de costas e pegou seu walkietalkie.

Aparentemente sem acreditar no que lhe haviam mandado fazer, o guarda

falou em tom urgente com a pessoa do outro lado. Langdon não conseguiu

decifrar a vociferação que o rapaz ouviu de volta, mas a mensagem era bem clara.

O guarda se encolheu, guardou o walkie-talkie e virou-se para eles com uma cara

aborrecida.

Mudo, conduziu-os para o interior do prédio. Passaram por quatro portas

de aço, duas entradas fechadas com chave privativa, desceram uma comprida

escadaria que dava em um saguão com duas fechaduras digitais. Atravessaram

uma série de portões eletrônicos e chegaram à extremidade de um longo corredor,

diante de largas portas duplas de carvalho. O guarda parou, examinou-os de alto a

baixo outra vez e, resmungando, encaminhou-se para uma caixa metálica presa na

parede. Destrancou-a e digitou um código.

As portas emitiram um zumbido e a cavilha se abriu.

O guarda voltou-se, falando com eles pela primeira vez.

- Os arquivos estão atrás daquelas portas. Recebi instruções para

acompanhá-los até este ponto e voltar para cumprir outras ordens.

- Vai embora? - perguntou Vittoria.

- A Guarda Suíça não tem acesso aos Arquivos Secretos. Os senhores estão

aqui somente porque meu comandante recebeu uma ordem direta do camerlengo.

- Mas como vamos sair?

- Segurança monodirecional. Não terão dificuldade alguma.

Sendo aquilo tudo o que tinha para dizer, o guarda girou nos calcanhares e

marchou para a saída.

Vittoria fez um comentário qualquer, mas Langdon não a escutou. Sua

mente estava concentrada nas portas duplas à sua frente, conjeturando que

mistérios guardariam.

CAPÍTULO 47

Apesar de saber que estava em cima da hora, o camerlengo Cano Ventresca

ia andando devagar. Precisava de um tempo a sós para ordenar seus pensamentos

antes de fazer a prece de abertura. Tanta coisa estava acontecendo. Seguindo pela

Ala Norte, imerso em sombria solidão, o desafio dos últimos 15 dias pesava em

cada um de seus ossos.

Cumprira seus santos deveres ao pé da letra.

Como determinava a tradição do Vaticano, logo depois da morte do Papa o

camerlengo constatara pessoalmente o óbito pousando os dedos na artéria carótida

do pontífice, escutara se ainda respirava e em seguida chamara-o pelo nome três

vezes. Por lei, não havia autópsia.

Então, ele selara o quarto de dormir do Papa, destruíra o Anel do Pescador

e o sinete usado para fazer os selos de chumbo e tomara as providências

necessárias para as exéquias. Tendo terminado, iniciara os preparativos para o

conclave.

Conclave, pensou. A barreira final a ultrapassar. Era uma das mais antigas

tradições da cristandade. Hoje em dia, pelo fato de em geral o resultado do

conclave já ser conhecido antes do seu começo, o processo era criticado,

considerado obsoleto - visto mais como uma paródia do que uma eleição. O

camerlengo sabia, porém, que isso se devia a uma falta de compreensão. O

conclave não era uma eleição. Era uma antiga e mística transferência de poder. A

tradição não tinha idade... o segredo, as tiras de papel dobradas, a queima das

cédulas, a mistura de antigos produtos químicos, os sinais de fumaça.

À medida que o camerlengo se aproximava através das Loggias de

Gregório XIII, pensava se o cardeal Mortati já estaria em pânico àquela altura.

Mortati com certeza já percebera a ausência dos preferiti. Sem eles, a votação

entraria pela noite adentro. A indicação de Mortati para Grande Eleitor, o

camerlengo se tranqüilizava, fora uma boa escolha. O homem era um livrepensador

e podia falar com franqueza. O conclave daquela noite precisaria mais

do que nunca de um líder.

Quando chegou ao topo da Escadaria Real, teve a sensação de que se

encontrava no precipício de sua vida. Dali já se ouvia o rumor de atividade na

Capela Sistina, lá embaixo - o burburinho inquieto de 165 cardeais.

Cento e sessenta e um cardeais, corrigiu-se.

Por um instante, o camerlengo estava caindo, mergulhando no inferno, com

pessoas gritando, labaredas envolvendo-o, pedras e sangue caindo do céu como

chuva.

E, depois, o silêncio.

Quando a criança acordou, estava no céu. Tudo em torno dela era branco.

A luz era ofuscante e pura.

Havia gente que dizia que um menino de dez anos não seria capaz de

compreender o céu, mas o jovem Carlo Ventresca sabia muito bem o que era o

céu. Estava no céu naquele momento. Onde mais poderia estar? Na sua breve

década de existência na Terra, Carlo sentira a majestade de Deus - o som atroador

do órgão, os domos grandiosos, as vozes elevando-se em cânticos, os vitrais, o

reluzir do bronze e do ouro.

Maria, a mãe de Cano, levava-o à missa todos os dias.

- Por que vamos à missa todos os dias? - perguntava ele, não que se

importasse.

- Porque prometi a Deus - ela respondia. - E uma promessa que se faz a

Deus é a mais importante de todas.

Jamais quebre uma promessa a Deus.

Cano prometeu a ela que nunca o faria. Amava sua mãe mais do que tudo

no mundo. Ela era seu santo anjo. Às vezes, chamava-a de Maria Benedetta -

Maria Bendita -, embora ela não gostasse nem um pouco disso. Ajoelhava junto

dela para rezar, sentindo o doce perfume de seu corpo e escutando o murmúrio da

sua voz passando as contas do rosário. Santa Maria, Mãe de Deus... rogai por nós,

pecadores... agora e na hora de nossa morte.

- Onde está meu pai? - Carlo perguntava, já sabendo que seu pai morrera

antes de seu nascimento.

- Deus é seu pai agora - era a resposta de sempre. - Você é um filho da

Igreja.

Cano adorava aquilo.

- Sempre que sentir medo - ela explicava -, lembre-se que agora Deus é seu

pai. Ele vai tomar conta de você e protegê-lo para sempre. Deus tem grandes

planos para você, Cano. O menino sabia que ela tinha razão. Já era capaz de sentir

Deus em seu sangue.

Sangue...

Sangue caindo do céu como chuva!

Silêncio. E o céu depois.

O céu de Cano - o menino aprendeu quando as luzes ofuscantes foram

desligadas - era na realidade a Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Santa

Clara, nos arredores de Palermo. Cano fora o único sobrevivente de um atentado

terrorista a bomba que demolira a capela onde ele e a mãe estavam assistindo à

missa durante o período de férias. Os jornais chamaram a sobrevivência de Cano

de Milagre de São Francisco. Por alguma razão desconhecida, Carlo afastara-se da

mãe minutos antes da explosão e entrara em uma alcova protegida para apreciar

uma tapeçaria que representava a história de São Francisco.

Deus me chamou ali, concluiu ele. Queria me salvar.

Carlo delirava de dor. Ainda via sua mãe, ajoelhada no banco da igreja,

soprando-lhe um beijo e, em seguida, com um estrondo, seu corpo docemente

perfumado despedaçar-se. Ainda sentia na boca o gosto da maldade humana.

Choveu sangue. O sangue de sua mãe! Maria Bendita!

Deus vai tomar conta de você e protegê-lo para sempre, dissera sua mãe.

Mas onde estava Deus agora?

Então, como uma manifestação mundana da verdade de sua mãe, um

sacerdote foi ao hospital. Não era um sacerdote qualquer. Era um bispo. Rezou

junto à cama de Carlo. O Milagre de São Francisco. Quando Cano se recuperou,

o bispo providenciou para que ele fosse morar em um pequeno monastério ligado

à catedral onde o bispo exercia sua jurisdição. Carlo vivia ali e ali tinha aulas com

os monges. Chegou a ser coroinha de seu novo protetor. O bispo sugeriu que

Carlo fosse para uma escola secundária, mas o menino não quis. Não podia estar

mais feliz em seu novo lar. Agora vivia de fato na casa de Deus.

Toda noite, Carlo rezava por sua mãe.

Deus me salvou por alguma razão, pensava. Que razão?

Quando completou dezesseis anos, de acordo com a lei italiana, foi

obrigado a prestar dois anos de serviço militar. O bispo disse a Carlo que ele seria

dispensado desse dever se entrasse para o seminário. Carlo respondeu que

planejava entrar para o seminário, mas que primeiro precisava entender a

maldade.

O bispo não compreendeu.

Carlo explicou que, se ia passar a vida na Igreja lutando contra a maldade,

primeiro precisava entendê-la.

Não imaginava lugar melhor para entender a maldade do que no exército.

O exército usava armas e bombas.

Uma bomba matou minha mãe Bendita!

O bispo tentou dissuadi-lo, mas Carlo já se decidira.

- Tenha cuidado, filho - dissera-lhe o bispo. - E lembre-se de que a Igreja o

aguarda quando voltar.

Os dois anos do serviço militar de Cano foram terríveis. A juventude dele

se passara em silêncio e reflexão. No exército, porém, não havia sossego para se

refletir. O barulho era incessante.

Máquinas enormes por toda parte. Nem um momento sequer de paz.

Apesar de os soldados irem à missa uma vez por semana no quartel, Cano não

sentia a presença de Deus nos seus companheiros. O caos enchia demais as

mentes deles para que vissem Deus.

Carlo detestava sua nova vida e ansiava por voltar para casa. Mas estava

determinado a perseverar. Ainda não entendia a maldade. Recusava-se a dar um

tiro, e assim os militares ensinaram-no a pilotar um helicóptero do serviço

médico. Carlo não gostava do ruído nem do cheiro do helicóptero, mas ao menos

o deixavam voar pelo céu e ficar mais próximo de sua mãe.

Ao ser informado de que seu treinamento de piloto incluía aprender a saltar

de pára-quedas, o rapaz ficou apavorado. Não tinha opção, porém.

Deus vai me proteger, disse a si mesmo.

Seu primeiro salto de pára-quedas foi a mais estimulante experiência física

de sua vida. Era como voar com Deus. Depois, ele jamais se cansava daquilo... o

silêncio.. a sensação de flutuar... enxergar o rosto de sua mãe nas nuvens brancas

ondulantes enquanto ele pairava na descida à terra. Deus tem planos para você,

Carlo. Assim que saiu do exército, Cano entrou para o seminário.

Tudo acontecera vinte e três anos antes.

Agora, enquanto descia a Escadaria Real, o camerlengo Carlo Ventresca

tentava compreender a cadeia de acontecimentos que o fizera chegar àquela

extraordinária encruzilhada.

Abandone todo medo, disse a si próprio, e entregue esta noite a Deus.

Avistava a grande porta de bronze da Capela Sistina devidamente protegida

por quatro guardas suíços. Os guardas destrancaram a porta e abriram-na. Lá

dentro, todas as cabeças se viraram para a porta. O camerlengo passou os olhos

pelos homens diante dele, vestidos de batinas negras e faixas vermelhas na

cintura. Compreendeu quais eram os planos que Deus lhe reservara. O destino da

Igreja fora colocado em suas mãos.

Ele fez o sinal-da-cruz e entrou na capela.

CAPÍTULO 48

Gunther Glick, jornalista da BBC, estava suando, sentado dentro do furgão

da emissora que fora estacionado na extremidade leste da Praça de São Pedro, e

amaldiçoando seu editor. Embora a primeira matéria mensal de Glick tivesse

voltado da mesa do editor coberta de elogios – engenhoso, perspicaz, confiável -,

cá estava ele na Cidade do Vaticano fazendo o "Plantão do Papa' Procurava

convencer-se de que trabalhar para a BBC dava muito mais credibilidade do que

ficar inventando um monte de lixo para o British Tattler, mas ainda assim aquilo

não era propriamente a idéia que ele fazia de ser repórter.

A tarefa de Glick era simples. Chegava a ser um insulto, de tão simples.

Tinha de ficar sentado esperando um bando de velhos gagás elegerem seu

próximo chefe, depois sair do carro e gravar uma reportagem de 15 segundos "ao

vivo" com o Vaticano ao fundo.

Genial.

Glick mal acreditava que a BBC ainda deslocasse repórteres para cobrir

aquela baboseira. Não há nenhuma rede de notícias norte-americana aqui esta

noite. Claro que não! Porque os garotões de lá sabiam como fazer as coisas. Eles

assistiam à CNN, faziam uma sinopse e depois filmavam sua reportagem "ao

vivo" diante de uma tela azul, superpondo vídeos de arquivo para obter um pano

de fundo realista. A MSNBC usava até máquinas de vento e chuva de estúdio para

maior autenticidade. Os espectadores não queriam mais a verdade, queriam

diversão.

Glick olhou através do pára-brisa e sentiu-se cada vez mais deprimido. A

montanha grandiosa da Cidade do Vaticano erguia-se à sua frente como um

melancólico lembrete das coisas que os homens podiam realizar quando se

empenhavam por elas.

- O que realizei de bom na minha vida? - refletiu em voz alta. - Nada.

- Então, desista - disse uma voz feminina atrás dele.

Glick deu um pulo. Quase se esquecera de que não estava sozinho. Virouse

para o banco de trás, onde a operadora de câmera Chinita Macri estava sentada

polindo suas lentes. Ela estava sempre polindo as lentes. Chinita era negra,

embora preferisse ser chamada de afro-americana, e também um tanto rude e

danada de esperta. Não deixava passar nada. Era meio estranha, mas Glick

gostava dela. E ele com certeza estava precisando de companhia naquele

momento.

- Qual é o problema, Gunth? - perguntou Chinita.

- O que estamos fazendo aqui?

Ela continuou a polir as lentes.

- presenciando um acontecimento empolgante.

- Uma porção de velhos trancados no escuro é empolgante?

- Você sabe que vai direto para o inferno, não sabe?

- Já estou nele.

- Conte por que está tão aborrecido.

Parecia a mãe dele falando.

- Eu só queria me distinguir de alguma forma no meu trabalho.

- Você escreveu para o British Tattler.

- É, mas nada que tivesse impacto.

- Ah, deixe disso, soube que você escreveu um artigo sensacional sobre a

vida sexual secreta da rainha com extraterrestres.

- Obrigado.

- Ei, as coisas estão melhorando, hoje você vai fazer seus primeiros 15

segundos da história da TV.

Glick resmungou. Já conseguia até ouvir as palavras do âncora: "Obrigado

Gunther, grande reportagem. E o âncora passaria para a meteorologia.

- Devia ter tentado conseguir um lugar de âncora.

Macri riu.

- Sem experiência? E com essa barba? Nem pensar!

Glick correu os dedos pelo tufo avermelhado de cabelo em seu queixo.

- A barba me faz parecer mais inteligente.

Ainda bem que o telefone celular do furgão tocou, interrompendo mais um

comentário sobre os fracassos de Glick.

- Talvez seja a editoria - disse ele, de repente esperançoso. - Será que vão

querer as últimas notícias ao vivo?

- Dessa história? - riu Macri. - Você continua sonhando, hein?

Glick atendeu ao telefone com sua melhor voz de âncora.

- Gunther Glick, BBC. Cobertura ao vivo da Cidade do Vaticano.

O homem do outro lado tinha um sotaque árabe carregado.

- Escute com atenção o que tenho para dizer - disse o homem. - Daqui a

pouco, vou fazer a sua vida inteira mudar.

CAPÍTULO 49

Langdon e Vittoria ficaram sozinhos diante das portas duplas que levavam

ao santuário dos Arquivos Secretos. A decoração do lugar onde estavam era uma

mistura incongruente de tapetes sobre pisos de mármore e câmeras de segurança

instaladas ao lado de querubins esculpidos no teto. Langdon apelidou-a de Estéril

Renascença. Ao lado da entrada em arco havia uma pequena placa de bronze.

ARCHIVIO VATICANO

Curatore, Padre Jaqui Tomaso

Padre Jaqui Tomaso. Langdon reconheceu o nome do curador, que vinha

nas cartas de recusa empilhadas em cima de sua escrivaninha, em casa. Caro

senhor Langdon, lamento informar que...

"Lamento." Pois sim. Desde que começara o reinado de Jaqui Tomaso,

Langdon jamais encontrara um único acadêmico americano não-católico que

tivesse recebido autorização para visitar os Arquivos Secretos do Vaticano. el

guardiano, chamavam-no os historiadores. Jaqui Tomaso era o bibliotecário mais

severo do mundo.

Ao abrir as portas e entrar no recinto, Langdon quase esperava encontrar o

padre Jaqui envergando uniforme militar e capacete, montando guarda com uma

bazuca na mão. O espaço, porém, estava deserto.

Silêncio. Luz suave.

Archivio Vaticano. Um dos sonhos de sua vida.

Quando correu os olhos pelo aposento sagrado, sua primeira reação foi de

vergonha. Percebeu que romântico empedernido ele era. A imagem que fizera

durante tantos anos daquele lugar não poderia ser mais inexata. Imaginara estantes

empoeiradas até o alto cheias de livros esfrangalhados, padres catalogando os

volumes à luz de velas e de janelas com vitrais, monges examinando rolos de

pergaminhos.

A realidade nem chegava perto.

À primeira vista, a sala parecia um hangar escuro de companhia aérea no

qual alguém tivesse construído umas 12 quadras independentes de squash.

Langdon evidentemente sabia para que serviam os recintos de paredes de vidro.

Não se surpreendeu ao encontrá-los: a umidade e o calor deterioravam antigos

velinos e pergaminhos e a conservação adequada exigia câmaras herméticas como

aquelas - cubículos vedados que impediam a penetração da umidade e dos ácidos

naturais do ar. Langdon já estivera dentro de câmaras herméticas muitas vezes,

mas sempre haviam sido experiências perturbadoras...mais ou menos como entrar

em um contêiner fechado onde o oxigênio fosse controlado por um bibliotecário.

As câmaras eram escuras, espectrais mesmo, vagamente delineadas por

pequenas luminárias em forma de cúpula na extremidade de cada conjunto de

estantes. Em meio às trevas daquelas células, Langdon percebia a presença dos

gigantes fantasmagóricos, fila após fila de imensas estantes carregadas de história.

Era uma coleção e tanto.

Vittoria também parecia deslumbrada. Ao lado dele, contemplava em

silêncio os gigantescos cubos transparentes.

Tinham pouco tempo e por isso Langdon não o desperdiçou nem um pouco

vasculhando a sala mal iluminada em busca de um catálogo - uma enciclopédia

encadernada onde estivesse catalogada a coleção da biblioteca. Tudo o que viu foi

o brilho de uma porção de terminais de computador espalhados pela sala.

- Parece que eles têm o Biblion. O índice é computadorizado.

Vittoria ficou esperançosa.

- O que deve acelerar as coisas.

Langdon gostaria de sentir o mesmo entusiasmo, mas tinha a impressão de

que a notícia não era tão boa assim. Dirigiu-se a um terminal e começou a digitar.

Seus temores confirmaram-se instantaneamente.

- O método antigo teria sido melhor.

- Por quê?

Ele se afastou do monitor.

- Porque livros de verdade não são protegidos por senhas. Será que os

físicos são também hackers por natureza?

Vittoria sacudiu a cabeça.

- Só sei abrir ostras.

Langdon respirou fundo e virou-se para o fantástico conjunto de câmaras

diáfanas. Aproximou-se da que estava mais perto e tentou enxergar o sombrio

interior. Por trás das paredes de vidro havia formas pouco definidas que Langdon

identificou como as habituais prateleiras de livros, caixas de pergaminhos e mesas

de leitura. Olhou para as etiquetas brilhando no alto de cada conjunto de estantes.

Como em todas as bibliotecas, as etiquetas indicavam o assunto dos livros

daquelas estantes. Foi lendo os dizeres e andando ao longo da barreira

transparente.

PIETRO IL ERIMIT0... LE CROCIATE... URBANO II... LEVANTE...

- Estão etiquetadas - disse ele, ainda caminhando. - Mas não em ordem

alfabética por autor.

Não se surpreendeu. Arquivos antigos em geral não eram catalogados em

ordem alfabética porque incluíam muitos autores desconhecidos. Também não os

catalogavam pelos títulos porque muitos documentos históricos eram cartas sem

título e fragmentos de pergaminhos. A maior parte da catalogação seguia a ordem

cronológica. O que era desconcertante, no entanto, é que aquela arrumação

também parecia não ser cronológica.

Estavam perdendo um tempo precioso.

- Tenho a impressão de que o Vaticano tem seu próprio sistema de

catalogação.

- Que surpresa...

Ele examinou as etiquetas outra vez. Os documentos eram originários de

muitos séculos, mas todas as palavras-chave, notou Langdon, estavam

relacionadas entre si.

- Acho que a classificação é temática.

- Temática? - desaprovou a cientista Vittoria. - Não deve ser eficiente.

Na realidade, refletiu Langdon, examinando-a mais de perto, talvez essa

seja a forma mais inteligente de catalogação que já vi. Sempre insistira com seus

alunos que procurassem compreender o tom e os temas predominantes de um

período em vez de se prenderem a minúcias como datas e obras específicas. Os

Arquivos Vaticanos, ao que parecia, haviam sido catalogados de acordo com uma

filosofia semelhante. Grandes temas...

- Tudo o que está nesta câmara - disse Langdon, mais confiante -, séculos

de material, tem a ver com as Cruzadas. É o tema desta câmara em especial.

- Estava tudo ali, ele se deu conta. Relatos históricos, cartas, arte, dados

sociopolíticos, análises modernas. Tudo junto para incentivar a compreensão mais

profunda de um tópico. Brilhante.

Vittoria franziu o cenho.

- Mas os dados podem estar relacionados a múltiplos temas

simultaneamente.

- É por isso que foi feita a remissão recíproca com marcadores especiais. -

Langdon apontou, através do vidro, para os marcadores de plástico colorido

inseridos entre os documentos. - Esses marcadores indicam documentos

secundários localizados em outro lugar junto com seus assuntos principais.

- Certo - disse ela, aparentemente abandonando o assunto. Pôs as mãos na

cintura e correu o olhar pelo imenso espaço. Depois, dirigiu-se a Langdon. -

Então, professor, como é mesmo o nome dessa obra de Galileu que estamos

procurando?

Langdon não pôde deixar de sorrir. Ainda não acreditava muito que estava

ali, naquele lugar. Está aqui, pensou. Em algum ponto dessa escuridão, está à

espera.

- Venha atrás de mim - disse ele. Começou a percorrer com andar rápido a

primeira passagem entre as câmaras lendo a etiqueta de identificação de cada uma

delas. - Lembra o que lhe contei sobre o Caminho da Iluminação? Como os

Illuminati recrutavam novos membros usando um teste complexo?

- A caça ao tesouro - disse Vittoria, seguindo-o.

- O desafio para os Illuminati, depois de terem instalado os marcos, foi

achar uma forma de dizer à comunidade científica que o caminho existia.

- Lógico - comentou Vittoria. - Senão, ninguém saberia que era necessário

procurá-lo.

- Sim, e mesmo que soubessem que existia, os cientistas não teriam como

descobrir onde o caminho começava. Roma é enorme.

Langdon passou para o corredor seguinte, examinando as etiquetas

enquanto falava.

- Há uns 15 anos, alguns historiadores da Sorbonne e eu descobrimos uma

série de cartas dos Illuminati cheias de referências ao segno.

- O sinal. O aviso sobre o caminho e onde ele começava.

- Isso. E, desde então, vários acadêmicos que estudam os Illuminati,

inclusive eu, descobriram outras referências ao segno. Hoje em dia, é uma teoria

aceita que a pista de fato existe e que Galileu a distribuiu profusamente pela

comunidade científica sem que o Vaticano jamais soubesse.

- De que maneira?

- Não se sabe ao certo, mas o mais provável é que tenha sido através de

publicações impressas. Ele

publicou muitos livros e boletins ao longo dos anos.

- De que o Vaticano sem dúvida teve conhecimento. Coisa perigosa.

- É verdade. Mesmo assim, o segno foi distribuído.

- E ninguém jamais o encontrou?

- Jamais. O mais estranho é que, sempre que aparecem alusões ao segno,

seja em diários maçônicos, antigas revistas científicas, cartas dos Illuminati ou

outras fontes, ele costuma vir representado por um número.

- 666?

Ele sorriu.

- Não, 503.

- Que significa o quê?

- Nenhum de nós foi capaz de descobrir. Fiquei fascinado com o número

503, tentando de tudo para encontrar seu significado: numerologia, referências

cartográficas, latitudes. - Langdon chegou ao fim daquela passagem, dobrou para

um lado e continuou examinando rapidamente a fila seguinte de etiquetas e

falando ao mesmo tempo. - Durante muitos anos, o único indício possível que se

tinha era o fato de 503 começar com o número cinco, um dos dígitos sagrados dos

Illuminati. - Ele fez uma pausa.

- Algo me diz que você recentemente encontrou a resposta e que é por isso

que estamos aqui.

- Correto - disse Langdon, permitindo-se um raro momento de orgulho por

seu trabalho. - Conhece um livro de Galileu chamado Diàlogo?

- Claro. Famoso entre os cientistas como a suprema traição científica.

Traição não era bem a palavra que Langdon teria usado, mas compreendia

o que Vittoria queria dizer. No início da década de 1630, Galileu quis publicar um

livro endossando o modelo heliocêntrico do sistema solar formulado por

Copérnico. O Vaticano, porém, só permitiria que o livro fosse lançado se Galileu

incluísse nele provas igualmente convincentes do modelo geocêntrico adotado

pela Igreja, um modelo que Galileu sabia estar completamente errado. Galileu não

teve escolha senão ceder à exigência da Igreja e publicou um livro que dava o

mesmo espaço para os dois modelos, o certo e o errado.

- Como deve saber - prosseguiu Langdon -, apesar da concessão de Galileu,

o Diálogo ainda foi considerado herético e o Vaticano colocou o cientista em

prisão domiciliar.

- Nenhuma boa ação passa sem punição.

Langdon achou graça.

- É mesmo. Entretanto, Galileu era persistente. Enquanto estava preso em

casa, escreveu secretamente um manuscrito menos conhecido que alguns

estudiosos às vezes confundem com o Diàlogo. Esse livro se chama Discorsi.

Vittoria concordou.

- Sei qual é. Discursos sobre as Marés.

Langdon parou, admirado por ela conhecer a obscura publicação sobre os

movimentos dos planetas e seu efeito sobre as marés.

- Não se esqueça de que está falando com uma física italiana cujo pai

idolatrava Galileu.

Não eram os Discorsi, porém, que estavam procurando. Langdon explicou

que aquele livro não fora o único trabalho de Galileu durante o seu confinamento.

Os historiadores acreditavam que ele também escrevera um livreto pouco

conhecido chamado Diagramma.

- Diagramma delia Veritá - citou. - Diagrama da Verdade.

- Nunca ouvi falar deste.

- Não me espanta. Diagramma foi o livro mais secreto de Galileu,

supostamente uma espécie de tratado sobre fatos científicos que ele considerava

verdadeiros, mas que não estava autorizado a divulgar. Como alguns dos seus

manuscritos anteriores, Diagramma foi contrabandeado para fora de Roma por um

amigo e discretamente publicado na Holanda. O livrinho tornou-se muito popular

no submundo científico europeu. Até que o Vaticano tomou conhecimento dele e

iniciou uma campanha de queima de livros.

Vittoria agora estava intrigada.

- E você acha que Diagramma continha a pista? O segno? A informação

sobre o Caminho da Iluminação?

- Diagramma foi como Galileu fez a notícia correr. Disto estou certo.

Langdon enveredou pela terceira fileira de câmaras de vidro e continuou

examinando as etiquetas de identificação.

- Os arquivistas vêm procurando um exemplar do Diagramma há anos. No

entanto, com as queimas de livros promovidas pelo Vaticano e o baixo coeficiente

de permanência do livro, este desapareceu da face da Terra.

- Coeficiente de permanência?

- A durabilidade. Os arquivistas classificam os documentos de um a dez

segundo sua integridade estrutural. Diagramma foi impresso em uma variedade

muito frágil de papiro. Parece o material dos nossos lenços de papel modernos.

Vida útil de pouco mais de um século.

- Por que não se usou um material mais forte?

- Foi uma determinação de Galileu para proteger seus seguidores. Dessa

forma, qualquer cientista que fosse apanhado com um exemplar poderia

simplesmente jogá-lo na água e o livro se dissolveria. Era um meio excelente de

destruir uma prova, mas foi terrível para os arquivistas. Acredita-se que apenas

um exemplar do Diagramma tenha subsistido além do século XVIII.

- Um? - uma expressão encantada passou pelo rosto de Vittoria enquanto

ela corria os olhos pela sala. – E está aqui?

- Confiscado pelo Vaticano na Holanda logo depois da morte de Galileu.

Venho solicitando permissão para vê-lo há anos. Desde que percebi o que havia

nele.

Como se lesse a mente de Langdon, Vittoria deslocou-se para o outro lado

e começou a examinar a fileira seguinte, dobrando o ritmo da busca.

- Obrigado - disse ele. - Procure etiquetas de referência que tenham alguma

coisa a ver com Galileu, ciência, cientistas. Vai saber quando encontrar uma.

- Está bem, mas ainda não me contou como descobriu que a pista estava no

Diagramma. Teve alguma relação com o número que vocês sempre viam nas

cartas dos Illuminati? 503?

Por um instante, Langdon reviveu o momento da revelação inesperada: 16

de agosto. Dois anos atrás. Ele estava à margem de um lago, na festa de

casamento do filho de um colega. O som de gaitas de fole repercutiu sobre as

águas quando os noivos e acompanhantes fizeram sua entrada espetacular através

do lago em uma barcaça. A embarcação fora decorada com flores e guirlandas. No

casco, ostentava um número pintado em algarismos romanos: DCII.

Curioso com o número, Langdon perguntou ao pai da noiva:

- Por que o número 602?

- 602?

Langdon apontou para a barcaça.

- DCII é 602 em algarismos romanos.

O homem deu uma risada.

- Não são algarismos romanos. É o nome da barcaça.

- O DCII?

O homem assentiu.

- O Dick e Connie II.

Langdon ficou encabulado. Dick e Connie eram os noivos. A barcaça

evidentemente recebera aquele nome em homenagem a eles.

- O que aconteceu com o DCI?

O homem fez uma careta.

- Afundou ontem durante o almoço do ensaio do casamento.

Langdon achou engraçado, mas disse assim mesmo:

- Que pena.

E olhou novamente para a barcaça. A DCII, pensou. Como se fosse um

QEII em miniatura. Um segundo depois, tudo ficou claro em sua cabeça.

E Langdon continuou a contar a Vittoria:

- Como já disse, 503 é um código. Um estratagema dos Illuminati para

esconder o que na realidade era um algarismo romano. O número 503 em

algarismos romanos é...

- DIII.

- Rápida, hein? Não me diga que é uma Illuminati.

Ela riu.

- Uso algarismos romanos para codificar estratos pelágicos.

Claro, pensou Langdon. Quem não o faz?

- E qual é afinal o significado de DIII?

- DI, DII e DIII são abreviaturas muito antigas. Os cientistas da antiguidade

usavam-nas para fazer distinção entre os três documentos de Galileu que mais

eram confundidos.

Vittoria quase perdeu o fôlego ao dizer:

- Diàlogo... Discorsi... Diagramma.

- D-um, D-dois, D-três. Todos eles científicos. Todos, motivo de

controvérsia. 503 é DIII. Diagramma. O terceiro dos livros de Galileu.

Vittoria estava sob o impacto da revelação.

- Mas uma coisa ainda não faz sentido. Se esse segno, essa pista, essa

mensagem sobre o Caminho da Iluminação estava realmente no Diagramma de

Galileu, como o Vaticano não descobriu nada quando se apossou de todos os

exemplares?

- Podem ter visto e não ter percebido o que viam. Lembra-se dos marcos

dos Illuminati? A habilidade para esconder o que está à vista? A dissimulação?

Tudo indica que o segno estava oculto da mesma maneira, bem à vista. Invisível

para aqueles que não o estavam procurando. Também invisível para os que não o

compreendiam.

- Como assim?

- Galileu escondeu-o muito bem. De acordo com os registros históricos, o

segno foi revelado de uma forma que os Illuminati chamavam de língua pura.

- A linguagem pura?

- Sim.

- Matemática?

- É a minha opinião. Parece bastante óbvio. Galileu era um cientista, afinal

de contas, e estava escrevendo para cientistas. A matemática seria a linguagem

lógica para elaborar a pista. O livreto chama-se Diagramma e, assim, diagramas

matemáticos poderiam fazer parte do código.

A réplica de Vittoria soou apenas ligeiramente mais esperançosa.

- Galileu poderia ter criado algum tipo de código matemático que passasse

despercebido ao clero.

- Tenho a impressão de que você não ficou muito convencida - disse

Langdon, prosseguindo em seu caminho.

- Não fiquei. Talvez porque você mesmo não esteja. Se tinha tanta certeza

sobre o DIII, por que não publicou nada a respeito? Então, alguém que tivesse

acesso aos Arquivos Vaticanos poderia ter vindo aqui e analisado o Diagramma

há muito tempo.

- Eu não quis publicar nada - respondeu Langdon. - Trabalhei tanto para

conseguir a informação que... – ele se calou, constrangido.

- Também queria a glória - completou ela.

Langdon sentiu seu rosto corar.

- De certa forma, sim. É que...

- Não fique tão encabulado. Está falando com uma cientista. Publicar ou

perecer. No CERN, chamamos a isso de "comprovar ou sufocar.

- Não se tratava só de ser o primeiro. Receava que as pessoas erradas

encontrassem a informação no Diagramma e sumissem com ela.

- As pessoas erradas seriam do Vaticano?

- Não que sejam erradas por si, mas a Igreja sempre fez pouco caso da

ameaça dos Illuminati. No princípio da década de 1900, o Vaticano chegou ao

cúmulo de afirmar que os Illuminati eram uma fantasia criada por imaginações

exaltadas, O clero achou, e talvez com certa razão, que a última coisa que os

cristãos precisavam saber era que existia um poderoso movimento anti-cristão se

infiltrando em seus bancos, sua política e suas universidades. - O verbo é no

tempo presente, Robert, lembrou a si mesmo. EXISTE uma poderosa força

anticristã se infiltrando em seus bancos, sua política e suas universidades.

- Portanto, você acha que o Vaticano teria ocultado qualquer prova que

comprovasse a ameaça dos Illuminati?

- É muito possível. Qualquer ameaça, seja ela real ou imaginária,

enfraquece a confiança no poder da Igreja.

- Mais uma pergunta. - Vittoria parou e encarou-o como se ele fosse um

extraterrestre. - Está falando sério?

Langdon parou também.

- O que quer dizer com isso?

- É esse mesmo o seu plano para salvar a situação?

Ele não teve certeza se o que viu nos olhos dela era pena misturada com

diversão ou puro terror.

- Você diz, encontrar o Diagramma?

- Não, quero dizer encontrar o Diagramma, localizar um segno de 400 anos

de idade, decifrar um código matemático e seguir uma antiga trilha de obras de

arte que somente os cientistas mais brilhantes da História conseguiram seguir...

tudo isso nas próximas quatro horas.

Ele encolheu os ombros.

- Estou aberto a outras sugestões.

CAPÍTULO 50

Robert Langdon estava do lado de fora do Arquivo Câmara 9 lendo as

etiquetas nas estantes:

BRAHE... CLAVIUS... COPERNICO... KEPLER... NEWTON...

Leu os nomes outra vez e ficou apreensivo. Cá estão os cientistas, mas

onde está Galileu?

Dirigiu-se a Vittoria, que verificava os assuntos de uma câmara próxima.

- Encontrei o assunto certo, mas está faltando Galileu.

- Não está, não - disse ela, séria, ao passar para a câmara seguinte. - Ele

está aqui. Mas espero que você tenha trazido seus óculos de leitura, porque esta

câmara inteira é dedicada a ele.

Langdon correu para lá. Vittoria tinha razão. Todas as etiquetas de

identificação da Câmara 10 tinham a mesma palavra-chave.

IL PROCESO GALILEANO

Langdon deixou escapar um assobio baixo ao ver que Galileu tinha sua

própria câmara.

- O Caso Galileu - maravilhou-se, espiando através do vidro os contornos

escuros das estantes. - O mais longo e dispendioso processo da história do

Vaticano. Quatorze anos e 600 milhões de liras. Tudo aqui.

- Tem uma certa quantidade de documentos legais.

- Acho que os advogados não mudaram muito no decorrer dos séculos.

- Nem os tubarões.

Langdon encaminhou-se para um grande botão amarelo ao lado da câmara.

Apertou-o e uma série de luzes acendeu-se lá dentro no teto. Eram luzes

vermelhas, escuras, e transformaram o cubo em uma reluzente célula rubra

contendo um labirinto de estantes muito altas.

- Meu Deus - disse Vittoria, assombrada. - Vamos trabalhar ou nos

bronzear?

- O pergaminho e o velino desbotam, por isso a iluminação das câmaras é

sempre feita com luzes escuras.

- Dá para se enlouquecer ali dentro.

Ou pior, pensou Langdon, encaminhando-se para a única entrada da

câmara.

- Uma palavrinha de aviso, O oxigênio é oxidante e, por isso, as câmaras

herméticas contêm muito pouco dele. Aí dentro é um vácuo parcial. Você vai

precisar fazer esforço para respirar.

- Ora, se os velhos cardeais conseguem sobreviver a isto...

Verdade, concordou Langdon. Tomara que tenhamos a mesma sorte.

A entrada da câmara era por uma única porta giratória eletrônica. Langdon

observou o arranjo habitual de quatro botões de acesso no vestíbulo interno da

porta, um botão para cada compartimento. Quando se pressionava um deles, a

porta motorizada era acionada, fazia a meia rotação convencional e então parava o

procedimento-padrão para preservar a integridade da atmosfera interna.

- Depois que eu entrar - explicou Langdon -, basta apertar o botão e vir

atrás de mim. Há somente oito por cento de umidade lá dentro, de modo que se

prepare para sentir a boca seca.

Langdon entrou no compartimento rotativo e apertou o botão. A porta

soltou um zumbido alto e começou a girar. Enquanto acompanhava o movimento

dela, Langdon preparou seu corpo para o choque físico que sempre acompanhava

os primeiros segundos em uma câmara hermética. Entrar em um arquivo destes

era como estar no nível do mar e ir a seis mil metros de profundidade em um

instante. Náusea e tonteira eram comuns. Visão dupla, dobre o corpo, lembrou ele,

repetindo o mantra dos arquivistas. Seus ouvidos pipocaram. Ouviu-se um silvo

de ar e a porta parou.

Ele entrara na câmara.

O que notou em primeiro lugar foi o ar do interior, mais rarefeito do que

previra. O Vaticano, aparentemente, levava seus arquivos um pouco mais a sério

do que a maioria dos seus congêneres.

Langdon lutou contra o reflexo da náusea e relaxou o peito enquanto seus

capilares pulmonares se dilatavam. A sensação de aperto passou depressa. O

golfinho em ação, refletiu, satisfeito que suas 50 voltas por dia na piscina

servissem para alguma coisa. Respirando mais normalmente, olhou em volta.

Apesar das paredes transparentes, sentiu a ansiedade conhecida. Estou

dentro de uma caixa, pensou. Uma caixa vermelha como sangue.

A porta zumbiu atrás dele e ele se virou para ver Vittoria entrar. Quando

ela chegou, seus olhos imediatamente começaram a lacrimejar e sua respiração

ficou pesada.

- Espere um minuto - disse ele. - Se ficar tonta, abaixe a cabeça.

- Sinto... - Vittoria engasgou - como se estivesse.., mergulhando com um

cilindro de mergulho... com a mistura errada.

Langdon esperou que ela se ambientasse. Sabia que ficaria bem. Vittoria

Vetra estava em excelente forma, ao contrário das trêmulas ex-alunas de Radcliffe

que Langdon certa vez acompanhara em uma visita à câmara hermética da

Biblioteca Widener. O passeio terminara com Langdon fazendo respiração boca a

boca em uma senhora idosa que quase aspirara a própria dentadura.

- Está melhor? - perguntou.

Vittoria sacudiu a cabeça.

- Viajei no seu maldito avião espacial, então achei que você me devia essa.

Ela sorriu.

- Touché.

Langdon estendeu a mão para uma caixa ao lado da porta e tirou de lá

luvas brancas de algodão.

- Vai ser uma ocasião formal? - brincou ela.

- O ácido dos dedos. Não podemos manusear os documentos sem elas. Vai

precisar usá-las.

Vittoria colocou as luvas.

- De quanto tempo dispomos?

Langdon verificou seu relógio de Mickey Mouse.

- São pouco mais de sete horas.

- Temos de encontrar essa coisa em menos de uma hora.

- Na realidade - disse Langdon -, não temos esse tempo todo. - E apontou

para um duto gradeado de entrada de ar. - Normalmente, o curador deve ligar um

sistema de reoxigenação quando alguém está dentro da câmara, o que não está

ocorrendo hoje. Em 20 minutos, ficaremos sem ar.

Vittoria empalideceu visivelmente apesar da luminosidade avermelhada.

Langdon sorriu e alisou suas luvas.

- Comprovar ou sufocar, senhorita Vetra. Mickey está em movimento.


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