domingo, 1 de março de 2009


O Pequeno Príncipe - Livro [part3]


IX

Creio que ele aproveitou, para evadir-se, pássaros selvagens que emigravam. Na

manhã da partida, pôs o planeta em ordem. Revolveu cuidadosamente seus dois vulcões

em atividade. Pois possuía dois vulcões. E era muito cômodo para esquentar o almoço.

Possuía também um vulcão extinto. Mas, como ele dizia: "Quem é que pode garantir?"

revolveu também o extinto. Se eles são bem revolvidos, os vulcões queimam lentamente,

regularmente, sem erupções. As erupções vulcânicas são como fagulhas de lareira. Na

terra, nós somos muito pequenos para revolver os vulcões. Por isso é que nos causam

tanto dano.

O principezinho arrancou também, não sem um pouco de melancolia, os últimos

rebentos de baobá. Ele julgava nunca mais voltar. Mas todos esses trabalhos familiares

lhe pareceram, aquela manhã, extremamente doces.

E, quando regou pela última vez a flor, e se dispunha a colocá-la sob a redoma,

percebeu que estava com vontade de chorar.

- Adeus, disse ele à flor.

Mas a flor não respondeu.

- Adeus, repetiu ele.

Revolveu cuidadosamente seus dois vulcões

A flor tossiu. Mas não era por causa do resfriado.

- Eu fui uma tola, disse por fim. Peço-te perdão.

Trata de ser feliz.

A ausência de censuras o surpreendeu. Ficou parado, inteiramente sem jeito, com a

redoma no ar. Não podia compreender essa calma doçura.

- É claro que eu te amo, disse-lhe a flor. Foi por minha culpa que não soubeste de

nada. Isso não tem importância. Foste tão tolo quanto eu. Trata de ser feliz. . .

Mas pode deixar em paz a redoma. Não preciso mais dela.

- Mas o vento ...

Não estou assim tão resfriada... O ar fresco da noite me fará bem. Eu sou uma flor.

- Mas os bichos...

- É preciso que eu suporte duas ou três larvas se quiser conhecer as borboletas.

Dizem que são tão belas!

Do contrário, quem virá visitar-me? Tu estarás longe ...

Quanto aos bichos grandes, não tenho medo deles. Eu tenho as minhas garras.

E ela mostrava ingenuamente seus quatro espinhos.

Em seguida acrescentou:

- Não demores assim, que é exasperante. Tu decidiste partir. Vai-te embora!

Pois ela não queria que ele a visse chorar. Era uma flor muito orgulhosa ...

X

Ele se achava na região dos asteróides 325, 326, 327, 328, 329, 330. Começou,

pois, a visitá-los,para procurar uma ocupação e se instruir.

O primeiro era habitado por um rei. O rei sentava-se, vestido de púrpura e

arminho, num trono muito simples, posto que majestoso.

Ah ! Eis um súdito, exclamou o rei ao dar com o principezinho.

E o principezinho perguntou a si mesmo:

Como pode ele reconhecer-me, se jamais me viu?

Ele não sabia que, para os reis, o mundo é muito simplificado. Todos os homens

são súditos.

- Aproxima-te, para que eu te veja melhor, disse o rei, todo orgulhoso de poder ser

rei para alguém.

O principezinho procurou com olhos onde sentar-se, mas o planeta estava todo

atravancado pelo magnífico manto de arminho. Ficou, então, de pé. Mas, como estava

cansado, bocejou.

É contra a etiqueta bocejar na frente do rei, disse o monarca. Eu o proíbo.

- Não posso evitá-lo, disse o principezinho confuso.

Fiz uma longa viagem e não dormi ainda...

Então, disse o rei, eu te ordeno que bocejes. Há anos que não vejo ninguém

bocejar! Os bocejos são uma raridade para mim. Vamos, boceja! É uma ordem!

- Isso me intimida... eu não posso mais... disse o principezinho todo vermelho.

- Hum ! Hum ! respondeu o rei. Então... então eu te ordeno ora bocejares e ora...

Ele gaguejava um pouco e parecia vexado.

Porque o rei fazia questão fechada que sua autoridade fosse respeitada. Não

tolerava desobediência. Era um monarca absoluto. Mas, como era muito bom, dava

ordens razoáveis.

"Se eu ordenasse, costumava dizer, que um general se transformasse em gaivota, e

o general não me obedecesse, a culpa não seria do general, seria minha."

- Posso sentar-me? interrogou timidamente o principezinho.

- Eu te ordeno que te sentes, respondeu-lhe o rei, que puxou majestosamente um

pedaço do manto de arminho.

Mas o principezinho se espantava. O planeta era minúsculo. Sobre quem reinaria o

rei?

- Majestade... eu vos peço perdão de ousar interrogar-vos...

- Eu-te ordeno que me interrogues, apressou-se o rei a declarar.

- Majestade... sobre quem é que reinais?

- Sobre tudo, respondeu o rei, com uma grande simplicidade.

- Sobre tudo?

O rei, com um gesto discreto, designou seu planeta, os outros, e também as

estrelas.

- Sobre tudo isso?

- Sobre tudo isso. respondeu o rei.

Pois ele não era apenas um monarca absoluto, era também um monarca universal.

- E as estrelas vos obedecem?

Sem dúvida, disse o rei. Obedecem prontamente.

Eu não tolero indisciplina.

Um tal poder maravilhou o principezinho. Se ele fosse detentor do mesmo, teria

podido assistir, não a quarenta e quatro, mas a setenta e dois, ou mesmo a cem, ou mesmo

a duzentos pores-do-sol no mesmo dia, sem precisar sequer afastar a cadeira ! E como se

sentisse um pouco triste à lembrança do seu pequeno planeta abandonado, ousou solicitar

do rei uma graça:

- Eu desejava ver um pôr-do- sol ... Fazei-me esse favor. Ordenai ao sol que se

ponha. . .

- Se eu ordenasse a meu general voar de uma flor a outra como borboleta, ou

escrever uma tragédia, ou transformar-se em gaivota, e o general não executasse a ordem

recebida, quem - ele ou eu - estaria errado?

- Vós, respondeu com firmeza o principezinho.

- Exato. É preciso exigir de cada um o que cada um pode dar, replicou o rei. A

autoridade repousa sobre a razão. Se ordenares a teu povo que ele se lance ao mar, farão

todos revolução. Eu tenho o direito de exigir obediência porque minhas ordens são

razoáveis.

- E meu pôr-do-sol? lembrou o principezinho, que nunca esquecia a pergunta que

houvesse formulado.

- Teu pôr-do-sol, tu o terás. Eu o exigirei. Mas eu esperarei, na minha ciência de

governo, que as condições sejam favoráveis.

- Quando serão? indagou o principezinho.

- Hein? respondeu o rei, que consultou inicialmente um grosso calendário. Será lá

por volta de ... por volta de sete horas e quarenta, esta noite. E tu verás como sou bem

obedecido.

O principezinho bocejou. Lamentava o pôr- do-sol que perdera. E depois, já estava

se aborrecendo um pouco!

- Não tenho mais nada que fazer aqui, disse ao rei.

Vou prosseguir minha viagem.

- Não partas, respondeu o rei, que estava orgulhoso de ter um súdito. Não partas:

eu te faço ministro

- Ministro de quê?

- Da ... da justiça

- Mas não há ninguém a julgar!

- Quem sabe? disse o rei. Ainda não dei a volta no meu reino. Estou muito velho,

não tenho lugar para carruagem, e andar cansa-me muito.

- Oh! Mas eu já vi, disse o príncipe que se inclinou para dar ainda uma olhadela do

outro lado do planeta. Não consigo ver ninguém ...

- Tu julgarás a ti mesmo, respondeu-lhe o rei. É o mais difícil. É bem mais difícil

julgar a si mesmo que julgar os outros. Se consegues julgar-te bem, eis um verdadeiro

sábio.

- Mas eu posso julgar-me a mim próprio em qualquer lugar, replicou o

principezinho. Não preciso, para isso, ficar morando aqui.

- Ah ! disse o rei, eu tenho quase certeza de que há um velho rato no meu planeta.

Eu o escuto de noite. Tu poderás julgar esse rato. Tu o condenarás à morte de vez em

quando: assim a sua vida dependerá da tua justiça.

Mas tu o perdoarás cada vez, para economizá-lo. Pois só temos um.

- Eu, respondeu o principezinho, eu não gosto de condenar à morte, e acho que vou

mesmo embora.

- Não, disse o rei.

Mas o principezinho, tendo acabado os preparativos, não quis afligir o velho

monarca:

- Se Vossa Majestade deseja ser prontamente obedecido, poderá dar-me uma

ordem razoável. Poderia ordenar-me, por exemplo, que partisse em menos de um minuto.

Parece-me que as condições são favoráveis ...

Como o rei não dissesse nada, o principezinho hesitou um pouco; depois suspirou

e partiu.

- Eu te faço meu embaixador, apressou-se o rei em gritar.

Tinha um ar de grande autoridade.

As pessoas grandes são muito esquisitas, pensava, durante a viagem o

principezinho.

XI

O segundo planeta, um vaidoso o habitava.

- Ah! Ah! Um admirador vem visitar-me! exclamou de longe o vaidoso, mal vira o

príncipe.

Porque, para os vaidosos, os outros homens são sempre admiradores.

- Bom dia, disse o principezinho. Você tem um chapéu engraçado.

- É para agradecer, exclamou o vaidoso. Para agradecer quando me aclamam.

Infelizmente não passa ninguém por aqui.

- Sim? disse o principezinho sem compreender.

- Bate as mãos uma na outra, aconselhou o vaidoso.

O principezinho bateu as mãos uma na outra. O vaidoso agradeceu modestamente,

erguendo o chapéu.

- Ah, isso é mais divertido que a visita ao rei, disse consigo mesmo o

principezinho. E recomeçou a bater as mãos uma na outra.

O vaidoso recomeçou a agradecer, tirando o chapéu.

Após cinco minutos de exercício, o principezinho cansou-se com a monotonia do

brinquedo:

- E para o chapéu cair, perguntou ele, que é preciso fazer?

Mas o vaidoso não ouviu. Os vaidosos só ouvem os elogios.

- Não é verdade que tu me admiras muito? perguntou ele ao principezinho.

- Que quer dizer admirar?

- Admirar significa reconhecer que eu sou o homem mais belo, mais rico, mais

inteligente e mais bem vestido de todo o planeta.

- Mas só há você no seu planeta!

- Da-me esse gosto. Admira-me mesmo assim!

- Eu te admiro, disse o principezinho, dando de ombros. Mas como pode isso

interessar-te?

E o principezinho foi-se embora.

As pessoas grandes são decididamente muito bizarras, ia pensando ele pela viagem

afora.

XII

O planeta seguinte era habitado por um bêbado. Esta visita foi muito curta, mas

mergulhou o principezinho numa profunda melancolia.

- Que fazes ai? perguntou ao bêbado, silenciosamente instalado diante de uma

coleção de garrafas vazias e uma coleção de garrafas cheias.

- Eu bebo, respondeu o bêbado, com ar lúgubre.

- Por que é que bebes? perguntou-lhe o principezinho.

- Para esquecer, respondeu o beberrão.

- Esquecer o quê? indagou o principezinho, que já começava a sentir pena.

- Esquecer que eu tenho vergonha, confessou o bêbado, baixando a cabeça.

- Vergonha de quê? investigou o principezinho, que desejava socorrê-lo.

Vergonha de beber! concluiu o beberrão, encerrando-se definitivamente no seu

silêncio.

E o principezinho foi-se embora, perplexo.

As pessoas grandes são decididamente muito bizarras, dizia de si para si, durante a

viagem.

XIII

O quarto planeta era o do homem de negócios. Estava tão ocupado que não

levantou sequer a cabeça à chegada do príncipe.

- Bom dia, disse-lhe este. O seu cigarro está apagado.

- Três e dois são cinco. Cinco e sete, doze. Doze e três, quinze. Bom dia. Quinze e

sete, vinte e dois. Vinte e dois e seis, vinte e oito. Não há tempo para acender de novo.

Vinte e seis e cinco, trinta e um. Uf ! São pois quinhentos e um milhões, seiscentos e

vinte e dois mil, setecentos e trinta e um.

- Quinhentos milhões de quê?

- Hem? Ainda estás aqui? Quinhentos e um milhões de... eu não sei mais ... Tenho

tanto trabalho. Sou um sujeito sério, não me preocupo com ninharias! Dois e cinco, sete...

- Quinhentos milhões de quê? repetiu o principezinho, que nunca na sua vida

renunciara a uma pergunta, uma vez que a tivesse feito.

O homem de negócios levantou a cabeça:

Há cinqüenta e quatro anos que habito este planeta e só fui incomodado três vezes.

A primeira vez foi há vinte e dois anos, por um besouro caído não sei de onde. Fazia um

barulho terrível, e cometi quatro erros na soma. A segunda foi há onze anos, por uma

crise de reumatismo. Falta de exercício. Não tenho tempo para passeio. Sou um sujeito

sério. A terceira... é esta! Eu dizia, portanto, quinhentos e um milhões...

- Milhões de quê?

O homem de negócios compreendeu que não havia esperança de paz:

- Milhões dessas coisinhas que se vêem às vezes no céu.

- Moscas?

- Não, não. Essas coisinhas que brilham.

- Abelhas?

- Também não. Essas coisinhas douradas que fazem sonhar os ociosos. Eu cá sou

um sujeito sério. Não tenho tempo para divagações.

Ah estrelas?

- Isso mesmo. Estrelas.

- E que fazes tu de quinhentos milhões de estrelas

- Quinhentos e um milhões, seiscentos e vinte e duas mil, setecentos e trinta e uma.

Eu sou um sujeito sério. Gosto de exatidão.

- E que fazes tu dessas estrelas?

- Que faço delas?

- Sim.

- Nada. Eu as possuo.

- Tu possuis as estrelas?

- Sim.

- Mas eu já vi um rei que ...

- Os reis não possuem. Eles "reinam" sobre. É muito diferente

- E de que te serve possuir as estrelas?

- Serve-me para ser rico

- E para que te serve ser rico?

- Para comprar outras estrelas, se alguém achar.

Esse aí, disse o principezinho para si mesmo, raciocina um pouco como o bêbado -

No entanto, fez ainda algumas perguntas.

Como pode a gente possuir as estrelas?

De quem são elas? respondeu, ameaçador, o homem de negócios

- Eu não sei. De ninguém.

- Logo são minhas, porque pensei primeiro.

- Basta isso?

Sem dúvida. Quando achas um diamante que não é de ninguém, ele é teu. Quando

achas uma ilha que não é de ninguém, ela é tua. Quando tens uma idéia primeiro, tu a

fazes registrar: ela é tua. E quanto a mim, eu possuo as estrelas, pois ninguém antes de

mim teve a idéia de as possuir.

Isso é verdade, disse o principezinho. E que fazes tu com elas?

Eu as administro. Eu as conto e reconto, disse o homem de negócios. É difícil. Mas

eu sou um homem sério!

O principezinho ainda não estava satisfeito.

Eu, se possuo um lenço, posso colocá-lo em torno do pescoço e levá-lo comigo. Se

possuo uma flor, posso colher a flor e levá-la comigo. Mas tu não podes colher as

estrelas.

Não. Mas eu posso colocá-las no banco.

Que quer dizer isto?

Isso quer dizer que eu escrevo num papelzinho o numero das minhas estrelas.

Depois tranco o papel a chave numa gaveta.

- Só isto?

- E basta...

É divertido, pensou o principezinho. É bastante poético. Mas não é muito sério.

O principezinho tinha, sobre as coisas sérias, idéias muito diversas das idéias das

pessoas grandes.

- Eu, disse ele ainda, possuo uma flor que rego todos os dias. Possuo três vulcões

que revolvo toda semana. Porque revolvo também o que está extinto. A gente nunca sabe.

É útil para os meus vulcões, e útil para a minha flor que eu os possua. Mas tu não

és útil às estrelas ...

O homem de negócios abriu a boca, mas não achou nada a responder, e o

principezinho se foi ...

As pessoas grandes são mesmo extraordinárias, repetia simplesmente no percurso

da viagem.

XIV

O quinto planeta era muito curioso. Era o menor de todos. Mal dava para um

lampião e o acendedor de lampiões ...

O principezinho não podia atinar para que pudessem servir, no céu, num planeta

sem casa e sem gente, um lampião e o acendedor de lampiões. No entanto, disse consigo

mesmo:

- Talvez esse homem seja mesmo absurdo. No entanto, é menos absurdo que o rei,

que o vaidoso, que o homem de negócios, que o beberrão. Seu trabalho ao menos tem um

sentido. Quando acende o lampião, é como se fizesse nascer mais uma estrela, mais uma

flor. Quando o apaga, porém, é estrela ou flor que adormecem. É uma ocupação bonita.

E é útil, porque é bonita.

Quando abordou o planeta, saudou respeitosamente o acendedor:

- Bom dia. Por que acabas de apagar teu lampião?

Eu executo uma tarefa terrível.

É o regulamento - respondeu o acendedor-. Bom dia.

Que é o regulamento?

É apagar meu lampião. Boa noite.

E tornou a acender.

- Mas por que acabas de o acender de novo?

- É o regulamento, respondeu o acendedor.

- Eu não compreendo, disse o principezinho.

- Não é para compreender, disse o acendedor. Regulamento é regulamento. Bom

dia.

E apagou o lampião -

Em seguida enxugou a fronte num lenço de quadrinhos vermelhos

- Eu executo uma tarefa terrível. Antigamente era razoável. Apagava de manhã e

acendia à noite. Tinha o resto do dia para descansar e o resto da noite para dormir...

- E depois disso, mudou o regulamento?

- O regulamento não mudou, disse o acendedor. Aí é que está o drama ! O planeta

de ano em ano gira mais depressa, e o regulamento não muda!

- E então? disse o principezinho

- Agora, que ele dá uma volta por minuto, não tenho mais um segundo de repouso.

Acendo e apago uma vez por minuto !

- Ah! que engraçado! Os dias aqui duram um minuto!

Não é nada engraçado, disse o acendedor. Já faz um mês que estamos

conversando.

Um mês?

Sim. Trinta minutos. Trinta dias. Boa noite.

E acendeu o lampião.

O principezinho considerou-o, e amou aquele acendedor tão fiel ao regulamento.

Lembrou-se dos pores-do-sol que ele mesmo produzia, recuando um pouco a cadeira.

Quis ajudar o amigo.

- Sabes .? Eu sei de um modo de descansar quando quiseres ...

- Eu sempre quero, disse o acendedor.

Pois a gente pode ser, ao mesmo tempo, fiel e preguiçoso.

E o principezinho prosseguiu:

- Teu planeta é tão pequeno, que podes, com três passos, dar-lhe a volta. Basta

andares lentamente, bem lentamente, de modo a ficares sempre ao sol. Quando quiseres

descansar, caminharás ... e o dia durará quanto queiras.

- Isso não adianta muito, disse o acendedor. O que eu gosto mais na vida é de

dormir.

- Então não há remédio, disse o principezinho.

- Não há remédio, disse o acendedor. Bom dia.

E apagou seu lampião.

Esse aí, disse para si o principezinho, ao prosseguir a viagem para mais longe, esse

aí seria desprezado por todos

Os Outros, o rei, o vaidoso, o beberrão, o homem de negócios. No entanto, é o

único que não me parece ridículo.

Talvez porque é o único que se ocupa de outra coisa que não seja ele próprio.

Suspirou de pesar e disse ainda:

Era o único que eu podia ter feito meu amigo.

Mas seu planeta é mesmo pequeno demais. Não há lugar para dois ...

O que o principezinho não ousava confessar é que os mil quatrocentos e quarenta

pores-do-sol em vinte e quatro horas davam-lhe certa saudade do abençoado planeta!

XV

O sexto planeta era dez vezes maior - Era habitado por um velho que escrevia

livros enormes.

- Bravo! eis um explorador! exclamou ele, logo que viu o principezinho.

O principezinho assentou-se na mesa, ofegante. já viajara tanto!

- De onde vens? perguntou-lhe o velho.

- Que livro é esse? perguntou-lhe o principezinho.

Que faz o senhor aqui?

- Sou geógrafo, respondeu o velho.

- Que é um geógrafo? perguntou o principezinho.

- É um sábio que sabe onde se encontram os mares, os rios, as cidades, as

montanhas, os desertos.

É bem interessante, disse o principezinho. Eis, afinal, uma verdadeira profissão! E

lançou um olhar, em torno de si, no planeta do geógrafo. Nunca havia visto planeta tão

majestoso.

- O seu planeta é muito bonito. Haverá oceanos nele?

- Como hei de saber? disse o geógrafo.

- Ah! (O principezinho estava decepcionado.) e montanhas?

- Como hei de saber? disse o geógrafo.

- E cidades, e rios, e desertos?

- Como hei de saber? disse o geógrafo pela terceira vez.

- Mas o senhor é geógrafo

- É claro, disse o geógrafo; mas não sou explorador.

Há uma falta absoluta de exploradores. Não é o geógrafo que vai contar as cidades,

os rios, as montanhas, os mares, os oceanos, os desertos. O geógrafo é muito importante

para estar passeando. Não deixa um instante a escrivaninha.

Mas recebe os exploradores, interroga-os, anota as suas lembranças. E se as

lembranças de alguns lhe parecem interessantes, o geógrafo estabelece um inquérito sobre

a moralidade do explorador

- Por quê?

- Porque um explorador que mentisse produziria catástrofes nos livros de

geografia. Como o explorador que bebesse demais.

- Por quê? perguntou o principezinho.

- Porque os bêbados vêem dobrado. Então o geógrafo anotaria duas montanhas

onde há uma só.

- Conheço alguém, disse o principezinho, que seria um mau explorador.

- É possível. Pois bem, quando a moralidade do explorador parece boa, faz-se uma

investigação sobre a sua descoberta.

- Vai-se ver?

- Não. Seria muito complicado. Mas exige-se do explorador que ele forneça

provas. Tratando-se, por exemplo, de uma grande montanha, ele trará grandes pedras.

O geógrafo, de súbito, se entusiasmou:

- Mas tu vens de longe. Tu és explorador ! Tu me vais descrever o teu planeta !

E o geógrafo, tendo aberto o seu caderno, apontou o seu lápis. Anotam-se primeiro

a lápis as narrações dos exploradores. Espera-se, para cobrir à tinta, que o explorador

tenha fornecido provas.

- Então? interrogou o geógrafo.

Oh ! onde eu moro, disse o principezinho, não é interessante: é muito pequeno. Eu

tenho três vulcões. Dois vulcões em atividade e um vulcão extinto. A gente nunca sabe ...

- A gente nunca sabe, repetiu o geógrafo.

- Tenho também uma flor.

- Mas nós não anotamos as flores, disse o geógrafo.

- Por que não? É o mais bonito!

- Porque as flores são efêmeras.

- Que quer dizer "efêmera"?

As geografias, disse o geógrafo, são os livros de mais valor. Nunca ficam fora de

moda. É muito raro que um monte troque de lugar. É muito raro um oceano esvaziar-se.

Nós escrevemos coisas eternas.

Mas os vulcões extintos podem se reanimar, interrompeu o principezinho. Que

quer dizer "efêmera"?

- Que os vulcões estejam extintos ou não, isso dá no mesmo para nós, disse o

geógrafo. O que nos interessa é a montanha. Ela não muda.

Mas que quer dizer "efêmera" repetiu o principezinho, que nunca, na sua vida,

renunciara a uma pergunta que tivesse feito.

- Quer dizer "ameaçada de próxima desaparição".

- Minha flor esta ameaçada de próxima desaparição?

- Sem dúvida.

Minha flor é efêmera, disse o principezinho, e não tem mais que quatro espinhos

para defender-se do mundo ! E eu a deixei sozinha !

Foi seu primeiro movimento de remorso. Mas retomou coragem:

- Que me aconselha a visitar? perguntou ele.

- O planeta Terra, respondeu-lhe o geógrafo. Goza de grande reputação ...

E o principezinho se foi, pensando na flor.

XVI

O sétimo planeta foi pois a Terra.

A Terra não é um planeta qualquer! Contam-se lá cento e onze reis (não

esquecendo, é claro, os reis negros), sete mil geógrafos, novecentos mil negociantes, sete

milhões e meio de beberrões, trezentos e onze milhões de vaidosos isto é, cerca de dois

bilhões de pessoas grandes.

Para dar-lhes uma idéia das dimensões da Terra, eu lhes direi que, antes da

invenção da eletricidade, era necessário manter, para o conjunto dos seis continentes, um

verdadeiro exército de quatrocentos e sessenta e dois mil quinhentos e onze acendedores

de lampiões.

Isto fazia, visto um pouco de longe, um magnífico efeito. Os movimentos desse

exército eram ritmados como os de um balé de ópera. Primeiro vinha a vez dos

acendedores de lampiões da Nova Zelândia e da Austrália. Esses, em seguida, acesos os

lampiões, iam dormir. Entrava por sua vez a dança dos acendedores de lampiões da China

e da Sibéria. E também desapareciam nos bastidores. Vinha a vez dos acendedores de

lampiões da Rússia e das índias.

Depois os da África e da Europa. Depois os da América do Sul. Os da América do

Norte. E jamais se enganavam na ordem de entrada, quando apareciam em cena. Era um

espetáculo grandioso.

Apenas dois, o acendedor do único lampião do Polo Norte e o seu colega do único

lampião do Polo Sul, levavam vida ociosa e descuidada: trabalhavam duas vezes por ano.

XVII

Quando a gente quer fazer graça, mente às vezes um pouco. Não fui lá muito

honesto ao lhes falar dos acendedores de lampiões. Corro o risco de dar, àqueles que não

conhecem o nosso planeta, uma falsa idéia dele. Os homens ocupam, na verdade, muito

pouco lugar na superfície da Terra. Se os dois bilhões de habitantes que povoam a Terra

se mantivessem de pé, colados um ao outro, como para um comício, acomodar-se-iam

facilmente numa praça pública de vinte milhas de comprimento por vinte de largura.

Poder-se-ia ajuntar a humanidade toda na menor das ilhas do Pacífico.

As pessoas grandes não acreditarão, é claro. Elas julgam ocupar muito espaço.

Imaginam-se tão importantes como os baobás. Digam-lhes pois que façam o cálculo. Elas

adoram os números; ficarão contentes com isso. Mas vocês não percam tempo com esse

problema de aritmética. inútil. Vocês acreditam em mim.

O principezinho, uma vez na Terra, ficou, pois, muito surpreso de não ver

ninguém. já receara ter se enganado de planeta, quando um anel cor de lua remexeu na

areia.

- Boa noite, disse o principezinho, inteiramente ao acaso.

- Boa noite, disse a serpente.

- Em que planeta me encontro? perguntou o principezinho.

- Na Terra, na África, respondeu a serpente.

- Ah! ... E não há ninguém na Terra?

Tu és um bichinho engraçado, disse ele, fino como um dedo., .

- Aqui é o deserto. Não há ninguém nos desertos. A Terra é grande, disse a

serpente.

O principezinho sentou-se numa pedra e ergueu os olhos para o céu:

- As estrelas são todas iluminadas ... Não será para que cada um possa um dia

encontrar a sua? Olha o meu planeta: está justamente em cima de nós ... Mas como está

longe !

- Teu planeta é belo, disse a serpente. Que vens fazer aqui?

- Tive dificuldades com uma flor, disse o príncipe

- Ah! exclamou a serpente.

E se calaram.

- Onde estão os homens? repetiu enfim o principezínho. A gente está um pouco só

no deserto.

- Entre os homens também, disse a serpente.

O principezinho olhou-a longamente.

- Tu és um bichinho engraçado, disse ele, fino como um dedo...

- Mas sou mais poderosa do que o dedo de um rei, disse a serpente.

O principezinho sorriu.

- Tu não és tão poderosa assim...não tens sequer umas patas ... não podes sequer

viajar...

- Eu posso levar-te mais longe que um navio, disse a serpente.

Ela enrolou-se na perninha do príncipe, como um bracelete de ouro:

Aquele que eu toco, eu o devolvo à terra de onde veio, continuou a serpente. Mas

tu és puro. Tu vens de uma estrela ...

O principezinho não respondeu.

Tenho pena de ti, tão fraco, nessa Terra de granito.

Posso ajudar-te um dia, se tiveres muita saudade do teu planeta. Posso ...

- Oh! Eu compreendi muito bem, disse o principezinho. Mas por que falas sempre

por enigmas?

Eu os resolvo todos, disse a serpente.

E calaram-se os dois.

XVIII

O principezinho atravessou o deserto e encontrou apenas uma flor. Uma flor de

três pétalas, uma florzinha a toa...

- Bom dia, disse o príncipe.

- Bom dia, disse a flor.

- Onde estão os homens? perguntou polidamente.

A flor, um dia, vira passar uma caravana:

- Os homens? Eu creio que existem seis ou sete.

Vi-os há muitos anos. Mas não se pode nunca saber onde se encontram.

O vento os leva. Eles não tem raízes. Eles não gostam das raízes.

- Adeus, disse o principezinho.

- Adeus, disse a flor.



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