domingo, 1 de março de 2009

O Pequeno Príncipe - Livro [part1]

A LÉON WERTH

Peço perdão às crianças por dedicar este livro a uma pessoa grande. Tenho uma

desculpa séria: essa pessoa grande é o melhor amigo que possuo no mundo. Tenho uma

outra desculpa: essa pessoa grande é capaz de compreender todas as coisas, até mesmo os

livros de criança. Tenho ainda uma terceira: essa pessoa grande mora na França, e ela tem

fome e frio.

Ela precisa de consolo. Se todas essas desculpas não bastam, eu dedico então esse

livro à criança que essa pessoa grande já foi. Todas as pessoas grandes foram um dia

crianças (mas poucas se lembram disso). Corrijo, portanto, a dedicatória:

A LÉON WERTH

QUANDO ELE ERA PEQUENINO

I

Certa vez, quando tinha seis anos, vi num livro sobre a Floresta Virgem, "Histórias

Vividas", uma imponente gravura. Representava ela uma jibóia que engolia uma fera. Eis

a cópia do desenho.

Dizia o livro: "As jibóias engolem, sem mastigar, a presa inteira. Em seguida, não

podem mover-se e dormem os seis meses da digestão."

Refleti muito então sobre as aventuras da selva, e fiz, com lápis de cor, o meu

primeiro desenho. Meu desenho número 1 era assim:

Mostrei minha obra-prima às pessoas grandes e perguntei se o meu desenho lhes

fazia medo.

Responderam-me: "Por que é que um chapéu faria medo?"

Meu desenho não representava um chapéu. Representava uma jibóia digerindo um

elefante. Desenhei então o interior da jibóia, a fim de que as pessoas grandes pudessem

compreender. Elas têm sempre necessidade de explicações. Meu desenho número 2 era

assim:

As pessoas grandes aconselharam-me deixar de lado os desenhos de jibóias abertas

ou fechadas, e dedicar-me de preferência à geografia, à história, ao cálculo, à gramática.

Foi assim que abandonei, aos seis anos, uma esplêndida carreira de pintor. Eu fora

desencorajado pelo insucesso do meu desenho número 1 e do meu desenho número 2. As

pessoas grandes não compreendem nada sozinhas, e é cansativo, para as crianças, estar

toda hora explicando.

Tive pois de escolher uma outra profissão e aprendi a pilotar aviões. Voei, por

assim dizer, por todo o mundo.

E a geografia, é claro, me serviu muito. Sabia distinguir, num relance, a China e o

Arizona. É muito útil, quando se está perdido na noite.

Tive assim, no correr da vida, muitos contatos com muita gente séria. Vivi muito

no meio das pessoas grandes.

Vi-as muito de perto. Isso não melhorou, de modo algum, a minha antiga opinião.

Quando encontrava uma que me parecia um pouco lúcida, fazia com ela a

experiência do meu desenho número 1, que sempre conservei comigo. Eu queria saber se

ela era verdadeiramente compreensiva. Mas respondia sempre: "É um chapéu". Então eu

não lhe falava nem de jibóias, nem de florestas virgens, nem de estrelas. Punha-me ao seu

alcance. Falava-lhe de bridge, de golfe, de política, de gravatas. E a pessoa grande ficava

encantada de conhecer um homem tão razoável.

II

Vivi portanto só, sem amigo com quem pudesse realmente conversar, até o dia,

cerca de seis anos atrás, em que tive uma pane no deserto do Saara. Alguma coisa se

quebrara no motor. E como não tinha comigo mecânico ou passageiro, preparei-me para

empreender sozinho o difícil conserto. Era, para mim, questão de vida ou de morte.

Só dava para oito dias a água que eu tinha.

Na primeira noite adormeci pois sobre a areia, a milhas e milhas de qualquer terra

habitada. Estava mais isolado que o náufrago numa tábua, perdido no meio do mar.

Imaginem então a minha surpresa, quando, ao despertar do dia, uma vozinha

estranha me acordou. Dizia:

- Por favor ... desenha-me um carneiro

- Hem!

- Desenha-me um carneiro ...

Pus-me de pé, como atingido por um raio. Esfreguei os olhos. Olhei bem. E vi um

pedacinho de gente inteiramente extraordinário, que me considerava com gravidade.

Eis o melhor retrato que, mais tarde, consegui fazer dele.

Meu desenho é, seguramente, muito menos sedutor que o modelo. Não tenho

culpa. Fora desencorajado, aos seis anos, da minha carreira de pintor, e só aprendera a

desenhar jibóias abertas e fechadas.

Olhava pois essa aparição com olhos redondos de espanto. Não esqueçam que eu

me achava a mil milhas de qualquer terra habitada. Ora, o meu homenzinho não me

parecia nem perdido, nem morto de fadiga, nem morto de fome, de sede ou de medo. Não

tinha absolutamente a aparência de uma criança perdida no deserto, a mil milhas da região

habitada. Quando pude enfim articular palavra, perguntei-lhe:

- Mas ... que fazes aqui?

E ele repetiu-me então, brandamente, como uma coisa muito séria:

- Por favor... desenha-me um carneiro ...

Quando o mistério é muito impressionante, a gente não ousa desobedecer. Por mais

absurdo que aquilo me parecesse a mil milhas de todos os lugares habitados e em perigo

de morte, tirei do bolso uma folha de papel e uma caneta.

Mas lembrei-me,então,que eu havia estudado de preferência geografia, história,

cálculo e gramática, e disse ao garoto (com um pouco de mau humor) que eu não sabia

desenhar. Respondeu-me:

- Não tem importância. Desenha-me um carneiro.

Como jamais houvesse desenhado um carneiro, refiz para ele um dos dois únicos

desenhos que sabia. O da jibóia fechada. E fiquei estupefato de ouvir o garoto replicar:

- Não! Não! Eu não quero um elefante numa jibóia. A jibóia é perigosa e o elefante

toma muito espaço. Tudo é pequeno onde eu moro. Preciso é dum carneiro. Desenha-me

um carneiro.

Então eu desenhei.

Olhou atentamente, e disse:

- Não! Esse já está muito doente.

Desenha outro.

Desenhei de novo.

Meu amigo sorriu com indulgência:

- Bem vês que isto não é um carneiro. É um bode ... Olha os chifres ...

Fiz mais uma vez o desenho.

Mas ele foi recusado como os precedentes:

Este aí é muito velho. Quero um carneiro que viva muito.

Então, perdendo a paciência, como tinha pressa de desmontar o motor, rabisquei o

desenho ao lado.

E arrisquei:

Esta é a caixa. O carneiro está dentro.

Mas fiquei surpreso de ver iluminar-se a face do meu pequeno juiz:

- Era assim mesmo que eu queria! Será preciso muito capim para esse carneiro?

Por quê?

Porque é muito pequeno onde eu moro ...

- Qualquer coisa chega. Eu te dei um carneirinho de nada !

Inclinou a cabeça sobre o desenho:

- Não é tão pequeno assim ... Olha ! Adormeceu ...

E foi desse modo que eu travei conhecimento, um dia, com o pequeno príncipe.

III

Levei muito tempo para compreender de onde viera.

O principezinho, que me fazia milhares de perguntas, não parecia sequer escutar as

minhas. Palavras pronunciadas ao acaso e que foram, pouco a pouco, revelando tudo.

Assim, quando viu pela primeira vez meu avião (não vou desenhá-lo aqui, é muito

complicado para mim), perguntou-me bruscamente:

Que coisa é aquela?

Não, é uma coisa. Aquilo voa. É um avião. O meu avião.

Eu estava orgulhoso de lhe comunicar que eu voava. Então ele exclamou:

- Como? Tu caíste do céu?

- Sim, disse eu modestamente.

- Ah ! como é engraçado...

E o principezinho deu uma bela risada, que me irritou profundamente. Gosto que

levem a sério as minhas desgraças. Em seguida acrescentou:

Então, tu também vens do céu ! De que planeta és tu?

Vislumbrei um clarão no mistério da sua presença, e interroguei bruscamente:

- Tu vens então de outro Planeta?

Mas ele não me respondeu. Balançava lentamente a cabeça considerando o avião:

- É verdade que, nisto aí, não podes ter vindo de longe ...

Mergulhou então num pensamento que durou muito tempo. Depois, tirando do

bolso o meu carneiro, ficou contemplando o seu tesouro.

Poderão imaginar que eu ficara intrigado com aquela semiconfidência sobre "os

outros planetas". Esforcei-me, então, por saber mais um pouco.

- De onde vens, meu bem? Onde é tua casa? Para onde queres levar meu carneiro?

Ficou meditando em silêncio, e respondeu depois:

O bom é que a caixa que me deste poderá, de noite, servir de casa.

- Sem dúvida. E se tu fores bonzinho, darei também uma corda para amarrá-lo

durante o dia. E uma estaca.

A proposta pareceu chocá-lo:

Amarrar? Que idéia esquisita

- Mas se tu não o amarras, ele vai-se embora e se perde...

E meu amigo deu uma nova risada:

- Mas onde queres que ele vá?

- Não sei ... Por aí ... Andando sempre para frente.

Então o principezínho observou, muito sério:

- Não faz mal, é tão pequeno onde moro !

E depois, talvez com um pouco de melancolia, acrescentou ainda:

- Quando a gente anda sempre para frente, não pode mesmo ir longe ...



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