quarta-feira, 25 de março de 2009



CAPÍTULO 91

Langdon e Vittoria correram para a entrada principal da igreja de Santa

Maria deila Vittoria e encontraram a porta de madeira trancada. Vittoria disparou

três tiros na fechadura antiga e arrebentou-a.

A igreja não possuía átrio, de modo que o santuário inteiro se abriu à vista

em toda a sua extensão quando os dois escancararam a porta. Deram com uma

cena tão inesperada, tão bizarra, que Langdon teve de fechar e abrir os olhos para

assimilá-la por inteiro.

A igreja era toda de um profuso estilo barroco, com paredes e altares

dourados. Bem no meio do santuário, sob a cúpula principal, os bancos de

madeira haviam sido empilhados e incendiados, formando uma espécie de pira

funerária épica. Uma fogueira acesa lançando suas labaredas para o domo.

Quando Langdon acompanhou com o olhar aquele inferno, o indizível horror do

espetáculo completo desceu sobre ele como uma ave de rapina.

Do alto, dos lados direito e esquerdo do teto, pendiam dois cabos de

incensórios - cordões usados para balançar recipientes com incenso acima da

congregação. Nesses cordões, porém, não havia agora nenhum incensório

pendurado. Nem os cordões estavam balançando. Haviam sido usados para outra

finalidade...

Suspenso pelos cordões havia um ser humano. Um homem despido. Cada

um de seus pulsos fora amarrado a um dos cordões e ele fora içado e esticado

quase ao ponto de ser partido ao meio. Seus braços estavam abertos como se

tivesse sido pregado em uma cruz invisível que pairasse no ar na casa de Deus.

Paralisado, Langdon olhava para cima. No momento seguinte, presenciou a

crueldade final. O velho estava vivo e mexeu a cabeça. Um par de olhos

aterrorizados voltou-se para baixo em uma súplica silenciosa por ajuda. No peito

do homem, o desenho da queimadura. Ele fora marcado a fogo. Langdon não

conseguia ver com nitidez, mas não tinha dúvidas sobre o que estava escrito. As

labaredas cresceram e lamberam os pés da vítima, que gritou de dor, o corpo

tremendo.

Movido por uma força inexplicável, Langdon sentiu seu corpo entrar em

movimento e sair correndo pela nave central na direção do fogo. Seus pulmões

encheram-se de fumaça ao chegar mais perto. A três metros da fogueira, a toda

velocidade, ele se chocou com uma parede de calor. A pele de seu rosto ficou

chamuscada e ele caiu para trás, protegendo os olhos com os braços, o corpo

batendo com força no chão de mármore. Levantou-se cambaleando e tentou

avançar outra vez, as mãos erguidas na frente do rosto.

Mas o calor era intenso demais.

Retrocedeu e esquadrinhou as paredes da igreja. Uma tapeçaria pesada,

pensou. Se de algum modo eu conseguir abafar o fogo... Mas sabia que seria

impossível encontrar uma tapeçaria ali. Isto é uma igreja barroca, Robert, não é

um castelo alemão! Pense! Obrigou-se a olhar de novo para o homem pendurado.

No alto, um torvelinho de fumaça e chamas agitava-se na cúpula. Os

cordões de incensórios que prendiam os punhos do homem subiam para o teto,

passavam por roldanas e desciam novamente até duas braçadeiras de metal

colocadas em cada uma das paredes laterais da igreja. Langdon examinou uma das

braçadeiras. Ficava no alto da parede, mas se ele a alcançasse e afrouxasse um dos

cordões, a tensão diminuiria e o corpo do homem balançaria, afastando-se

bastante do fogo.

As chamas aumentaram repentinamente e Langdon ouviu um grito

lancinante vindo de cima. A pele dos pés do cardeal cobrira-se de bolhas. Ele

estava sendo assado vivo. Langdon concentrou-se na braçadeira e precipitou-se

para ela.

No fundo da igreja, Vittoria segurou-se com força no encosto de um dos

bancos tentando recuperar-se. A imagem no alto era medonha. Virou o

rosto.

Faça alguma coisa! Queria saber onde estava Olivetti. Teria encontrado o

Hassassin? Será que o pegara? Onde estariam eles agora? Andou na

direção de Langdon para ajudá-lo, mas um som a fez parar.

O estalar das labaredas fazia cada vez mais barulho, mas havia também um

segundo som cortando o ar.

Uma vibração metálica. Perto. A pulsação repetitiva parecia vir da

extremidade do banco à sua esquerda.

Era uma trepidação seca, como o toque de um telefone, mas dura, pétrea.

Ela segurou o revólver com firmeza e caminhou ao longo da fileira de bancos. O

som ficou mais alto. Soava e parava. Uma vibração recorrente.

Ao chegar no fim da passagem, percebeu que o som vinha do chão, atrás

do último banco. Quando avançou com o revólver na mão direita levantada, notou

que também segurava algo na mão esquerda - seu telefone celular. Com toda

aquela tensão, esquecera que o usara lá fora para discar para o comandante,

acionando a vibração silenciosa do telefone dele, o aviso combinado. Vittoria

colocou seu telefone no ouvido. Ainda estava tocando. O comandante não chegara

a atender. Súbito, com um medo crescente, achou que sabia o que estava

produzindo aquele ruído. Deu mais um passo, trêmula.

A igreja pareceu afundar sob seus pés quando se deparou com a forma sem

vida no chão. Nenhum líquido fluía do corpo. Nenhum sinal de violência marcava

a carne. Havia somente a terrível geometria da cabeça do comandante virada para

trás, torcida 180 graus na direção errada. Vittoria lutou contra a lembrança do

corpo mutilado de seu próprio pai.

O telefone no cinto do comandante estava encostado no chão, vibrando

sem parar de encontro ao mármore frio. Vittoria desligou o seu e o ruído cessou.

No silêncio, ela escutou um outro som. A respiração de alguém nas

sombras atrás dela.

Começou a girar o corpo apontando a arma, mas já sabia que seria tarde

demais. Foi como se um raio atingisse seu corpo do alto do seu crânio às solas dos

pés quando o cotovelo do assassino encostou na sua nuca.

- Agora você é minha - disse uma voz.

Então, tudo ficou negro.

Do outro lado da igreja, na parede lateral esquerda, Langdon equilibrava-se

em um banco, estendendo o braço em impulsos, tentando alcançar a braçadeira. O

cordão estava a mais de três metros acima de sua cabeça. Braçadeiras como

aquela eram comuns nas igrejas, sempre colocadas no alto para evitar que fossem

tocadas. Langdon sabia que os padres usavam escadas de madeira chamadas

piuòli para alcançar as braçadeiras. O matador obviamente usara a escada da

igreja para içar sua vítima. Onde está o raio da escada? Langdon olhou para baixo,

procurando-a pelo chão. Tinha uma vaga lembrança de ter visto uma escada por

ali em algum lugar. Mas onde? Um segundo mais tarde, lembrou-se, desalentado,

onde a vira. Voltou-se para a fogueira. Lá estava a escada, sobre a pilha de

bancos, envolta em chamas.

Desesperado, olhando do alto, procurou por toda a igreja algo que o

pudesse ajudar a alcançar a braçadeira. E, de repente, ocorreu-lhe: onde estará

Vittoria? Ela desaparecera. Será que foi buscar ajuda? Gritou o nome dela, mas

não obteve resposta. E onde foi parar Olivetti?

Ao ouvir um urro de dor vindo de cima, Langdon achou que já era tarde

demais. Levantando os olhos de novo para a vítima que queimava lentamente, ele

só pensou em uma coisa. Água.

Muita água. Para apagar o fogo. Pelo menos para diminuir a altura das

chamas.

- Preciso de água, de água! - berrou ele.

- Mais tarde - rosnou uma voz vinda do fundo da igreja.

Langdon girou, quase caindo do banco.

Em largas passadas pela nave lateral, vinha em sua direção um monstro

sombrio em forma de homem. Mesmo à luz da fogueira, seus olhos negros tinham

um brilho escuro. Langdon reconheceu na mão dele o revólver que saíra do bolso

de seu próprio casaco, o que Vittoria estivera segurando ao entrarem na igreja.

A repentina onda de pânico que o acometeu era uma mistura desconexa de

muitos medos. Seu primeiro instinto foi pensar em Vittoria. O que aquele animal

teria feito com ela? Estaria machucada? Ou algo pior? Naquele instante, o homem

que estava suspenso lá em cima começou a gritar mais alto. O cardeal ia morrer.

Era impossível ajudá-lo agora. Quando o Hassassin mirou o revólver no peito de

Langdon, o pânico novamente se apoderou dele, seus sentidos ficaram

sobrecarregados. E, quando o tiro partiu, seu reflexo foi pular de cabeça, os braços

estendidos para a frente, no mar de bancos da igreja.

Chocou-se com os bancos com mais força do que imaginara, rolando

imediatamente para o chão. O mármore recebeu o impacto do seu corpo com a

mesma gentileza do aço frio. Passos aproximaram-se pela direita. Langdon virou

o corpo para a frente da igreja e saiu agachado, oculto pelos bancos, tentando

salvar a própria vida.

Muito acima do chão da igreja, o cardeal Guidera vivia seus últimos

torturantes minutos de consciência. Ao baixar os olhos para seu corpo nu, viu a

pele dos seus pés formando bolhas e soltando-se. Estou no inferno, concluiu.

Deus, por que me abandonastes? Sabia que devia ser o inferno porque estava

olhando para as letras em seu peito de cabeça para baixo e, no entanto, como se

por um sortilégio do demônio, a palavra era perfeitamente legível.

API

CAPÍTULO 92

Três votações. E nada de Papa.

Dentro da Capela Sistina o cardeal Mortati começou a rezar por um

milagre. Mande-nos os candidatos!

O atraso já se prolongara demais. Um único candidato faltando, dava para

entender. Mas os quatro? Não deixava nenhuma opção. Naquelas condições, só

por um ato de Deus em pessoa obteriam a maioria de dois terços.

Quando as dobradiças da porta externa começaram a ranger e a porta se

abriu, Mortati e todo o Colégio dos Cardeais voltaram-se juntos para a entrada.

Mortati sabia que aquilo só poderia significar uma coisa. Pela lei, as portas da

capela somente podiam ser abertas por duas razões - para retirar do recinto os que

se encontrassem muito doentes ou para admitir os cardeais atrasados.

Os preferiti estão chegando!

O coração de Mortati alçou vôo, O conclave estava salvo.

Todavia, quando a porta se abriu, o murmúrio de espanto que ecoou pela

capela não foi de alegria. Mortati viu, incrédulo, o homem entrar na capela. Pela

primeira vez na história do Vaticano, um camerlengo atravessava o sagrado limiar

do conclave depois de selar as portas.

O que ele pensa que está fazendo?

O camerlengo encaminhou-se para o altar e posicionou-se para falar à

platéia estupefata.

- Signori - disse -, esperei o mais que pude. Existe algo que todos aqui têm

o direito de saber.

CAPÍTULO 93

Langdon avançava sem saber para onde ia. Sua única bússola eram seus

reflexos, afastando-o do perigo. Seus cotovelos e joelhos ardiam enquanto se

esgueirava entre os bancos, mas não parava. Algo lhe dizia para ir para a

esquerda. Se conseguir chegar à nave principal, posso correr para a saída. Mas

isto seria impossível. Há uma parede de fogo no meio da nave principal! Com a

cabeça à cata de opções, ele prosseguia cegamente. Os passos aproximavam-se

mais depressa, agora pela direita.

Quando aconteceu, Langdon não estava preparado. Calculara que houvesse

mais uns três metros de fileiras de bancos até a parte da frente da igreja. Calculara

mal. Inesperadamente, seu esconderijo terminou. Imobilizou-se um instante, meio

exposto na frente da igreja. Erguendo-se no nicho à sua esquerda, estava a

escultura que o levara ali. Esquecera-se completamente dela.

O Êxtase de Santa Teresa de Bernini surgia como uma espécie de naturezamorta

pornográfica: a santa deitada de costas, o tronco arqueado de prazer, a boca

entreaberta em um gemido e, acima dela, o anjo apontando sua lança de fogo.

Uma bala explodiu no banco por cima da cabeça de Langdon. Seu corpo

precipitou-se como o de um atleta quando é dada a largada. Impelido somente

pela adrenalina e sem ter muita consciência de seus atos, ele subitamente estava

correndo, curvado, a cabeça abaixada, atravessando a frente da igreja para a

direita.

Com as balas pipocando às suas costas, mergulhou de novo e deslizou sem

controle pelo piso de mármore até ir de encontro à grade de um nicho na parede

do lado direito.

Foi então que a viu. Caída no chão junto ao fundo da igreja. Vittoria! As

pernas nuas estavam torcidas sob o corpo, mas Langdon de alguma forma

pressentiu que ela estava respirando. E não tinha tempo para ajudá-la.

Imediatamente, o matador contornou as fileiras de bancos na extremidade

esquerda da igreja e avançou para ele, implacável. Em uma fração de segundo

Langdon percebeu que não tinha mais saída. O matador levantou a arma e

Langdon fez a única coisa que podia. Rolou o corpo por cima da grade para

dentro do nicho. Ao bater no chão do outro lado, as colunas de mármore da

balaustrada foram atingidas por uma saraivada de balas.

Langdon sentiu-se como um animal encurralado ao recuar para o fundo do

recinto semicircular. Diante dele, a única peça que ocupava aquele espaço parecia

ironicamente oportuna - um sarcófago isolado.

Talvez o meu, pensou. Até a tumba em si era apropriada: uma scàtola - um

pequeno e despojado ataúde de mármore. Um enterro de acordo com o orçamento.

O ataúde estava apoiado em dois blocos de mármore e Langdon examinou a

abertura entre eles tentando calcular se daria para passar por ali.

Passos ecoaram atrás dele.

Sem outra opção em vista, ele se comprimiu contra o chão e rastejou na

direção da tumba. Agarrando os dois suportes de mármore, um em cada mão, deu

impulso como se estivesse nadando de peito e puxou o tronco para dentro da

abertura sob o ataúde. O revólver do homem disparou.

Junto com o estrondo do tiro, Langdon experimentou uma sensação que

nunca tivera em sua vida, a de uma bala passando rente à sua carne. Ouviu o silvo

do ar, igual ao que se escuta depois de uma chicotada, quando a bala raspou sua

pele e depois penetrou no mármore levantando uma nuvem de pó. Com o sangue

brotando, arrastou-se pelo resto do espaço embaixo do ataúde. No final, levantouse

e correu para o outro lado.

Para um beco sem saída.

Langdon estava agora cara a cara com a parede do fundo do nicho, já

convencido de que o espaço exíguo atrás da tumba seria o lugar onde iria cair

morto. E vai ser logo, disse para si ao ver o cano da arma surgir na abertura sob o

sarcófago. O Hassassin segurava o revólver quase encostado no chão, mirando

direto no meio do tronco de Langdon.

Impossível errar.

Um resto de autopreservação apoderou-se do inconsciente de Langdon.

Torceu o corpo e virou-se de barriga, paralelamente ao ataúde. Com o rosto para

baixo, fincou as mãos no chão, o corte do vidro dos arquivos abrindo-se com uma

ferroada. Sem fazer caso da dor, empurrou o corpo para cima de modo

desajeitado, arqueando o estômago e afastando-o do chão no mesmo instante em

que o outro atirou. Dava para sentir a onda de choque das balas passando por

baixo dele e pulverizando o poroso mármore travertino atrás. Fechou os olhos.

Lutando contra a exaustão, Langdon rezou para que o tiroteio parasse.

E parou.

À trovoada de tiros seguiu-se o estalido seco de um tambor vazio.

Langdon abriu os olhos devagar, quase temendo que suas pálpebras

fizessem algum ruído. Com um enorme esforço, apesar da dor que o fazia tremer,

ele manteve a posição, arqueado como um gato. Não se atrevia nem a respirar. Os

tímpanos entorpecidos pelo barulho dos tiros, tentava escutar qualquer sinal que

lhe indicasse que o assassino se fora. Silêncio. Pensou em Vittoria, ansioso para ir

ajudá-la.

O som que se seguiu foi ensurdecedor. Animalesco. Um grito gutural de

esforço.

O sarcófago acima da cabeça de Langdon inclinou-se apoiado em um dos

lados. O corpo de Langdon tombou e a peça de mármore pesando centenas de

quilos oscilou em sua direção. A gravidade superou o atrito e a tampa foi a

primeira a cair, escorregando de cima da tumba e despencando com grande

estrépito ao lado dele. O ataúde veio atrás, soltando-se de seus apoios e caindo

emborcado em cima de Langdon.

Quando o ataúde desceu, Langdon achou que ficaria sepultado no oco

embaixo dele ou seria esmagado por um dos seus lados. Encolhendo as pernas e a

cabeça, ele compactou o próprio corpo e ainda puxou os braços para junto do

tronco. Fechou os olhos na expectativa angustiante.

O ataúde de mármore bateu com força no chão, que sacudiu inteiro. A

borda superior assentara-se a milímetros do alto de sua cabeça, fazendo seus

dentes chacoalharem. Seu braço direito, que Langdon tivera a certeza de que seria

esmigalhado, estava miraculosamente intacto. Abriu os olhos e viu uma faixa de

luz. A borda direita do ataúde não chegara a encostar no chão e ainda estava em

parte apoiada sobre seus suportes. Olhando para cima, contudo, Langdon viu-se

literalmente encarando a morte.

O ocupante original da tumba estava pendurado acima dele, tendo aderido

ao fundo do sarcófago, como costuma acontecer com os corpos em decomposição.

O esqueleto esperou um instante, como um amante cauteloso, e então, crepitante,

pegajoso, sucumbiu à gravidade e despregou-se. O esqueleto precipitou-se para

abraçá-lo, em meio a uma chuva de pó e ossos pútridos que lhe cobriram os olhos

e a boca.

Antes que Langdon pudesse reagir, um braço penetrou na abertura debaixo

do ataúde, coleando por entre a ossada como uma serpente faminta. Tateou até

encontrar o pescoço de Langdon e comprimiu-o.

Langdon tentou lutar contra o punho de ferro que apertava sua garganta,

mas descobriu que a manga esquerda de seu paletó ficara presa sob a borda do

ataúde. Tinha somente um braço livre e o resultado da luta seria uma batalha

perdida.

As pernas de Langdon dobraram-se no único espaço que havia, os pés

procurando apoiar-se no fundo do ataúde acima. Encontrando o apoio, encolheuse

e firmou os pés. A mão em seu pescoço apertou mais forte; ele fechou os olhos

e estendeu as pernas como um aríete. O ataúde moveu-se ligeiramente para o lado,

mas já foi o suficiente.

Com um rangido áspero, o sarcófago deslizou de cima dos suportes e bateu

no chão. A borda de mármore caiu sobre o braço do homem, que soltou uma

exclamação abafada de dor. A mão largou o pescoço de Langdon, contorcendo-se

e sacudindo no escuro. Quando o homem finalmente conseguiu puxar o braço

para fora, o ataúde caiu com um baque definitivo de encontro ao chão liso de

mármore.

Escuridão completa. De novo. E silêncio.

Não houve batidas frustradas do lado de fora do sarcófago virado.

Nenhuma tentativa para levantá-lo.

Nada. Deitado no escuro no meio de uma pilha de ossos, Langdon

procurou desviar o rumo de seus pensamentos.

Vittoria. Será que você está viva?

Se ele soubesse a verdade, a terrível situação em que Vittoria se

encontraria ao acordar, teria desejado, para o próprio bem dela, que estivesse

morta.

CAPÍTULO 94

Sentado na Capela Sistina junto com seus companheiros estarrecidos, o

cardeal Mortati tentava assimilar as palavras que escutava. Diante deles,

iluminado apenas pela luz das velas, o camerlengo acabara de contar uma história

de tamanho ódio e perfídia que Mortati, quando deu por si, estava tremendo. O

camerlengo falou de cardeais seqüestrados, cardeais marcados a fogo, cardeais

assassinados. Falou dos antigos Illuminati, um nome que trazia à memória medos

esquecidos, do ressurgimento deles e de seu juramento de vingança contra a

Igreja. Com a voz cheia de pesar, o camerlengo falou de seu último Papa, vítima

de envenenamento pelos Illuminati. E por fim, num sussurro, falou de uma nova

tecnologia mortal, a antimatéria, que ameaçava destruir toda a Cidade do Vaticano

em menos de duas horas.

Quando terminou, foi como se o próprio satã tivesse sugado todo o ar do

ambiente. Ninguém se mexia. As palavras do camerlengo pairavam na penumbra.

O único som que Mortati ouvia agora era o zumbido inusitado de uma

câmera de TV ao fundo, uma presença eletrônica que nenhum conclave na história

jamais tolerara, mas uma presença exigida pelo camerlengo. Para espanto

completo dos cardeais, o camerlengo entrara na Capela Sistina com dois

repórteres da BBC - um homem e uma mulher - e anunciara que eles transmitiriam

seu pronunciamento solene ao vivo para o mundo.

Agora, falando diretamente para a câmera, o camerlengo deu um passo à

frente.

- Aos Illuminati - disse ele, a voz mais grave - e aos homens de ciência,

deixem que lhes diga uma coisa - e fez uma pausa. - Vocês ganharam a guerra.

O silêncio espalhara-se agora pelos recônditos mais profundos da capela.

Mortati ouvia a batida desesperada de seu próprio coração.

- As engrenagens estão em movimento há muito tempo - disse o

camerlengo. - Sua vitória foi inevitável.

Nunca antes isto ficou tão evidente quanto neste momento. A ciência é o

novo Deus.

O que ele está dizendo!, pensou Mortati. Será que enlouqueceu? O mundo

inteiro está escutando isso!

- Medicina, comunicações eletrônicas, viagens espaciais, manipulação

genética, estes são os milagres sobre os quais agora falamos às nossas crianças.

Estes são os milagres que alardeamos como prova de que a ciência nos trará as

respostas. As histórias antigas de concepções imaculadas e mares que se abrem

não são mais relevantes. Deus ficou obsoleto. A ciência venceu a batalha. Nós nos

rendemos.

Um rumor de confusão e perplexidade agitou a capela.

- Mas a vitória da ciência - o camerlengo acrescentou, a voz se

intensificando - nos custou caro. Custou muito caro para cada um de nós.

Silêncio.

- A ciência pode ter aliviado os sofrimentos das doenças e dos trabalhos

enfadonhos e fatigantes, pode ter proporcionado uma série de aparelhos

engenhosos para nossa conveniência e distração, mas deixou-nos em um mundo

sem deslumbramento. Nossos crepúsculos foram reduzidos a comprimentos de

ondas e freqüências. As complexidades do universo foram desmembradas em

equações matemáticas. Até o nosso amor-próprio de seres humanos foi destruído.

A ciência proclama que o planeta Terra e seus habitantes são um cisco

insignificante no grande plano. Um acidente cósmico - e aqui o camerlengo fez

uma pausa. - Até a tecnologia que promete nos unir, ao contrário, só nos divide.

Cada um de nós está hoje eletronicamente conectado ao globo inteiro e,

entretanto, todos nos sentimos sós. Somos bombardeados pela violência, pela

divisão, pela desintegração e pela traição. O ceticismo passou a ser uma virtude. O

cinismo e a exigência de provas para tudo converteram-se em pensamento

esclarecido. Alguém ainda se admira que as pessoas hoje se sintam mais

deprimidas e derrotadas do que em qualquer outra ocasião da história do homem?

Será que existe alguma coisa que a ciência considere sagrada? A ciência procura

respostas usando fetos não-nascidos como material de pesquisa. A ciência até se

atreve a reorganizar nosso DNA. Despedaça o mundo de Deus em parcelas cada

vez menores em busca de significados e só encontra mais perguntas.

Mortati assistia a tudo cheio de assombro. O camerlengo falava de modo

quase hipnótico agora. Possuía um vigor físico nos movimentos e na voz que

Mortati jamais presenciara em um altar do Vaticano. Suas palavras vinham

impregnadas de convicção e de tristeza.

- A velha guerra entre a ciência e a religião está encerrada - disse o

camerlengo. - Vocês venceram. Mas não venceram honestamente. Não venceram

fornecendo respostas. Venceram redirecionando nossa sociedade de modo tão

radical que as verdades que outrora víamos como diretrizes agora parecem

inaplicáveis. A religião não tem capacidade para acompanhar isto. O crescimento

científico é exponencial. Alimenta-se de si mesmo como um vírus. Cada novo

avanço abre caminho para outros novos avanços. A humanidade levou milhares de

anos para evoluir da roda para o carro. E apenas décadas do carro para o espaço.

Atualmente, calculamos por semana o progresso científico. Estamos

girando fora de controle, O abismo entre nós se aprofunda sem parar e, à medida

que a religião vai ficando para trás, as pessoas se vêem em um vazio espiritual.

Imploramos pelo sentido das coisas. E, acreditem, imploramos de fato. Vemos

OVNIS, freqüentamos médiuns, buscamos contato com os espíritos, experiências

extracorpóreas, uso do poder mental - todas essas idéias excêntricas têm um

verniz científico, mas são descaradamente irracionais. São o grito desesperado da

alma moderna, solitária e atormentada, deformada por seu próprio esclarecimento

e por sua incapacidade de aceitar que haja sentido em qualquer coisa que seja

estranha à tecnologia.

Mortati reparou que, involuntariamente, se inclinara para a frente em seu

assento. Ele, os outros cardeais e gente do mundo inteiro estavam presos a cada

palavra daquele padre. O camerlengo falava sem empregar qualquer retórica ou

virulência. Não fazia referências à Bíblia ou a Jesus Cristo. Usava termos

modernos, sem enfeites, despojados. De certa forma, como se as palavras fluíssem

do próprio Deus, ele utilizava uma linguagem moderna para transmitir a

mensagem antiga. Naquela hora, Mortati entendeu uma das razões por que o

falecido Papa apreciava tanto aquele moço. Em um mundo de apatia, cinismo e

deificação tecnológica, homens como o camerlengo, realistas que sabiam falar às

nossas almas como ele acabara de fazer, eram a única esperança da Igreja.

O tom do camerlengo ficou mais veemente.

- A ciência, dizem vocês, vai nos salvar. A ciência, digo eu, nos destruiu.

Desde o tempo de Galileu, a Igreja vem tentando diminuir o ritmo da marcha

implacável da ciência, às vezes por meios equivocados, mas sempre com

intenções benéficas. Ainda assim, as tentações são grandes demais para o homem

resistir. Previno-os, olhem em torno de si. As promessas da ciência não foram

mantidas. As promessas de eficiência e simplicidade resultaram somente em

poluição e caos. Somos uma espécie despedaçada e frenética, seguindo um

caminho que leva à destruição.

O camerlengo fez uma pausa prolongada e então olhou para a câmera com

uma expressão penetrante.

- Quem é esse deus-ciência? Quem é esse deus que oferece poder a seu

povo, mas nenhuma estrutura moral para lhe dizer como usar este poder? Que tipo

de deus dá fogo a uma criança, mas não a avisa sobre seus perigos? A linguagem

da ciência não vem com diretrizes sobre o bem e o mal. Os livros científicos

explicam-nos como criar uma reação nuclear, mas não têm nenhum capítulo

discutindo se é uma boa ou má idéia.

- À ciência, quero dizer o seguinte: a Igreja está cansada. Estamos exaustos

de tanto tentar ser uma diretriz para o mundo. Nossos recursos estão esgotados por

sermos a voz do equilíbrio enquanto vocês se atiram de cabeça em sua busca por

chips menores e lucros maiores. Nem perguntamos por que vocês não se

controlam, pois como poderiam? Seu mundo anda tão depressa que, se pararem

por um instante que seja para refletir sobre as implicações de seus atos, alguém

mais eficiente pode ultrapassá-los em um piscar de olhos. Por isso, vocês vão em

frente. Promovem o aumento das armas de destruição em massa, mas é o Papa

quem tem de viajar pelo mundo suplicando aos líderes que tenham prudência.

Clonam criaturas vivas, mas é a Igreja que tem de lembrar a necessidade de

considerarmos as implicações morais de nossos atos. Incentivam as pessoas a

interagir através de telefones, telas de vídeo e computadores, mas é a Igreja que

abre suas portas e nos lembra de comungar aqui, no mundo real, que é como se

deve fazer. Vocês até matam bebês que ainda não nasceram em nome de

pesquisas que salvarão vidas. Mais uma vez, cabe à Igreja comprovar a falácia de

tal raciocínio.

- E, o tempo todo, vocês proclamam que a Igreja é ignorante. Quem é mais

ignorante, porém? O homem que não sabe definir o raio que cai durante um

temporal ou o que não respeita seu poder admirável? Esta igreja está tentando

chegar a vocês. Está tentando chegar a todas as pessoas. E, todavia, quanto mais

tentamos, mais vocês nos repelem. Mostrem-nos uma prova da existência de

Deus, dizem vocês. E eu respondo, usem seus telescópios para olhar o céu e me

digam como é possível não haver um Deus! - O camerlengo tinha lágrimas nos

olhos. - Vocês perguntam com que Deus se parece, e eu, por minha vez, pergunto

também: de onde vem essa pergunta? A resposta é uma só, a resposta é a mesma.

Não vêem Deus em sua ciência? Como podem deixar de vê-Lo! Vocês proclamam

que a menor alteração na força da gravidade ou no peso de um átomo teria

convertido nosso universo em uma névoa sem vida em vez do magnífico mar de

corpos celestes que contemplamos, e ainda assim deixam de ver a mão de Deus

nisso? Será que é mesmo tão mais fácil acreditar que escolhemos a carta certa em

um baralho em que há bilhões delas? Será que estamos tão falidos espiritualmente

que preferimos acreditar numa impossibilidade matemática e não em um poder

maior do que nós?

- Se vocês acreditam em Deus ou não - disse o camerlengo, a voz mais

grave e carregada de deliberação -,têm de acreditar nisto: quando nós, como

espécie, abandonamos a confiança em um poder maior do que nós, abandonamos

também nossa noção da obrigatoriedade de prestar contas. A fé, todas as formas

de fé, são advertências de que existe algo que não podemos compreender, algo a

que temos de responder. Com fé, prestamos contas uns aos outros, a nós mesmos e

a uma verdade maior. A religião é falha, mas só porque o homem é falho. Se o

mundo exterior pudesse ver esta igreja como eu vejo, além do ritual de dentro

dessas paredes, veria um milagre moderno, uma fraternidade de almas imperfeitas

e simples, querendo apenas ser uma voz de compaixão em um mundo do qual se

está perdendo o controle.

O camerlengo fez um gesto para o Colégio dos Cardeais e a cinegrafista da

BBC instintivamente o acompanhou, focalizando a multidão de cardeais.

- Somos mesmo obsoletos? - perguntou o camerlengo? - Será que esses

homens são mesmo dinossauros? Será que eu também sou? Será que o mundo

realmente precisa de uma voz para os pobres, os fracos, os oprimidos, para as

crianças que ainda não nasceram? Será que realmente precisamos de almas como

essas que, apesar de imperfeitas, passam a vida nos implorando para seguirmos as

diretrizes da moralidade e não nos extraviarmos de nosso caminho?

Mortati percebeu que o camerlengo, conscientemente ou não, estava

realizando uma brilhante manobra. Ao mostrar os cardeais, estava personalizando

a Igreja. A Cidade do Vaticano não era mais uma construção, era feita de gente -

gente como o camerlengo, que passara a vida a serviço do bem.

- Esta noite, estamos à beira de um precipício - disse o camerlengo.

- Nenhum de nós pode se dar ao luxo da indiferença. Quer encarem toda

essa maldade como Satã, corrupção ou imoralidade, o fato é que as forças do mal

estão vivas e crescendo a cada dia. Não as ignorem. - O camerlengo baixou a voz

a um sussurro e a câmera se aproximou. - As forças são poderosas, mas não são

invencíveis, O bem pode prevalecer. Ouçam a voz de seus corações. Ouçam a voz

de Deus. Juntos, podemos recuar deste abismo.

E Mortati enfim compreendeu. Aquela era a razão. O conclave fora

violado, mas era o único jeito. O camerlengo fizera um dramático e desesperado

pedido de ajuda. Dirigira-se não só a seu inimigo como também a seus amigos.

Estava rogando a todos, amigos ou inimigos, que compreendessem e parassem

com aquela loucura. Com certeza, alguém que estivesse escutando perceberia a

insanidade daquela trama e tomaria uma atitude.

O camerlengo ajoelhou-se no altar.

- Rezem comigo.

O Colégio dos Cardeais caiu de joelhos para unir-se ao camerlengo em

uma prece. Lá fora, na Praça de São Pedro e em todos os países, o mundo aturdido

ajoelhou-se junto com eles.

CAPÍTULO 95

O Hassassin deitou seu troféu inconsciente na traseira do furgão e levou

uns instantes examinando o corpo estendido. Não era tão bonita quanto as

mulheres que comprava, mas tinha um vigor animal que o excitava. O corpo era

radioso, orvalhado de transpiração. E cheirava a almíscar.

Parado ali saboreando sua recompensa, ele ignorava o braço que latejava.

O ferimento causado pela queda do sarcófago, embora doloroso, era

insignificante. Valia bem a compensação que se encontrava diante dele.

Consolava-o pensar que o americano que lhe fizera aquilo provavelmente estaria

morto àquela altura.

Contemplando sua prisioneira inerte, o Hassassin visualizava o que o

esperava. Correu a palma da mão sob a blusa dela. Os seios pareciam perfeitos

sob o sutiã. Sim, sorriu. Você valeu muito a pena.

Lutando contra a vontade de possuí-la de imediato, ele fechou a porta,

sentou-se ao volante e desapareceu na noite.

Não havia necessidade de alertar a imprensa sobre aquela última morte: as

labaredas do incêndio fariam isso por ele.

No CERN, Sylvie estava sob o efeito atordoante da fala do camerlengo.

Nunca antes se sentira tão orgulhosa de ser católica e, ao mesmo tempo, tão

envergonhada de trabalhar no CERN. Ao sair do setor de lazer, reparou que a

atmosfera em cada uma das salas era sombria e desconcertada. Quando voltou

para o escritório de Kohler, as sete linhas de telefone estavam tocando. As

ligações dos meios de comunicação nunca eram encaminhadas direto para a sala

do diretor, portanto as chamadas só podiam ter um motivo.

Geld. Dinheiro.

A tecnologia da antimatéria já tinha pretendentes.

No Vaticano, Gunther Glick estava nas nuvens enquanto seguia o

camerlengo na saída da Capela Sistina.

Ele e Macri tinham acabado de fazer a transmissão ao vivo da década. E

que transmissão extraordinária.

O camerlengo fora fascinante.

Já no saguão, o camerlengo virara-se para Glick e Macri:

- Pedi à Guarda Suíça para reunir algumas fotografias para vocês, tanto dos

cardeais marcados a fogo quanto uma de Sua Santidade. Devo preveni-los de que

não são imagens agradáveis. Queimaduras medonhas, língua negra. Mas gostaria

que as divulgassem para o mundo.

Ele quer que eu divulgue uma foto exclusiva do Papa morto?

- O senhor quer mesmo? - perguntou Glick, procurando não demonstrar sua

animação.

O camerlengo balançou a cabeça.

- A Guarda Suíça também vai lhe fornecer uma gravação ao vivo do tubo

de antimatéria em contagem regressiva.

Glick estava pasmo.

- Os Illuminati estão prestes a descobrir - declarou o camerlengo - que

jogara pesado demais.

CAPÍTULO 96

Como um tema recorrente em uma sinfonia demoníaca, a sufocante

escuridão estava de volta.

Sem luz. Sem ar. Sem saída.

Langdon estava preso debaixo do sarcófago emborcado e sentia sua mente

derivar perigosamente para o limiar da sanidade. Tentando desviar seus

pensamentos para outro rumo além do espaço apertado em torno dele, forçava a

sua cabeça a se ocupar com algum processo lógico - matemática, música, qualquer

coisa. Mas não havia lugar para pensamentos calmantes. Não posso me mexer!

Não posso respirar!

A manga presa de seu paletó felizmente se soltara quando o ataúde caíra,

deixando-o com mobilidade nos dois braços. Mesmo assim, ao empurrar para

cima o teto de sua cela minúscula, esta permaneceu imóvel.

Teria sido melhor ficar com a manga presa, que talvez deixasse uma fresta

para o ar entrar.

Quando tentou empurrar outra vez, sua manga escorregou e revelou o

brilho de um velho amigo. Mickey.

A carinha esverdeada de desenho animado olhava-o, zombeteira.

Langdon examinou a escuridão tentando distinguir algum outro vestígio de

claridade, mas a borda do ataúde ajustava-se perfeitamente ao chão. Esses

desgraçados desses italianos perfeccionistas, praguejou ele; agora estava em

perigo por causa da mesma excelência artística que ensinava seus alunos a

reverenciar: acabamentos impecáveis, paralelos perfeitos e, claro, só o mármore

de Carrara mais resistente e sem falhas.

A precisão às vezes pode ser sufocante.

- Levante essa droga - disse em voz alta, empurrando com mais força

através do emaranhado de ossos. A tumba deslocou-se ligeiramente. Cerrando a

mandíbula, tentou levantá-la de novo. Tinha a impressão de estar suspendendo

uma pedra enorme, mas dessa vez o ataúde subiu alguns milímetros. Uma

luminosidade fugidia cercou-o e depois o ataúde tombou com um baque seco.

Langdon ficou arquejando no escuro.

Tentou usar as pernas como fizera antes, mas, com o ataúde inteiramente

encostado no chão, não havia espaço nem para esticar seus joelhos.

Invadiu-o um pânico claustrofóbico e Langdon foi assoberbado por

imagens do sarcófago encolhendo em torno dele. Pressionado pelo delírio,

combateu a ilusão com todos os restos de lógica intelectual que ainda possuía.

- Sarcófago - enunciou em voz alta, com o máximo de esterilidade

acadêmica que conseguiu arranjar. No entanto, até a erudição parecia estar contra

ele. Sarcófago vem do grego sarx, significando carne, e phagein, que quer dizer

"comer' Estou preso em uma caixa literalmente criada para "comer carne'

As imagens de carne sendo devorada até o osso serviram apenas de sinistro

lembrete para o fato de que Langdon estava coberto de restos humanos. A

consciência disto deu-lhe náuseas e calafrios. Mas também lhe deu uma idéia.

Remexendo às cegas dentro do caixão, Langdon encontrou um pedaço de

osso. Uma costela, talvez? Não importava o que fosse. O que ele queria era uma

cunha. Se conseguisse levantar o caixão, nem que fosse uma pequena fresta, e

enfiar o fragmento de osso entre a borda e o chão, talvez a quantidade de ar fosse

suficiente para...

Com uma das mãos firmando o pedaço estreito de osso entre a borda e o

chão, ele estendeu a outra mão e empurrou. O ataúde não se moveu. Nem um

pouco. Langdon tentou de novo. Por um instante o ataúde pareceu tremer

ligeiramente, mas foi tudo.

O mau cheiro da decomposição e a falta de oxigênio já lhe tirando as

forças, ele percebeu que só tinha tempo para mais uma tentativa. E que precisaria

dos dois braços.

Reorganizou-se e colocou o pedaço alongado de osso de encontro à borda,

deslocou um pouco o tronco e escorou o osso firmemente com o ombro. Com

cuidado para não tirá-lo do lugar, levantou os dois braços. Sentiu o recinto

abafado começar a asfixiá-lo e uma onda de pânico intenso apoderou-se dele. Era

a segunda vez naquele dia que ficava preso em um local sem ar. Gritando, deu um

empurrão para cima num movimento de explosão. O ataúde ergueu- se por uma

fração de segundo. Foi o bastante. O pedaço de osso que prendera com o ombro

encaixou-se no espaço que se abriu. Quando o ataúde tombou de novo, o osso se

espatifou. Mas dava para ver que ainda havia uma escora. Um filete de luz

aparecia sob a borda.

Extenuado, Langdon soltou o corpo. Torcendo para que a sensação de

estrangulamento em sua garganta passasse, ele esperou. Entretanto, a sensação só

piorou. O ar que penetrava através da minúscula fresta parecia imperceptível.

Langdon pensava se daria para mantê-lo vivo. E, se desse, por quanto tempo? Se

ele desmaiasse, quem descobriria que estava ali?

Levantou o braço, que pesava como chumbo, e olhou o relógio outra vez:

10h12 da noite. Os dedos trêmulos, ajustou o relógio e deu sua última

cartada. Torceu um dos pequeninos ponteiros e apertou um botão.

À medida que a consciência se esvaía e as paredes da tumba o

comprimiam, os velhos medos o assaltaram.

Tentou imaginar que se encontrava em um campo aberto. A cena que lhe

ocorreu, porém, não ajudava em nada. O pesadelo que o assombrara desde

pequeno voltou com toda a força.

As flores aqui parecem pinturas, pensou a criança, sorridente, correndo

pela campina. Pena que seus pais não estavam ali também. Os dois tinham ficado

instalando o acampamento.

- Não vá muito longe - dissera sua mãe.

Ele fingiu não ter ouvido enquanto se afastava aos saltos pela mata.

Agora, atravessando aquele campo magnífico, o menino encontrou pedras

empilhadas.

Imaginou que fossem fundações de alguma casa de campo abandonada.

Não se aproximaria. Sabia que era melhor. Além disso, seus olhos tinham sido

atraídos para outra coisa: uma esplêndida orquídea selvagem, a flor mais rara e

bonita de New Hampshire. Só a vira nos livros.

Empolgado, aproximou-se da flor. Ajoelhou-se ao lado dela. O solo estava

fofo, mole. Viu que a flor havia encontrado um lugar muito fértil para germinar.

Brotara de um pedaço de madeira podre.

Entusiasmado pela idéia de levar aquela maravilha para casa, o menino

estendeu o braço, os dedos prestes a alcançar o caule da flor.

Que nem chegou a tocar.

Com um barulho assustador, a terra cedeu.

Nos segundos do vertiginoso terror da queda, ele achou que iria morrer.

Preparou-se para o choque que lhe quebraria os ossos. Quando aconteceu, não

houve dor. Só maciez.

E frio.

Bateu na água profunda primeiro com a cabeça, mergulhando no estreito

negrume.

Rodopiando em saltos desorientados, tateou as paredes escorregadias que o

cercavam por todos os lados. De alguma forma, talvez por instinto, manteve-se na

superfície.

Luz.

Fraca. Lá no alto. A quilômetros de distância, parecia.

Seus braços curvavam-se e agarravam a água, procurando nas paredes do

buraco um ponto onde se agarrar. Só encontrava pedras lisas. Caíra através da

tampa apodrecida de um poço abandonado. Gritou pedindo socorro, mas seus

gritos reverberavam na cavidade apertada. Gritou várias vezes. Acima de sua

cabeça, o buraco de madeira arrebentada foi escurecendo.

Caiu a noite.

O tempo parecia deformar-se na escuridão. O corpo ficou dormente dentro

da água em que ele boiava, nas profundezas, chamando, gritando. Tinha visões

torturantes das paredes caindo e enterrando-o vivo. Seus braços ardiam de fadiga.

Algumas vezes achou que ouvia vozes. Gritou, mas sua voz não saía.., como nos

sonhos.

À medida que a noite passava, mais o poço se aprofundava. As paredes

aproximavam-se pouco a pouco. O menino apertava o corpo de encontro às

pedras, empurrando-as.

Esgotado, queria desistir. Entretanto, sentia a água sustentando-o, esfriando

aos poucos o ardor de seus medos até entorpecê-lo.

Quando a equipe de resgate chegou, encontraram-no quase inconsciente.

Mantivera-se à tona durante cinco horas. Dois dias depois, o Boston Globe

publicou uma matéria de primeira página cujo título era "O Pequeno Nadador que

Conseguiu”.

CAPÍTULO 97

O Hassassin sorriu quando entrou com seu furgão na colossal estrutura de

pedra junto ao rio Tibre. Carregou sua presa escada acima, cada vez mais alto pelo

túnel também de pedra, satisfeito por sua carga ser leve. Chegou à porta.

A Igreja da Iluminação, regozijou-se. A antiga sala de encontros dos

Illuminati. Quem imaginaria que ficava ali?

Lá dentro, deitou-a em um sofá macio. Em seguida, amarrou com

habilidade os braços dela atrás das costas e atou-lhe os pés. Sabia que aquilo por

que ansiava teria de esperar até que sua última tarefa estivesse terminada. Água.

Ainda assim, pensou, podia se permitir um momento. Ajoelhou-se junto a

ela e correu a mão por sua coxa.

Era macia. A mão subiu. Mais. Seus dedos escuros penetraram sob a

bainha do short dela. Mais.

Ele parou. Paciência, disse a si mesmo, sentindo-se excitado. Ainda há

trabalho a fazer.

Encaminhou-se para a alta sacada do aposento. A brisa da noite lentamente

esfriou seu ardor. Muito abaixo, o Tibre corria, vociferante. Levantou os olhos

para o domo de São Pedro, a pouco mais de um quilômetro dali, desnudo sob o

clarão das luzes da imprensa.

- Sua hora final - disse em voz alta, pensando nos milhares de muçulmanos

massacrados durante as Cruzadas. - À meia-noite, vão encontrar seu Deus.

Atrás dele, a mulher se mexeu. O Hassassin se virou. Ponderou se a

deixaria acordar. Ver o terror nos olhos das mulheres era o seu melhor

afrodisíaco.

Optou pela prudência, pois seria melhor que ela ficasse inconsciente

enquanto ele estava fora. Embora estivesse amarrada e nunca fosse escapar, o

Hassassin não queria voltar e encontrá-la exausta de tanto lutar. Quero sua força

preservada para mim.

Levantou um pouco a cabeça dela, colocou a palma da mão na parte

posterior de seu pescoço e encontrou a depressão logo abaixo do crânio. Aquele

meridiano era um ponto de pressão que ele já usara inúmeras vezes. Com força

esmagadora, comprimiu o polegar contra a cartilagem macia e sentiu-a afundar. O

corpo da mulher afrouxou de imediato. Vinte minutos, pensou. Ela seria um final

tentador para um dia perfeito.

Depois que ela o servisse e ele a matasse, o Hassassin iria para a sacada

assistir aos fogos de artifício do Vaticano à meia-noite.

Água. Seria o último.

Retirando uma tocha da parede como já fizera três vezes antes, começou a

aquecer a ponta do objeto.

Quando estava em brasa, levou-o para a cela.

Dentro, um único homem estava em silêncio. Velho e solitário.

- Cardeal Baggia - sibilou o matador. - Já rezou?

Os olhos do italiano não demonstravam medo.

- Só pela sua alma.

CAPÍTULO 98

Os seis pompieri destacados para o incêndio de Santa Maria della Vittoria

apagaram a fogueira no meio da igreja com jatos de gás Halon. Água seria mais

barato, mas o vapor que produzia teria estragado os afrescos na igreja e o

Vaticano pagava caro aos pompieri romanos para a prestação de serviços com

rapidez e prudência em todas as construções de sua propriedade.

Os pompieri, pela natureza de seu trabalho, presenciavam tragédias quase

diariamente, mas a execução perpetrada dentro daquela igreja foi algo que

nenhum deles jamais esqueceria. Ao mesmo tempo crucificação, enforcamento e

queima na fogueira, a cena parecia ter saído de um pesadelo gótico.

Infelizmente, a imprensa, como de costume, chegara antes dos bombeiros.

Já tinham feito inúmeras gravações antes que os pompieri esvaziassem a igreja.

Quando enfim os bombeiros desceram a vítima e deitaram-na no chão, todos

sabiam de quem se tratava.

- Cardinale Guidera - murmurou um deles -, di Barcelona.

O homem estava nu. A metade inferior de seu corpo estava toda queimada,

escarlate e negra, o sangue escorrendo de rachaduras abertas nas coxas. Do joelho

para baixo, os ossos das pernas estavam expostos.

Um dos bombeiros vomitou. Outro teve de sair para tomar ar.

O maior horror, contudo, era o símbolo marcado a fogo no peito do

cardeal. O chefe dos bombeiros contornou o corpo, amedrontado. Lavoro del

diavolo, dizia para si. Feito pelo próprio diabo. E fez o sinal-da-cruz pela primeira

vez desde a infância.

- Un' altro corpo! - gritou alguém. Um dos bombeiros encontrara outro

corpo.

O chefe reconheceu imediatamente a segunda vítima. O austero

comandante da Guarda Suíça era um homem por quem poucos dos responsáveis

pela manutenção da lei e da ordem na cidade sentiam qualquer afeto. O chefe

telefonou para o Vaticano, mas todas as linhas estavam ocupadas. Sabia que não

era necessário. A Guarda Suíça receberia a notícia pela televisão em questão de

minutos.

Enquanto avaliava os estragos e tentava reconstituir o que poderia ter

acontecido ali, o chefe viu um nicho crivado de furos de balas. Uma tumba estava

virada no chão, provavelmente caíra de cima de seus suportes durante alguma

luta. O lugar estava um caos. Isso é trabalho para a polícia e para a Santa Sé,

pensou o chefe, dando as costas para aquela confusão.

Assim que se virou, entretanto, ele parou. Ouviu um som que vinha de

dentro do ataúde. Um som que todo bombeiro tinha pavor de ouvir.

- Bomba! - bradou ele. - Tutti fuori!

Quando os membros do esquadrão antibombas desviraram o caixão, porém,

descobriram a origem do bipe eletrônico. Desnorteados, ficaram parados, olhando.

- Mèdico! - um deles finalmente gritou. - Mèdico!

CAPÍTULO 99

- Alguma notícia de Olivetti? - perguntou o camerlengo com aparência

esgotada, quando Rocher o acompanhava da Capela Sistina para o escritório do

Papa.

- Não, signore. Temo que tenha acontecido o pior.

Quando chegaram ao escritório do Papa, a voz do camerlengo estava

pesada.

- Capitão, acho que não há muito mais que eu possa fazer aqui esta noite.

Receio que já tenha feito até demais. Vou entrar neste escritório para rezar.

Gostaria de não ser incomodado. O resto está nas mãos de Deus.

- Sim, signore.

- Já é tarde, capitão. Encontre aquele tubo.

- Nossa busca prossegue. - Rocher hesitou. - Parece que a arma está muito

bem escondida.

O camerlengo teve um estremecimento, como se não conseguisse pensar no

assunto.

- É verdade. Às 11h15 exatamente, se a igreja ainda estiver em perigo,

quero que você retire daqui os cardeais. Estou colocando a segurança deles em

suas mãos. Peço apenas uma coisa: que esses homens possam sair deste lugar com

dignidade. Faça-os sair para a Praça de São Pedro para ficar lado a lado com o

resto do mundo. Não quero que a última imagem desta igreja seja a de um bando

de velhos assustados esgueirando-se por uma porta dos fundos.

- Muito bem. E o signore? Devo vir buscá-lo também à mesma hora?

- Não será preciso.

- Como assim?

- Vou sair quando tiver espírito para isso.

Rocher refletiu que talvez o camerlengo pretendesse afundar com o navio.

O camerlengo abriu a porta do escritório do Papa e entrou.

- Na verdade... - disse ele, virando-se. - Há uma coisa.

- Signore?

- Parece que há uma friagem neste escritório esta noite. Estou tremendo.

- O aquecimento elétrico está desligado. Permita que acenda a lareira para

o senhor.

O camerlengo deu um sorriso cansado.

- Obrigado, muito obrigado.

Rocher saiu do escritório do Papa deixando o camerlengo rezando à luz da

lareira diante de uma estatueta da Virgem Maria. Era uma cena soturna. Uma

sombra negra ajoelhada na luminosidade bruxuleante.

Quando Rocher cruzava o saguão, um guarda apareceu, correndo em sua

direção. Mesmo à luz de velas, Rocher reconheceu o tenente Chartrand. Jovem,

inexperiente e empenhado.

- Capitão - chamou Chartrand, segurando um telefone celular. - Acho que o

pronunciamento do camerlengo deu resultado. Há uma pessoa aqui ao telefone

que diz ter informações que podem nos ajudar. Ligou para uma das linhas

particulares do Vaticano. Não sei como ele conseguiu o número.

Rocher se deteve.

- O quê?

- Ele disse que só vai falar com o oficial superior.

- Alguma notícia de Olivetti?

- Não, senhor.

Ele apanhou o telefone.

- Aqui é o capitão Rocher. Sou o oficial superior no momento.

- Rocher - disse a voz. - Vou explicar a você quem sou eu. Depois, vou lhe

dizer o que tem de fazer.

Quando o interlocutor se calou e desligou, Rocher ficou estático. Agora

sabia de quem estava recebendo ordens.

No CERN, Sylvie Baudeloque tentava freneticamente dar conta de todos os

pedidos de licença que chegavam no correio de voz de Kohler. A linha particular

na mesa do diretor começou a tocar, sobressaltando-a. Ninguém tinha aquele

número. Ela atendeu.

- Sim?

- Senhorita Baudeloque? Aqui é o diretor Kohler. Entre em contato com

meu piloto. Meu jato tem de estar preparado para decolar em cinco minutos.

CAPÍTULO 100

Robert Langdon não sabia onde estava nem quanto tempo ficara

inconsciente quando abriu os olhos e deu com o interior de uma cúpula barroca

coberta de afrescos. Havia fumaça ondulando lá em cima. Algo cobria sua boca.

Uma máscara de oxigênio. Ele a puxou. Um cheiro horrível pairava no ambiente -

de carne queimada.

Langdon contraiu-se, a cabeça latejando. Tentou sentar-se. Um homem de

branco estava ajoelhado junto dele.

- Riposati! - disse o homem, fazendo Langdon voltar a se deitar. - Sono il

paramédico.

Langdon obedeceu, a cabeça girando como a fumaça no alto. Que diabos

aconteceu? Sensações tênues de pânico passavam rápidas por sua mente.

- Sórcio salvatore - disse o paramédico. - Ratinho salvador.

Langdon ficou ainda mais perdido. Ratinho salvador?

O homem apontou para o relógio do Mickey Mouse no pulso de Langdon.

Os pensamentos dele começaram a clarear. Lembrou-se ter preparado o alarme do

relógio. Olhando distraído para o mostrador, viu também a hora: 10h28.

Sentou-se de repente.

Então, tudo lhe voltou à memória.

Langdon estava perto do altar-mor com o chefe dos bombeiros e alguns dos

seus homens. Eles o bombardeavam de perguntas. Ele não escutava. Tinha suas

próprias perguntas. Seu corpo inteiro doía, mas ele sabia que precisava agir

depressa.

Um pompiero aproximou-se dele vindo do outro lado da igreja.

- Verifiquei de novo, senhor. Os únicos corpos que encontramos foram os

do cardeal Guidera e do comandante da Guarda Suíça. Não há nem sinal de uma

mulher aqui.

- Grazie - disse Langdon, entre aliviado e assustado. Sabia que vira Vittoria

caída no chão, inconsciente.

Agora, ela havia desaparecido. A única explicação para isso não era nada

reconfortante. O matador não fora nem um pouco sutil ao telefone. "Uma mulher

de fibra. Estou excitado. Talvez, antes que esta noite acabe, eu encontre você. E

quando isto acontecer..."

Langdon olhou em torno.

- Onde está a Guarda Suíça?

- Ainda não conseguimos entrar em contato com eles. As linhas telefônicas

do Vaticano estão todas ocupadas.

Langdon sentiu-se prostrado e sozinho. Olivetti estava morto. O cardeal

morrera. Vittoria sumira. Meia hora de sua vida desaparecera em um piscar de

olhos.

Lá fora ouvia-se o alvoroço da imprensa. Desconfiava que as imagens da

horripilante morte do terceiro cardeal estariam no ar em breve, se é que já não

estavam. Langdon esperava que o camerlengo tivesse admitido o impasse e

começado a agir. Esvaziem a droga do Vaticano! Chega de esconde-esconde! Nós

perdemos!

Langdon então se conscientizou de que todos os elementos catalisadores

que o vinham mobilizando - ajudar a salvar a Cidade do Vaticano, resgatar os

quatro cardeais, ver de perto a fraternidade que ele estudara durante tantos anos -

tinham se evaporado de sua cabeça. A guerra estava perdida. Uma nova

compulsão acendera-se dentro dele. Simples. Inflexível. Primordial.

Encontrar Vittoria.

Sentia um inesperado vazio dentro de si. Sempre ouvira falar que situações

intensas às vezes uniam mais duas pessoas do que décadas de convivência. Agora

acreditava naquilo. Com a ausência de Vittoria, experimentava algo que há anos

não sentia. Solidão. E o sentimento doloroso deu-lhe forças.

Afastando tudo o mais de sua mente, Langdon procurou concentrar-se.

Rezava para que o Hassassin cuidasse da obrigação antes do prazer. Senão,

Langdon sabia que seria tarde demais. Não, disse consigo, você tem tempo. O

captor de Vittoria ainda tinha trabalho a fazer. Precisava mostrar-se uma última

vez antes de desaparecer para sempre.

O último altar da ciência, pensou Langdon. O matador tinha uma

derradeira tarefa a cumprir. Terra.

Ar. Fogo. Água.

Olhou para o relógio. Trinta minutos. Passou pelos bombeiros em direção

ao Êxtase de Santa Teresa. Dessa vez, diante do marco de Bernini, não tinha

dúvidas sobre o que estava procurando.

Que os anjos o guiem em sua busca sublime...

Acima da santa reclinada, diante de um fundo de chamas douradas, pairava

o anjo de Bernini. Na mão dele, uma lança pontiaguda de fogo. Langdon seguiu a

direção da lança, um arco que indicava o lado direito da igreja. Seus olhos deram

com a parede. Examinou o local para onde a lança apontava. Não havia nada ali.

Ele sabia, claro, que a lança apontava para um lugar muito além da parede da

igreja, no meio da noite de Roma.

- Que direção é aquela? - perguntou Langdon ao chefe dos bombeiros com

renovada determinação.

- Direção? - o chefe olhou, sem compreender bem, para onde Langdon

apontava. - Não estou bem certo.

Oeste, acho.

- Que igrejas ficam naquela direção?

O chefe ficou ainda mais confuso.

- Há dezenas delas. Por quê?

Langdon fez uma careta. Claro que havia dezenas.

- Preciso de um mapa da cidade. Agora mesmo.

O chefe mandou alguém correndo ao caminhão dos bombeiros buscar um

mapa.

Langdon virou-se para a estátua. Terra... Ar... Fogo... VITTORIA.

O marco final é o da Água, disse a si mesmo. A Água de Bernini. Estava

em uma daquelas igrejas lá fora. Uma agulha no palheiro. Vasculhou sua mente

passando em revista todas as obras de Bernini de que se lembrava. Preciso de um

tributo à Água!

Ocorreu-lhe a estátua Tritão de Bernini - o deus grego do mar. E lembrouse

de que estava localizada na praça do lado de fora daquela mesma igreja e na

direção totalmente errada. Forçou-se a pensar. Que figura Bernini teria esculpido

para glorificar a água? Netuno e Apolo? Infelizmente, aquela estátua se

encontrava no Museu Victoria & Albert, de Londres.

- Signore? - um bombeiro chegou apressado trazendo um mapa.

Langdon agradeceu e abriu o mapa em cima do altar. Instantaneamente,

percebeu que fizera o pedido às pessoas certas. O mapa de Roma do Corpo de

Bombeiros era o mais detalhado que Langdon já encontrara.

- Onde estamos agora?

O homem mostrou.

- Junto à Piazza Barberini.

Langdon deu outra olhadela na lança do anjo para se orientar. O chefe

calculara certo. De acordo com o mapa, a lança apontava para oeste. Langdon

traçou uma linha reta no mapa a partir do lugar onde estavam rumo a oeste. E logo

suas esperanças se esvaíram. A cada centímetro que seu dedo percorria,

encontrava uma construção marcada com uma pequena cruz negra. Igrejas. A

cidade estava cheia delas. Por fim, o dedo de Langdon não encontrou mais igrejas

e perdeu-se nos subúrbios de Roma. Ele suspirou, desanimado, e afastou-se do

mapa. Droga.

Observando Roma como um todo, seu olhar se deteve nas três igrejas onde

os três primeiros cardeais tinham sido mortos. A Capela Chigi, São Pedro, aqui...

Contemplando os três locais, Langdon reparou algo estranho em suas

posições. Imaginara que as igrejas estivessem espalhadas ao acaso pela cidade.

Mas não estavam, com toda a certeza. Por mais que lhe parecesse improvável, as

três igrejas estavam separadas sistematicamente, formando um enorme triângulo

que abrangia toda a cidade. Verificou de novo. Não estava imaginando coisas.

- Penna - pediu, sem levantar a cabeça.

Alguém lhe entregou uma caneta esferográfica.

Langdon fez um círculo sobre cada igreja. Seu pulso se acelerou. Conferiu

sua marcação. Um triângulo simétrico!

Seu primeiro pensamento foi a associação com o sinete da nota de um

dólar

- O triângulo contendo o olho que tudo vê. Entretanto, aquilo não fazia

sentido. Ele marcara apenas três pontos. Deveria haver um total de quatro.

Então, onde diabos está a Água? Onde quer que colocasse o quarto ponto,

o triângulo seria destruído. A única opção para manter a simetria seria situar o

quarto ponto dentro do triângulo, no centro.

Olhou para o local no mapa. Nada. A idéia ainda assim o importunava. Os

quatro elementos da ciência eram considerados iguais. A água não era especial,

não havia justificativa para que ficasse no centro.

De qualquer maneira, seu instinto lhe dizia que o arranjo sistemático não

podia ser acidental. Não estou distinguindo o quadro completo. Havia somente

uma alternativa: os quatro pontos não formarem um triângulo e sim uma outra

figura.

Langdon olhou para o mapa. Um quadrado, talvez? Embora o quadrado

não fizesse sentido simbolicamente, pelo menos era simétrico. Langdon apoiou o

dedo no mapa em um dos pontos que converteriam o triângulo em um quadrado.

Viu logo que um quadrado perfeito seria impossível. Os ângulos do triângulo

original eram oblíquos e criariam algo mais próximo de um quadrilátero torto.

Enquanto estudava os outros pontos possíveis em torno do triângulo,

aconteceu algo inesperado. Notou que a linha que desenhara antes para indicar a

direção assinalada pela lança do anjo passava precisamente por uma das

possibilidades. Estupefato, Langdon fez um círculo sobre aquele ponto. Tinha à

sua frente agora quatro pontos marcados a tinta no mapa, dispostos em um

formato um tanto desajeitado, parecendo uma pipa, o formato de um diamante.

Franziu o cenho. Os diamantes também não eram um símbolo dos

Illuminati. Refletiu um pouco. No entanto...

Por um instante, lembrou-se do célebre Diamante Illuminati. Mas a idéia

era ridícula. Descartou-a. Além do mais, o diamante era oblongo - como uma pipa

- e não seria um bom exemplo da impecável simetria pela qual os Illuminati eram

reverenciados.

Quando se curvou para examinar onde colocara o último marco, Langdon

surpreendeu-se ao constatar que o quarto ponto ficava bem no centro da famosa

Piazza Navona. Estava certo de que havia uma igreja importante na piazza, mas

seu dedo já passara por ela e, que soubesse, não continha nenhuma obra de

Bernini. A igreja chamava-se Santa Inês - ou Santa Agnes - em Agonia, uma santa

jovem e virgem que fora condenada a uma vida de escravidão sexual por recusarse

a renunciar à sua fé.

Deve haver alguma coisa naquela igreja! Langdon deu tratos à bola

tentando lembrar o interior da igreja.

Não tinha conhecimento de qualquer obra de Bernini lá dentro, muito

menos relacionada com água. A disposição dos pontos no mapa também o

incomodava. Um diamante. Era precisa demais para ser coincidência, mas não era

precisa o suficiente para fazer sentido. Uma pipa? Conjeturou se não teria

escolhido o ponto errado. O que é que está faltando?

Langdon levou uns trinta segundos para achar a resposta mas, quando

achou, exultou como nunca antes em toda a sua vida acadêmica.

A genialidade dos Illuminati, pelo jeito, era infinita.

A forma que via não era a de um diamante, não fora planejada para ser a de

um diamante. Os quatro pontos só formavam um diamante porque Langdon ligara

pontos adjacentes. Os Illuminati acreditavam em opostos! Ao ligar vértices

opostos com sua caneta, os dedos de Langdon tremiam. Ali no mapa à sua frente

havia uma enorme cruz. Uma cruz! Os quatro elementos da ciência estendidos

diante de seus olhos, cruzando a cidade de Roma de ponta a ponta.

Enquanto se extasiava com sua descoberta, um verso ressoou em sua mente

como um velho amigo de cara nova.

Através de Roma se estendem os místicos elementos.

'Cross Rome the mystic elements unfold.

'Cross Rome...

A névoa começou a se dissipar. A resposta estivera diante dele a noite

inteira! O poema Illuminati dizia-lhe como os altares da ciência estava dispostos.

Em cruz!

'Cross Rome the mystic elements unfold!

Um astuto jogo de palavras. Langdon lera a palavra 'cross - cruz - como

uma abreviatura de across - através. Presumiu que se tratasse de uma licença

poética para manter a métrica do poema em inglês. Mas era muito mais do que

isso, era outra pista disfarçada!

A forma da cruz no mapa, constatou ele, era a extrema dualidade

Illuminati, um símbolo religioso formado por elementos da ciência. O Caminho da

Iluminação de Galileu era um tributo tanto à ciência quanto a

Deus!

O resto das peças do quebra-cabeças encaixou-se prontamente.

Piazza Navona.

No centro da Piazza Navona, perto da igreja de Santa Inês em Agonia,

Bernini instalara uma de suas mais celebradas esculturas. Todas as pessoas que

visitavam Roma iam vê-la.

A Fonte dos Quatro Rios!

Um primoroso tributo à água, a Fonte dos Quatro Rios de Bernini

glorificava os quatro maiores rios conhecidos do Velho Mundo - o Nilo, o

Ganges, o Danúbio e o Prata.

Água, pensou Langdon, o marco final. Perfeito.

E ainda mais perfeito, lembrou ele, é que bem no alto da fonte de Bernini

havia um imenso obelisco.

Deixando para trás os bombeiros confusos, Langdon atravessou a igreja às

pressas em direção ao corpo sem vida de Olivetti.

10h31, pensou. Tenho tempo à beça. Pela primeira vez naquele dia sentiase

com vantagem sobre o inimigo.

Ajoelhando-se ao lado de Olivetti, fora de visão atrás de alguns bancos da

igreja, Langdon apoderou-se discretamente da arma do comandante e de seu

walkie-talkie. Teria de pedir socorro, mas não ali. O último altar da ciência tinha

de permanecer em segredo por enquanto. A imprensa e o Corpo de Bombeiros

correndo para a Piazza Navona com a sirene ligada não seriam de grande ajuda.

Sem dizer uma palavra, Langdon escapuliu pela porta e driblou a imprensa,

que agora entrava na igreja em tropel. Cruzou a Piazza Barberini. Nas sombras,

ligou o walkie-talkie. Tentou chamar a Cidade do Vaticano, mas só ouviu estática.

Ou ele estava fora de área ou o transmissor precisava de algum tipo de código de

autorização para o contato. Langdon mexeu nos complicados botões e controles

sem qualquer resultado. Deu-se conta de que seu plano de conseguir ajuda não iria

funcionar. Procurou em torno por um telefone público. Não havia nenhum. As

linhas do Vaticano estariam congestionadas, de qualquer forma.

Estava sozinho.

Com seu impulso inicial de confiança bastante abalado, Langdon parou um

momento para avaliar o estado deplorável em que se encontrava - coberto de

poeira de ossos, machucado, em uma exaustão que beirava o delírio e, ainda por

cima, faminto.

Olhou para a igreja lá atrás. Espirais de fumaça saíam da cúpula,

iluminadas pelas luzes da mídia e pelos caminhões dos bombeiros. Ponderou se

deveria voltar e pedir ajuda. O instinto, porém, lhe dizia que mais ajuda,

sobretudo ajuda não especializada, seria um risco. Se o Hassassin nos vê chegar...

Pensou em Vittoria e pressentiu que aquela seria a última oportunidade de

enfrentar o homem que a capturara.

Piazza Navona, refletiu, sabendo que poderia chegar lá com tempo de

sobra e ficar à espreita. Procurou um táxi, mas as ruas estavam quase desertas. Até

os motoristas de táxi, aparentemente, tinham largado tudo para ver televisão. A

praça ficava a pouco mais de um quilômetro de distância, mas Langdon não tinha

a intenção de gastar uma energia preciosa indo a pé. Olhou de novo para a igreja,

imaginando se poderia pegar algum veículo emprestado.

Um carro de bombeiros? Um furgão da imprensa? Tenha juízo, criatura.

Com as opções e os minutos se esgotando, Langdon tomou uma decisão.

Tirou a arma do bolso e teve uma atitude tão incompatível com seu caráter que

achou que sua alma devia estar possuída. Aproximou-se de um solitário Citroën

sedã parado em um sinal e apontou a arma para o motorista pela janela aberta.

- Fuori! - gritou.

O homem saiu do carro, trêmulo.

Langdon sentou-se depressa ao volante e acelerou.

CAPÍTULO 101

Gunther Glick sentou-se em um banco de uma cela do escritório da Guarda

Suíça. Rezava para todos os deuses que lhe passavam pela cabeça. Por favor, faça

com que NÃO seja um sonho. Tinha sido o furo de sua vida. A reportagem da

vida de qualquer um. Todos os repórteres, sem exceção, gostariam de ser Glick

naquele momento. Você não está sonhando, disse consigo. E é uma celebridade.

Dan Rather deve estar aos prantos neste instante.

Macri estava ao lado dele, um pouco atordoada. Glick compreendia. Além

de divulgarem com exclusividade o discurso do camerlengo, ela e Glick haviam

fornecido ao mundo fotografias impressionantes dos cardeais e do Papa - aquela

língua dele! -, assim como um vídeo com imagens ao vivo do tubo de antimatéria

em contagem regressiva. Incrível!

Claro que tudo acontecera sob os auspícios do camerlengo, portanto não

era essa a razão pela qual Glick e Macri estavam presos na Guarda Suíça. O que

não tinha agradado aos guardas fora aquele audacioso acréscimo de Glick à

matéria. Glick sabia que a conversa que havia noticiado não fora destinada a seus

ouvidos, mas tratava-se da maior oportunidade da sua vida. Mais um furo de

reportagem de Glick!

- O Samaritano da Décima Primeira Hora? - Macri resmungou, sentada ao

lado dele no banco, com cara de pouco caso.

Glick sorriu.

- Foi o máximo, não foi?

- O máximo da idiotice.

Ela está é com inveja, pensou Glick. Logo depois que o camerlengo

terminou seu discurso, Glick, mais uma vez e por pura sorte, viu-se no lugar certo

e na hora certa. Por acaso, tinha ouvido Rocher dando novas ordens a seus

homens. Ao que tudo indica, Rocher havia recebido uma ligação de uma pessoa

não identificada que tinha informações importantíssimas sobre a crise que

estavam passando. Rocher estava falando como se esse homem pudesse ajudá-los

e orientava seus guardas para se aprontarem para a chegada do visitante.

Embora a informação fosse nitidamente confidencial, Glick agiu como

qualquer repórter dedicado faria - sem nenhum respeito. Procurou um canto

escuro, pediu a Macri para ligar a câmera às escondidas e divulgou a notícia.

- Novidades surpreendentes na cidade de Deus - anunciou, apertando os

olhos para dar mais ênfase às palavras. E continuou informando que um

convidado misterioso estava chegando à Cidade do Vaticano para salvar a

situação. O Samaritano da Décima Primeira Hora, Glick assim o batizou - um

nome perfeito para um homem sem rosto que aparecia no último instante para

fazer uma boa ação. Outras redes de emissoras adotaram a alcunha do

personagem, que soava bem, e Glick foi mais uma vez imortalizado.

Sou o máximo, pensou. Peter Jennings deve ter acabado de se atirar de uma

ponte.

É evidente que Glick não parou por aí. Com a atenção do mundo voltada

para ele, aproveitou para acrescentar gratuitamente um pouco da própria teoria

conspiratória.

O máximo. Simplesmente o máximo.

- Você acabou conosco - disse Macri. - Estragou tudo.

- Do que está falando? Fui perfeito!

Macri olhou para ele, incrédula.

- O ex-presidente George Bush? Um Illuminatus?

Glick sorriu. Nada podia ser mais evidente. George Bush era um

comprovado maçom de trigésimo terceiro grau e ocupava o mais alto posto da

CIA quando a agência encerrou as investigações sobre os Illuminati por falta de

provas. E todos aqueles discursos sobre "milhares de pontos de luz" e uma "Nova

Ordem Mundial" Claro que Bush era um dos Illuminati.

- E aquela parte sobre o CERN? - disse Macri em tom de reprovação.

- Amanhã, você vai encontrar uma fila bem comprida de advogados à sua

porta.

- O CERN? Ora, pare com isso! Está tão na cara! Pense bem! Os Illuminati

desapareceram da face da Terra por volta de 1950, mais ou menos na mesma

ocasião em que o CERN foi fundado. O CERN é um paraíso para as pessoas mais

esclarecidas da Terra. Eles recebem toneladas de recursos financeiros de origem

privada e conseguiram construir uma arma com capacidade para destruir a Igreja

que, opa, eles não sabem onde foi parar?!

- E aí você espalha para o mundo inteiro que o CERN é a nova sede dos

Illuminati?

- É claro! As fraternidades não desaparecem assim sem mais nem menos.

Os Illuminati tinham de ir para algum lugar. E o CERN é o esconderijo perfeito.

Não estou dizendo que todo mundo no CERN seja Illuminati. Provavelmente,

aquilo funciona como uma colossal loja maçônica, onde a maioria é inocente, mas

o escalão superior...

- Já ouviu falar em difamação, Glick? Em responsabilidade civil?

- Já ouviu falar de jornalismo de verdade?

- Jornalismo? Você está inventando chifre em cabeça de burro! Eu devia

ter desligado a câmera! E que besteira foi aquela sobre o logotipo do CERN?

Aquela história de simbologia satânica? Perdeu o juízo?

Glick sorriu. A inveja de Macri estava toda à mostra. O logotipo do CERN

foi a sua proeza de maior brilhantismo. Desde o discurso do camerlengo, todas as

emissoras estavam falando sobre o CERN e a antimatéria. Alguns canais

mostravam o logotipo do CERN como tela de fundo. O logotipo parecia bastante

comum - dois círculos que se cruzam, representando dois aceleradores de

partículas, e cinco linhas tangenciais representando tubos de injeção de partículas.

O mundo inteiro não tirava os olhos desse logotipo, mas fora Glick, que também

tinha os seus conhecimentos sobre símbolos, quem primeiro havia reparado na

simbologia dos Illuminati ali camuflada.

- Você não é especialista em simbologia - reclamou Macri -, é apenas um

repórter com sorte. Devia ter deixado a simbologia por conta do tal sujeito de

Harvard.

- O sujeito de Harvard deixou passar essa - respondeu Glick.

A expressão dos IlLuminati neste logotipo é muito óbvia!

Glick estava rindo de alegria por dentro. Embora o CERN tivesse inúmeros

aceleradores, o logotipo mostrava apenas dois. Dois é o número da dualidade para

os Illuminati. E embora a maioria dos aceleradores tivesse apenas um tubo de

injeção, o logo mostrava cinco. Cinco é o número do pentagrama dos Illuminati.

Então veio o golpe de mestre, o mais brilhante de todos. Glick observou que no

logotipo estava desenhado o número "6" bem grande, formado por uma das linhas

e um dos círculos, e, se o logotipo fosse girado, apareceria outro número seis e

depois mais um. O logotipo tinha três números seis! 666! O número do demônio!

A marca da besta!

Glick era um gênio.

Macri estava a ponto de agredi-lo.

A inveja dela passaria, disso Glick tinha certeza, enquanto sua mente já se

desviava para outro pensamento. Se o CERN fosse mesmo a sede dos Illuminati,

seria lá o local onde eles guardavam o famoso Diamante Illuminati? Glick lera

sobre isso na Internet: "um diamante sem jaça, nascido dos antigos elementos com

tamanha perfeição que todos os que o viam ficavam extasiados”

Glick ficou imaginando se o paradeiro secreto do Diamante Illuminati

poderia vir a ser mais um mistério que ele desvendaria naquela noite.

CAPÍTULO 102

Piazza Navona, Fonte dos Quatro Rios.

As noites em Roma, como as do deserto, podem ser surpreendentemente

frias, mesmo depois de um dia quente. Langdon estava todo encolhido nos

arredores da Piazza Navona, apertando o paletó contra o corpo. Assim como o

ruído do tráfego à distância, uma cacofonia de reportagens ressoava por toda a

cidade. Olhou o relógio. Quinze minutos. Era bom ter alguns momentos para

descansar.

A piazza estava deserta. A magistral fonte de Bernini agitava suas águas

diante dele, enfeitiçante, imponente. O tanque espumante lançava para cima uma

névoa mágica, iluminada por holofotes submersos.

Langdon captava uma gélida eletricidade no ar.

A característica mais impressionante da fonte era sua altura. A parte central

sozinha ultrapassava seis metros - uma montanha escarpada de mármore

travertino talhado em cavernas e grutas entre as quais a água se revolvia. Toda a

elevação era rodeada de símbolos pagãos. No alto, ficava um obelisco que

avançava mais 12 metros. Langdon acompanhou-o com o olhar. Na ponta do

obelisco, uma tênue silhueta desenhava-se no céu: um pombo solitário pousado

silenciosamente.

Uma cruz, pensou Langdon, ainda admirado com a disposição dos marcos

através de Roma. A Fonte dos Quatro Rios de Bernini era o último altar da

ciência. Fazia apenas algumas horas, Langdon estava dentro do Panteão, certo de

que o Caminho da Iluminação havia sido interrompido e de que ele jamais

chegaria até ali. Que grande tolice. Na verdade, o caminho inteiro estava intacto.

Terra, Ar, Fogo, Água. E Langdon o havia percorrido do começo ao fim.

Não exatamente até o fim, fez-se lembrar. O caminho tinha cinco pontos,

não quatro. Essa fonte, o quarto marco, de certa maneira apontava para o destino

final, o refúgio sagrado dos Illuminati: a Igreja da Iluminação. Ele conjeturava se

o esconderijo ainda existiria. Pensava se teria sido para lá que o Hassassin levara

Vittoria.

Langdon examinava as figuras da fonte em busca de alguma pista do

caminho para o esconderijo. Que os anjos o guiem em sua busca sublime. Quase

que imediatamente, porém, uma percepção inquietante ocupou seus pensamentos.

Não havia sequer um anjo nessa fonte. Nenhum anjo, pelo menos nenhum que se

avistasse de onde Langdon se encontrava, e nenhum que ele tivesse visto no

passado. A Fonte dos Quatro Rios era uma obra pagã. As esculturas eram todas

profanas - seres humanos, animais, até mesmo um deselegante tatu. Um anjo aqui

não passaria despercebido.

Seria o lugar errado? Meditou sobre a disposição em cruz dos quatro

obeliscos. Cerrou os punhos. Esta fonte é perfeita.

Ainda eram 10h46 da noite quando um furgão preto apareceu na ruela do

lado mais afastado da praça. Langdon não teria prestado maior atenção se o

furgão não estivesse com os faróis desligados. Como um tubarão rondando em

uma baía enluarada, o carro circulou em volta da praça.

Langdon pôs-se junto ao chão, agachado nas sombras da imensa escadaria

que leva à igreja de Santa Inês em Agonia.

Olhou em direção à praça, o pulso acelerado.

Depois de dar duas voltas completas, o furgão descreveu uma curva na

direção da fonte de Bernini. Parou junto ao tanque e deslocou-se paralelamente à

borda até a lateral do furgão ficar ao nível da fonte. Estacou de repente, a porta

corrediça somente alguns centímetros acima das águas revoltas.

A névoa erguia-se em turbilhões pelo ar.

Langdon teve um pressentimento ruim. Será que o Hassassin viera antes da

hora? Teria vindo em um furgão? Langdon imaginara o assassino escoltando sua

última vítima a pé pela praça, como tinha feito em São Pedro, o que permitiria que

Langdon atirasse a descoberto. Mas se o Hassassin tivesse chegado em um furgão,

as regras tinham acabado de mudar.

De repente, a porta lateral do furgão se abriu.

Sobre o piso do furgão, contorcido de dor, jazia um homem nu, o corpo

enrolado em muitos metros de pesadas correntes. Ele se debatia em vão em meio

aos elos de ferro. Um deles atravessava-lhe a boca como um freio de cavalo,

sufocando seus gritos de socorro. Foi então que Langdon viu uma segunda figura

movimentando-se no escuro atrás do prisioneiro, como se finalizasse os

preparativos.

Langdon sabia que tinha apenas segundos para agir.

Pegou a arma, tirou o paletó e jogou-o no chão. Não queria o estorvo

adicional de um paletó de lã, nem tinha intenção nenhuma de levar o Diagramma

de Galileu para perto da água. O documento ali ficaria em segurança e seco.

Langdon seguiu com cautela pela direita. Fez uma volta em torno da fonte

e parou de frente para o furgão. A imensa peça central da fonte impedia-lhe a

visão. Levantou-se e correu direto para o tanque. Contava que o barulho da água

abafasse o ruído de seus passos. Ao alcançar a fonte, passou por cima da borda e

caiu no tanque espumante.

A água lhe batia na altura da cintura e estava gelada. Langdon cerrou os

dentes e avançou com esforço. O fundo escorregadio era duplamente traiçoeiro

devido a uma camada de moedas jogadas para atrair sorte. Langdon percebeu que

iria precisar de mais do que boa sorte. À medida que a névoa o envolvia, ficou

imaginando se seria o frio ou o medo que fazia com que a arma lhe tremesse nas

mãos.

Conseguiu chegar ao interior da fonte e circundou-a pela esquerda de onde

estava. Caminhava com dificuldade, mantendo-se encoberto pelas figuras de

mármore. Escondido atrás de uma imensa escultura em forma de cavalo, Langdon

parou para espreitar. O furgão encontrava-se a pouco mais de cinco metros.

O Hassassin estava agachado no assoalho do furgão, as mãos sobre o

cardeal enrolado nas correntes, prestes a empurrá-lo porta afora para dentro da

fonte.

Com água pela cintura, Robert Langdon levantou a arma e saiu da névoa,

sentindo-se como uma espécie de caubói aquático pronto para gravar uma cena

final.

- Não se mexa - disse, a voz mais firme que a arma.

O Hassassin ergueu os olhos. Por um instante pareceu confuso, como se

tivesse visto um fantasma.

Depois, os lábios se apertaram em um sorriso maldoso. Pôs os braços para

cima em sinal de obediência e respondeu:

- Assim seja.

- Para fora do furgão.

- Você está um pouco molhado.

- E você chegou cedo.

- Estou louco para voltar para a minha presa.

Langdon apontou-lhe a arma.

- Não vou hesitar em atirar.

- Já hesitou.

Langdon sentiu a pressão do dedo no gatilho. O cardeal já não se mexia.

Parecia exausto, à beira da morte.

- Solte-o.

- Esqueça-o. Você veio por causa da mulher. Não finja que não.

Langdon fez um grande esforço naquela hora para não terminar tudo de

uma vez.

- Onde ela está?

- Em um lugar seguro. Esperando que eu volte.

Está viva. Langdon sentiu um fio de esperança.

- Na Igreja da Iluminação?

O assassino sorriu.

- Jamais vai descobrir onde é.

Era difícil de acreditar. O esconderijo ainda está de pé. Apontou a arma.

- Onde?

- O lugar é um mistério há séculos. Eu mesmo só vim a saber dele há

pouco. Prefiro a morte a trair este segredo.

- Vou conseguir encontrá-lo sem você.

- Uma idéia bem arrogante.

Langdon gesticulou na direção da fonte.

- Cheguei até aqui.

- Como muitos outros. A etapa final é a mais difícil.

Langdon foi-se aproximando, os pés instáveis sob a água. O Hassassin

parecia extraordinariamente calmo agachado no fundo do furgão, os braços

erguidos sobre a cabeça. Langdon apontou direto para o peito dele, ponderando se

deveria simplesmente atirar e acabar logo com o assunto. Não. Ele sabe onde está

Vittoria. Sabe onde está a antimatéria. Preciso obter essas informações!

Da escuridão do furgão, o Hassassin observava o agressor. Não pôde

deixar de achar graça e ao mesmo tempo sentir uma certa pena dele. O americano

era corajoso, isto ele já comprovara. Mas também não tinha muita prática. O que

também havia sido comprovado. Heroísmo sem experiência era suicídio. Havia

regras de sobrevivência. Regras antigas. E o americano estava quebrando todas

elas.

Você tinha uma vantagem, o elemento surpresa. E desperdiçou-a. O

americano estava indeciso, provavelmente esperando reforços ou talvez um ato

falho do assassino que deixasse escapar informações decisivas.

Nunca faça um interrogatório antes de neutralizar a vítima. Um inimigo

encurralado é um inimigo mortífero.

De novo, o americano estava falando. Sondando. Manipulando.

O assassino estava a ponto de cair na gargalhada. Este não é um dos seus

filmes de Hollywood, nada de longas discussões com a arma na mão antes do tiro

final. Este é o final. Agora.

Sem desgrudar os olhos do outro, o assassino foi estendendo as mãos bem

devagar até encontrar o que procurava no teto do furgão. Olhando direto para

frente, agarrou o objeto.

E fez a sua jogada.

O movimento foi absolutamente inesperado. Por um instante, Langdon

achou que as leis da física haviam deixado de existir. O assassino pareceu pairar

no ar enquanto suas pernas se desdobravam em um salto, as botas atingindo um

lado do cardeal, empurrando seu corpo carregado de correntes para fora. O

cardeal afundou, espalhando água para todo lado.

Com a água escorrendo-lhe pelo rosto, Langdon compreendeu tarde demais

o que tinha acontecido. O assassino tinha agarrado uma das barras da estrutura do

furgão e a usara como ponto de apoio para balançar o corpo. Agora, vinha em sua

direção, os pés na frente, em meio à chuva de respingos d'água.

Langdon puxou o gatilho e o silenciador cuspiu fogo. A bala explodiu na

bota esquerda do Hassassin, atravessando-a na altura do dedo grande. No mesmo

segundo, Langdon sentiu as solas das duas botas do Hassassin no seu peito,

atirando-o para trás com um chute violento.

Os dois homens caíram espadanando água e sangue.

Quando o líquido gelado engoliu o corpo de Langdon, a primeira coisa que

sentiu foi dor. O instinto de sobrevivência veio depois. Notou que não segurava

mais a arma. Ela tinha caído. Mergulhou, tateando o fundo lamacento. A mão

tocou em metal. Um punhado de moedas. Deixou-as cair. Abriu os olhos e

explorou o tanque iluminado. As águas agitavam-se ao redor de Langdon como se

ele estivesse em uma Jacuzzi gelada.

Apesar do instinto de subir para respirar, o medo fez com que

permanecesse no fundo. Mexia-se o tempo todo. Não fazia a menor idéia de onde

viria o próximo golpe. Precisava encontrar a arma!

Desesperadamente, suas mãos procuravam às apalpadelas.

Você está em vantagem agora, disse consigo. Está em seu elemento.

Mesmo vestido com uma camisa de gola rulê ensopada, era um nadador ágil. A

água é o seu elemento.

Quando, pela segunda vez, os dedos de Langdon tocaram metal, acreditou

que a sorte havia mudado de lado. O objeto que segurava não era um punhado de

moedas. Agarrou-o e tentou puxá-lo para si, mas, ao fazê-lo, sentiu o próprio

corpo deslizando pela água. O objeto estava preso.

Langdon percebeu, antes mesmo de alcançar o corpo contorcido do

cardeal, que havia agarrado parte da corrente de metal que o mantinha submerso.

Ele hesitou por um momento, imobilizado com a visão apavorante do rosto que o

encarava do fundo da fonte.

Espantado por ainda encontrar vida nos olhos do homem, Langdon estende

as mãos para baixo e segurou com força as correntes, tentando levantá-lo até a

superfície. O corpo movimentou-se devagar, como uma âncora. Langdon puxou

com mais força. Quando a cabeça do cardeal irrompeu da água, ele aspirou o ar

umas poucas vezes, desesperado. Então, com grande ímpeto, o corpo girou, o que

fez com que Langdon perdesse a pega da corrente escorregadia. Como uma pedra,

Baggia foi de novo para o fundo e desapareceu por baixo da espuma da água.

Langdon mergulhou, olhos abertos na água turva. Encontrou o cardeal.

Dessa vez, quando Langdon o agarrou, as correntes na altura do peito de Baggia

deslocaram-se e revelaram mais uma crueldade: a palavra marcada em sua carne

com ferro em brasa.

WATER

Uma fração de segundo depois, Langdon avistou duas botas. De uma delas,

jorrava sangue.

CAPÍTULO 103

Como jogador de pólo aquático, Robert Langdon já sofrera mais ataques

debaixo d'água do que merecia. A selvageria competitiva que impera sob a

superfície de uma piscina de pólo aquático, longe dos olhos dos árbitros, pode ser

comparada à das mais grosseiras competições de luta livre. Langdon já tinha sido

chutado, arranhado, retido e até mesmo, uma vez, mordido por um zagueiro

frustrado, de quem procurara se desviar durante o jogo todo.

Agora, porém, lutando nas águas gélidas da fonte de Bernini, Langdon

reconhecia estar a anos-luz da piscina de Harvard. Aquele não era um jogo por

pontos, mas pela própria vida. Era a segunda vez que os dois estavam lutando.

Sem árbitros. Sem revanche. Os braços que lhe forçavam a cabeça de encontro ao

fundo exerciam tamanha pressão que não deixavam dúvidas sobre sua intenção de

matar.

Num gesto instintivo, Langdon girou o corpo igual a um torpedo. Livrar-se

da pega! Mas o atacante, aproveitando-se da vantagem que nenhum jogador de

pólo aquático jamais teve, a de estar com os pés firmes no chão, girou-o de volta.

Langdon se contorceu, tentando apoiar os pés. O Hassassin parecia estar

afrouxando a pressão em um dos braços, mas apesar disso continuava segurando

firme.

Langdon convenceu-se de que não iria conseguir subir à superfície. Fez,

então, a única coisa que lhe passou pela cabeça. Parou de fazer força para subir.

Se não dá para ir para o norte, vá para leste.

Juntando as últimas forças que lhe restavam, bateu as pernas como um

golfinho e movimentou os braços por baixo do corpo em uma desajeitada braçada

de estilo borboleta. Seu corpo avançou para frente.

A repentina mudança de direção pegou o Hassassin desprevenido, O

movimento lateral de Langdon empurrou os braços do outro para os lados,

prejudicando-lhe o equilíbrio. Ao sentir uma leve diminuição de pressão, Langdon

bateu as pernas de novo. A sensação foi como se um cabo de reboque se partisse.

De repente, Langdon estava livre. Expirou o que lhe restava de ar nos

pulmões e, num arranco, foi para a superfície. Respirar uma única vez foi tudo o

que conseguiu. Com uma força arrasadora, o Hassassin estava de novo em cima

dele, as palmas das mãos nos ombros de Langdon, todo o peso do seu corpo sobre

o adversário. Langdon tentou levantar-se, mas uma perna do Hassassin projetouse

para a frente, derrubando-o.

E ele afundou outra vez.

Os músculos de Langdon queimavam enquanto tentava desvencilhar-se.

Dessa vez, todas as investidas foram em vão. Através da água borbulhante,

Langdon vasculhava o fundo atrás da arma. Tudo estava embaçado, as borbulhas

cada vez mais densas. Uma luz ofuscante bateu-lhe no rosto quando o assassino o

empurrou para baixo, na direção de um refletor instalado no fundo. Langdon

esticou os braços e agarrou a caixa do refletor. Estava quente. Langdon fez força

para arrancá-la, mas estava fixada por meio de dobradiças, girou em sua mão e ele

perdeu o apoio.

O Hassassin empurrou-o mais ainda para baixo.

Foi então que Langdon o viu. Fincado nas moedas, bem na frente de seus

olhos. O cilindro estreito, preto.

O silenciador da arma de Olivetti! Langdon se esticou, mas quando seus

dedos seguraram o cilindro não sentiu o contato com metal, mas com plástico. Ao

puxá-lo, uma mangueira flexível veio molemente em sua direção como se fosse

uma cobra. Tinha uns 60 centímetros e as bolhas de ar jorrando de uma das

pontas.

Langdon não tinha encontrado arma nenhuma. Era um dos muitos

spumanti, inocentes aparelhos de fazer bolhas de ar, instalados na fonte.

Bem perto dali, o cardeal Baggia sentia a alma deixando-lhe o corpo.

Embora tivesse se preparado a vida inteira para aquele momento, jamais

imaginara que seu fim seria desse jeito. Seu corpo sofria intensamente - havia sido

queimado, machucado e mantido submerso sob um peso intolerável. Lembrou- se

de que o próprio sofrimento não era nada se comparado com o de Jesus.

Ele morreu pelos meus pecados...

Baggia escutava os golpes da luta violenta que se desenrolava por perto.

Era demais pensar que quem o tinha capturado estava também quase terminando

com outra vida, a do homem de olhos bondosos que tentara socorrê-lo.

Quando a dor aumentou, Baggia mirou, através da água, o céu escuro que

encobria tudo. Por um momento, pensou ter visto estrelas.

Era chegada a hora.

Libertando-se de todo medo e dúvida, abriu a boca e expeliu o que seria o

último sopro de sua vida. Observou seu próprio espírito gorgolejar na direção do

céu em um jorro de bolhas de ar transparentes. Então, em uma reação

involuntária, respirou. A água penetrou como finos punhais de gelo em seus

flancos. A dor durou apenas alguns segundos.

Depois, veio a paz.

O Hassassin ignorava o pé que doía, concentrado apenas em afogar o

americano, que agora mantinha imobilizado sob o peso do seu corpo, no meio da

água turbulenta. Destruí-lo por completo. Apertou com mais força ainda, sabendo

que desta vez Robert Langdon não sobreviveria. Conforme havia previsto, sua

vítima mostrava cada vez menos reação.

De repente, o corpo de Langdon ficou rígido. Começou a tremer

loucamente. Sim, pensou o Hassassin. Os tremores.

Quando a água afinal chega aos pulmões. Os tremores, sabia, iriam durar

uns cinco segundos.

Duraram seis.

Então, exatamente como o Hassassin havia calculado, o corpo da vítima de

repente ficou flácido. Como um imenso balão que perdesse o ar, Robert

Langdon relaxou. Estava morto. O Hassassin ainda o segurou por mais uns trinta

segundos, para que a água inundasse todo o tecido pulmonar. Aos poucos, sentiu

que o corpo de Langdon afundava por conta própria. Afinal, o Hassassin o soltou.

A imprensa encontraria uma dupla surpresa na Fonte dos Quatro Rios.

Tabban!, praguejou o Hassassin, saindo da fonte e examinando o dedo do

pé que sangrava sem parar. A ponta da bota estava arrebentada e a extremidade do

dedo grande havia sido arrancada. Furioso consigo mesmo pelo descuido, rasgou

a bainha da calça e enfiou o tecido pelo buraco da bota, comprimindo-o contra a

ferida. A dor subiu-lhe pela perna. Ibn al-kalb!

Cerrou os punhos de dor e empurrou o pano com mais força. O

sangramento foi diminuindo até restar apenas um filete de sangue.

Tirando seus pensamentos da dor e voltando-os para o prazer, o Hassassin

entrou no furgão. O trabalho em Roma estava terminado. Sabia muito bem o que

lhe aliviaria o incômodo. Vittoria Vetra estava amarrada e à sua espera. O

Hassassin, mesmo com frio e ensopado, sentiu-se sexualmente excitado.

Fiz por onde merecer meu prêmio.

Do outro lado da cidade, Vittoria acordou toda dolorida. Estava deitada de

costas. Todos os músculos estavam duros como pedra. Tensos. Retesados. Os

braços doíam. Tentou se mexer, mas sentiu espasmos nos ombros. Levou poucos

segundos para compreender que suas mãos estavam amarradas nas costas. A

primeira reação foi de confusão. Estou sonhando? Mas, quando quis levantar a

cabeça, a dor lancinante na base do crânio avisou-a de que estava totalmente

acordada.

A confusão inicial deu lugar ao medo, e ela examinou o lugar.

Encontrava-se em uma sala despojada, grande e bem mobiliada, iluminada

por tochas acesas e com paredes de pedra. Uma espécie de antigo salão de

reuniões. Havia bancos antiquados dispostos em círculo mais adiante.

Vittoria sentiu uma brisa, agora fria, percorrer-lhe a pele. Não longe de

onde estava, um conjunto de portas duplas abria-se para uma sacada. Através das

brechas da balaustrada, Vittoria podia jurar ter visto o Vaticano.

CAPÍTULO 104

Robert Langdon jazia deitado sobre uma camada de moedas no fundo da

Fonte dos Quatro Rios, a mangueira de plástico ainda na boca. O ar que era

bombeado através do tubo dos spumanti para fazer a fonte borbulhar vinha

poluído e sua garganta ardia. Não podia reclamar, porém. Afinal, estava vivo.

Não tinha certeza se sua imitação de um afogado fora convincente, mas,

tendo passado a vida inteira em contato com a água, Langdon já ouvira muitas

descrições de afogamentos. Fizera o melhor que podia. Quase no final, teve de

expirar todo o ar dos pulmões e parar de respirar para que a massa muscular

levasse seu corpo para o fundo.

Por sorte, o Hassassin engolira a história e o soltara.

Agora, deitado no fundo da fonte, Langdon esperou o quanto pôde. Estava

prestes a morrer asfixiado. Tentou adivinhar se o Hassassin ainda estaria lá fora.

Aspirou o ar queimado que vinha do tubo, entregou os pontos e atravessou

nadando o fundo da fonte até encontrar a elevação da parte central. Bem devagar,

subiu acompanhando-a e emergindo sem ser visto nas sombras projetadas na água

pelas imensas figuras de mármore.

O furgão tinha ido embora.

Era tudo o que Langdon precisava ver. Respirou bem fundo, enchendo os

pulmões de ar, e voltou para o local onde o cardeal Baggia afundara. Langdon

sabia que o homem já estaria inconsciente e que as chances de sobrevivência eram

mínimas, mas tinha de tentar. Quando encontrou o corpo, abriu as pernas sobre ele

e apoiou bem os pés, abaixou as mãos e agarrou as correntes que envolviam o

cardeal. Então, Langdon puxou. Quando o cardeal saiu da água, Langdon viu que

os olhos dele já estavam revirados para cima, salientes. Não era um bom sinal.

Não havia respiração nem pulso.

Sabendo que jamais conseguiria levantar o corpo e fazê-lo passar pela

borda do tanque da fonte, Langdon puxou o cardeal Baggia pela água até uma

concavidade sob a elevação central. Ali era mais raso e havia uma espécie de

saliência inclinada. Langdon arrastou o corpo nu para cima da saliência o mais

que lhe foi possível. E pôs-se a trabalhar.

Comprimiu o peito coberto de correntes do cardeal e bombeou a água para

fora dos seus pulmões. Depois aplicou a ressuscitação cardiopulmonar, fazendo a

contagem com todo o cuidado, cheio de determinação e resistindo ao instinto de

soprar com força demais ou depressa demais. Durante três minutos, Langdon

tentou reanimar o cardeal. Passados cinco minutos, reconheceu que não havia

mais nada a fazer.

Il preferito. O homem que teria sido Papa. Morto diante dele.

De algum modo, mesmo naquelas circunstâncias, caído no escuro sobre a

pedra meio submersa, o cardeal Baggia ainda mantinha um ar de serena

dignidade. A água agitava-se mansamente sobre o seu peito, parecendo

arrependida, como se pedisse perdão por ter sido a assassina final, como se

quisesse purificar a ferida da queimadura que tinha o seu nome.

Delicadamente, Langdon passou a mão no rosto do homem e fechou-lhe os

olhos. Ao fazê-lo, sentiu dentro de si um estremecimento e lágrimas de exaustão

inundaram seus olhos. Espantou-se com isto. E, pela primeira vez em anos,

Langdon chorou.

CAPÍTULO 105

A nebulosa sensação de esgotamento emocional foi se dissipando aos

poucos à medida que Langdon, andando dentro da água, se afastava do cardeal

morto e voltava para o trecho mais fundo. Extenuado e só, ele pensava que fosse

desmaiar no meio da fonte. Mas, em vez disso, sentiu uma nova compulsão ir

crescendo em seu íntimo. Incontestável. Veemente. Seus músculos se retesaram

com uma súbita firmeza. A mente, ignorando a tristeza do coração, pôs de lado os

acontecimentos passados para dar lugar à única e arriscada tarefa que tinha pela

frente.

Encontrar o refúgio dos Illuminati. Ajudar Vittoria.

Virando-se para o centro montanhoso da fonte de Bernini, Langdon reuniu

suas esperanças e lançou-se na busca do último marco dos Illuminati. Tinha

certeza de que em algum lugar, no meio das massas contorcidas de figuras, estava

a pista que indicaria o refúgio. Enquanto vasculhava a fonte, entretanto, suas

esperanças esvaíram-se rapidamente. As palavras do segno pareciam vir,

zombeteiras, do burburinho das águas que o rodeavam. Que os anjos o guiem em

sua busca sublime. Langdon olhava para as figuras à sua frente. A fonte é pagã!

Não há nenhum anjo em lugar algum!

Depois de terminar sem resultado a busca na parte central, seu olhar

instintivamente subiu pela altiva coluna de pedra. Quatro marcos, pensou,

espalhados por Roma em uma cruz gigantesca.

Examinou os hieróglifos que cobriam o obelisco e ficou imaginando se

haveria uma pista escondida nos símbolos egípcios. Rejeitou a idéia

imediatamente. Os hieróglifos eram anteriores a Bernini em muitos séculos e só

tinham sido decifrados depois da descoberta da Pedra de Rosetta. Ainda assim,

Langdon arriscou, quem sabe Bernini teria esculpido ali mais um símbolo? Um

símbolo que passasse despercebido no meio dos hieróglifos?

Sentindo uma centelha de esperança, Langdon caminhou ao redor da fonte,

mais uma vez analisando as quatro fachadas do obelisco. Levou uns dois minutos

e, quando chegou ao final da última face, suas esperanças desapareceram. Nada

nos hieróglifos se destacava como sendo qualquer tipo de acréscimo. E muito

menos havia anjos.

Langdon verificou o relógio. Onze horas em ponto. Não saberia dizer se o

tempo estava voando ou andando devagar. Imagens de Vittoria e do Hassassin

começaram a obcecá-lo enquanto circundava a fonte, impaciente, a frustração

crescendo a cada volta inútil. Abatido e exausto, Langdon estava a ponto de cair.

Levantou a cabeça para gritar para a noite.

O som ficou preso na sua garganta.

Langdon estava olhando direto para o topo do obelisco. O objeto

empoleirado era um que vira antes sem dar qualquer importância. Dessa vez,

porém, ele o fez parar. Não era um anjo. Longe disso. Na verdade, não o havia

percebido como parte da fonte de Bernini. Pensou que estivesse vivo, que fosse

mais um dos pequenos animais que ciscavam nas ruas da cidade, encarapitado em

cima da torre.

Um pombo.

Langdon apertou os olhos na direção do vulto, a visão embaçada pela

névoa luminosa à volta. Era um pombo, não era? Via nitidamente o contorno da

cabeça e do bico contra um aglomerado de estrelas. No entanto, o pássaro não se

movera desde a chegada de Langdon na praça, mesmo com todo aquele alvoroço

em baixo. Estava exatamente na mesma posição. Empoleirado no alto do obelisco,

mirando tranqüilamente o oeste da cidade.

Langdon olhou fixo para ele por um momento e depois mergulhou a mão

na fonte, agarrou um punhado de moedas e arremessou-as para cima. Bateram

com um ruído seco contra a parte superior do obelisco de granito. O pássaro não

se mexeu. Tentou de novo. Dessa vez, uma das moedas atingiu o alvo. Um leve

som de metal contra metal ecoou pela praça.

O maldito pombo era de bronze.

Você está procurando um anjo, não um pombo, lembrou-o uma voz em sua

cabeça. Tarde demais. Langdon já fizera a associação. Percebeu que a ave não era

propriamente um pombo comum.

Era uma pomba.

Sem se dar conta dos próprios atos, Langdon saiu espalhando água para o

centro da fonte e começou a escalar a montanha de mármore travertino, subindo

em imensos braços e cabeças, cada vez mais alto. A meio caminho da base do

obelisco conseguiu vencer a camada de névoa que encobria todo o tanque e ver

melhor a cabeça do pássaro.

Não tinha dúvida. Era uma pomba. A enganadora coloração escura do

pássaro era resultado da poluição de Roma, que manchava o tom original do

bronze. E o significado ficou claro para ele. Vira, horas antes, um par de pombas

no Panteão. Um par de pombas não representa nenhum símbolo. Essa pomba,

porém, estava só.

A pomba solitária é o símbolo pagão do Anjo da Paz.

A descoberta praticamente transportou Langdon pelo resto do percurso

para o obelisco. Bernini escolhera um símbolo pagão para o anjo de forma a poder

disfarçá-lo em uma fonte pagã. Que os anjos o guiem em sua busca sublime. A

pomba é o anjo! Langdon não poderia conceber pouso mais sublime para o último

marco dos Illuminati do que no alto desse obelisco.

O pássaro apontava para oeste. Langdon tentou acompanhar sua mirada,

mas não conseguia enxergar por cima dos prédios. Subiu mais. Uma citação de

São Gregório de Nyssa veio-lhe à mente: Quando o espírito é iluminado, toma a

magnífica forma de uma pomba.

Langdon subiu rumo ao céu. Rumo à pomba. Quase voando. Alcançou a

plataforma que servia de base para o obelisco, de onde não poderia subir mais.

Mas bastou uma olhada ao redor para saber que isso não seria necessário. Roma

se estendia diante dele. A vista era deslumbrante.

À esquerda, a iluminação caótica dos carros da imprensa em torno de São

Pedro. À direita, a cúpula envolta em fumaça de Santa Maria delia Vittoria. Em

frente, à distância, a Piazza dei Popolo. Abaixo dele, o quarto e último marco.

Uma cruz gigantesca de obeliscos.

Trêmulo, Langdon olhou para a pomba lá em cima. Virou-se para a direção

correta e depois abaixou os olhos para a linha do horizonte.

Em um instante, viu tudo.

Tão óbvio. Tão claro. Tão tortuosamente simples.

Observando-o agora, Langdon achava quase inacreditável que o refúgio

dos Illuminati tivesse permanecido secreto por tantos anos. Tinha a impressão de

que a cidade toda desaparecia aos poucos em torno da monstruosa estrutura de

pedra do outro lado do rio, diante dele. Um dos muitos prédios famosos de Roma.

Ficava às margens do rio Tibre, próximo, em diagonal, ao Vaticano. A geometria

da construção era perfeita - um castelo circular construído dentro de uma fortaleza

quadrada e, do lado de fora dos muros, rodeando toda a estrutura, um parque em

forma de pentagrama.

As antigas muralhas de pedra diante de Langdon recebiam uma iluminação

suave vinda de holofotes, com um efeito espetacular. No alto do castelo, o

colossal anjo de bronze. O anjo apontava sua espada para baixo, para o centro

exato do prédio. E, como se não bastasse, levando única e exclusivamente para a

entrada principal do castelo, havia a célebre Ponte dos Anjos, uma impressionante

via de acesso, ornamentada com 12 majestosos anjos esculpidos por ninguém

menos que o próprio Bernini.

Em uma última revelação sensacional, Langdon concluiu que a cruz de

obeliscos de Bernini, que abarcava toda a cidade, também marcava a fortaleza da

forma mais condizente com os princípios dos Illuminati: o

braço central da cruz passava diretamente pelo meio da ponte do castelo,

dividindo-a em duas metades idênticas.

Langdon pegou o paletó de lã, segurando-o afastado do corpo que pingava.

Entrou no carro roubado e apertou o acelerador com o sapato encharcado, saindo a

toda velocidade pela noite.

CAPÍTULO 106

Eram 11h07. O carro de Langdon corria pela noite romana.

Descendo a Lungotevere Tor di Nona, paralela ao rio, Langdon via seu

destino avolumando-se à direita como uma grande montanha.

Castel Sant'Angelo. Castelo do Anjo.

Sem indicação prévia, o acesso à estreita Ponte dos Anjos - a Ponte

Sant'Angelo - surgiu de repente.

Langdon enfiou o pé no freio e deu uma guinada. Conseguiu, mas a ponte

estava fechada com barreiras.

Ele derrapou uns três metros e bateu em uma porção de pequeninas colunas

de cimento que lhe barravam o caminho. Langdon cambaleou para a frente e o

motor do carro afogou, falhando e estremecendo. Não sabia que a Ponte dos

Anjos, para ser preservada, agora se convertera em área exclusiva para pedestres.

Desconcertado, Langdon saltou do carro amassado desejando ter escolhido

um dos outros acessos.

Tremia de frio, a roupa molhada da água da fonte. Vestiu o casaco de

tweed em cima da camisa úmida, contente com o forro duplo que o fabricante

colocava nos casacos. O fólio do Diagramma continuaria seco. À sua frente,

erguia-se a fortaleza feita de pedra. Enfraquecido, doido, Langdon saiu correndo,

as passadas pouco firmes.

Dos seus dois lados, como uma escolta enfileirada, o cortejo de anjos de

Bernini ia ficando para trás, fechando o percurso e encaminhando-o para seu

destino final. Que os anjos o guiem em sua busca sublime. O castelo aumentava

conforme ele avançava, montanha impossível de escalar, inatingível, ainda mais

intimidador do que São Pedro lhe parecera. Correu para lá em meio aos vapores

da noite, vendo o anjo descomunal brandindo a espada no alto do núcleo circular

da cidadela.

O castelo parecia deserto.

Langdon sabia que, no decorrer dos séculos, a construção fora usada pelo

Vaticano como tumba, fortaleza, esconderijo do Papa, prisão para inimigos da

Igreja e museu. Pelo jeito, o castelo tivera igualmente outros inquilinos - os

Illuminati. De certa forma, até que fazia um sentido sinistro. Apesar de ser

propriedade do Vaticano, o castelo só era utilizado esporadicamente e Bernini

realizara diversas reformas ali ao longo dos anos. Hoje acredita-se que ele seria

um labirinto de entradas secretas, passagens e câmaras escondidas. Langdon tinha

certeza de que o anjo e o parque pentagonal que o cercava eram também trabalho

de Bernini.

Ao chegar às descomunais portas duplas da entrada, Langdon empurrou-as

o mais que pôde. Como era de se esperar, as portas não se moveram. Possuíam

duas aldravas de ferro penduradas na altura do rosto de uma pessoa. Langdon não

fez caso delas. Recuou alguns passos, examinando a parede externa até em cima.

Aquelas muralhas tinham resistido a exércitos de bérberes, pagãos e mouros.

Achou que suas probabilidades de penetrar ali à força eram exíguas.

Vittoria, pensou Langdon, será que você está aí dentro?

Langdon contornou a parede externa. Deve haver outra entrada!

Rodeando a segunda muralha a oeste, chegou ofegante a um pequeno

estacionamento próximo à Lungotevere Casteilo. Nessa muralha encontrou uma

segunda entrada para o castelo, uma espécie de ponte levadiça, suspensa e

trancada. Langdon olhou para cima outra vez.

As únicas luzes no castelo eram as dos holofotes externos que iluminavam

a fachada. Todas as diminutas janelas no interior estavam às escuras. Os olhos de

Langdon foram subindo. No ponto mais alto da torre central, 30 metros acima,

precisamente sob a espada do anjo, projetava-se uma sacada isolada. O parapeito

de mármore reluzia ligeiramente, como se o aposento adjacente estivesse

iluminado por uma tocha acesa. Langdon parou, com um calafrio súbito em seu

corpo encharcado. Uma sombra? Ele esperou, tenso. E viu a sombra outra vez!

Um arrepio percorreu sua espinha. Há alguém lá em cima!

- Vittoria! - gritou, incapaz de se conter, mas sua voz foi engolida pelo

rugir do rio Tibre atrás dele.

Andou em círculos, perguntando-se onde estaria a maldita Guarda Suíça.

Será que tinham ouvido sua transmissão?

Do outro lado do estacionamento havia um grande caminhão de alguma

emissora parado. Langdon correu para ele. Um homem barrigudo com fones de

ouvido na cabeça estava sentado na cabine ajustando seu equipamento. Langdon

bateu com a mão na lateral do caminhão. O homem deu um pulo, viu as roupas

molhadas de Langdon e arrancou os fones da cabeça.

- Qual o problema, companheiro? - tinha um sotaque australiano.

- Preciso usar seu telefone - Langdon estava frenético.

O homem deu de ombros.

- Não tem sinal. Estou tentando há horas. Os circuitos estão todos

congestionados.

Langdon praguejou em voz alta.

- Viu alguém entrar aí? - e apontou para a ponte levadiça.

- Para falar a verdade, vi, sim. Um furgão preto saiu e entrou uma porção

de vezes esta noite.

Langdon sentiu um peso na boca do estômago.

- Sortudo desgraçado - disse o australiano, olhando para a torre e fazendo

uma careta para sua vista obstruída do Vaticano. - Aposto que a visão de lá é

perfeita. Não consegui passar pelo tráfego em São Pedro, por isso estou

transmitindo daqui.

Langdon não estava escutando. Procurava opções.

- O que é que você acha? - perguntou o australiano. - Será que o

Samaritano da Décima Primeira Hora é para valer?

Langdon virou-se.

- O quê?

- Não ouviu? O capitão da Guarda Suíça recebeu um telefonema de alguém

que diz ter informações de primeira. O cara está vindo para cá de avião. Só sei é

que, se ele conseguir salvar a pátria, lá se vão os nossos índices!

O homem deu uma risada.

Langdon não compreendia. Um bom samaritano ia chegar de avião para

ajudar? E sabia onde estava a antimatéria? Então, por que não dizia logo para a

Guarda Suíça? Por que estava vindo em pessoa? Era tudo muito esquisito, mas

Langdon não dispunha de tempo para tentar decifrar a questão.

- Ei - disse o australiano, observando o rosto de Langdon mais atentamente

-, você não é o sujeito que vi na televisão? O que tentou salvar aquele cardeal na

Praça de São Pedro?

Langdon não respondeu. Sua atenção fixara-se em um aparelho preso no

teto do caminhão - uma antena parabólica com uma haste dobrável. Olhou de

novo para o castelo. A muralha externa tinha uns 15 metros e altura. A fortaleza

interior era ainda mais alta. Uma dupla defesa. Não daria para alcançar a parte de

cima dali, mas talvez, se passasse do primeiro muro...

Langdon girou nos calcanhares e apontou para o braço da antena.

- Até que altura aquilo vai?

O homem ficou meio desconcertado.

- Quinze metros. Por quê?

- Tire o caminhão daí. Estacione junto ao muro. Preciso de ajuda.

- Que história é essa?

Langdon explicou.

O australiano arregalou os olhos.

- Ficou maluco? Aquilo ali é uma extensão telescópica de 200 mil dólares.

Não é uma escada!

- Quer seus índices? Tenho informações que vão fazer você ganhar o dia.

Langdon estava desesperado.

- Informações que também valem essa nota toda?

Langdon disse a ele o que revelaria em troca do favor.

Noventa segundos mais tarde, Robert Langdon encontrava-se agarrado à

ponta de um braço de antena parabólica, balançando na brisa a 15 metros do solo.

Inclinando-se, segurou a beirada da primeira muralha, arrastou-se para cima da

parede e pulou para dentro do bastião mais baixo do castelo.

- Agora mantenha sua promessa! - gritou lá de baixo o australiano. - Onde

ele está?

Langdon sentiu-se culpado por revelar essa informação, mas trato era trato.

Além do mais, o Hassassin provavelmente daria a informação à imprensa de

qualquer maneira.

- Piazza Navona - gritou Langdon. - Ele está dentro da fonte.

O australiano recolheu sua antena parabólica e foi atrás do maior furo de

sua carreira.

Em uma câmara de pedra acima da cidade, o Hassassin tirou as botas

encharcadas e enfaixou o dedo do pé ferido. Doía muito, mas não tanto que o

impedisse de se divertir.

Dirigiu-se para seu prêmio.

Ela estava em um canto do aposento, deitada em um divã primitivo, as

mãos atadas atrás do corpo e amordaçada. O Hassassin encaminhou-se para ela. A

mulher estava acordada. Isso o agradou.

Surpreendentemente, viu fogo em seus olhos em vez de medo.

O medo virá.

CAPÍTULO 107

Robert Langdon percorreu rapidamente a muralha externa do castelo,

satisfeito por poder contar com a iluminação dos holofotes. O pátio abaixo dele

parecia um museu das guerras da Antiguidade - catapultas, pilhas de balas de

canhão feitas de mármore e um arsenal de terríveis artefatos.

Partes do castelo eram abertas aos turistas durante o dia, e o pátio fora

parcialmente restaurado e devolvido ao seu estado original.

Do outro lado do pátio encontrava-se o núcleo central da fortaleza. A

cidadela circular elevava-se mais de trinta metros até o anjo de bronze que a

encimava. Na sacada do alto ainda havia luz. Langdon queria chamar, mas achou

melhor não o fazer. Teria de encontrar uma forma de entrar.

Olhou o relógio.

11h12 da noite.

Descendo depressa a rampa de pedra que contornava o interior do muro,

Langdon chegou ao pátio. De volta ao nível do chão, oculto pelas sombras,

circundou a fortaleza no sentido dos ponteiros do relógio.

Passou por três pórticos, todos hermeticamente fechados. Como o

Hassassin entrou? E Langdon prosseguiu. Passou por duas entradas modernas,

ambas trancadas por fora com cadeados. Não foi por aqui. E continuou a correr.

Já rodeara quase todo o prédio quando viu um caminho de cascalho

cruzando o pátio. Numa das extremidades do caminho, na parede externa do

castelo, viu a ponte levadiça que levava à saída. Na outra extremidade, o caminho

desaparecia dentro da fortaleza. Parecia dar em uma espécie de túnel-uma abertura

para o núcleo central. Il traforo! Langdon lera sobre o traforo desse castelo, uma

gigantesca rampa em espiral que circulava dentro do forte, usada pelos

comandantes para ir a cavalo da base ao topo com mais rapidez. O Hassassin

entrou de carro! O portão de ferro do túnel estava aberto, levantado, indicando por

onde Langdon deveria seguir. Ele se sentia quase exultante ao correr para o túnel.

Quando se aproximou da abertura, porém, seu entusiasmo arrefeceu.

O túnel descia em espiral.

O caminho não era aquele. Aquele trecho do traforo, pelo jeito, ia para as

masmorras, não para cima.

Parado junto ao poço escuro que penetrava fundo na terra, ele hesitou,

levantando os olhos mais uma vez para a sacada. Seria capaz de jurar que vira

algum movimento ali. Decida-se! Sem outra opção, entrou no túnel.

Lá em cima, o Hassassin debruçava-se sobre sua presa. Correu a mão pelo

braço dela. A pele era macia como seda. A expectativa de explorar os tesouros do

corpo daquela mulher o inebriava. De quantas maneiras poderia violentá-la?

Sabia que merecia a mulher. Servira bem a Janus. Ela era um espólio de

guerra e, quando terminasse, a empurraria do divã e a obrigaria a ficar de joelhos.

E a mulher o serviria de novo. A submissão extrema.

Então, no momento em que ele atingisse o clímax, cortaria a garganta dela.

Ghayat assa'adah, como diziam. O prazer extremo.

Mais tarde, saboreando sua glória, ficaria na sacada para apreciar o apogeu

do triunfo dos Illuminati, uma vingança desejada por tantos durante tanto tempo.

O túnel tornou-se mais escuro. Langdon descia sem parar.

Depois de uma volta completa sob a terra, a luz se fora por completo. O

piso nivelou-se e Langdon diminuiu o ritmo, pressentindo, pelo eco de seus

passos, que entrara em uma grande câmara. Na sua frente, em meio às trevas,

julgou ter vislumbrado ligeiros lampejos, vagos reflexos luminosos. Avançou,

estendendo a mão. Encontrou superfícies lisas. Vidro e metais cromados. Era um

veículo. Tateou a superfície, encontrou uma porta e a abriu.

A luz interna do veículo acendeu-se. Langdon deu um passo atrás e

reconheceu o furgão preto.

Uma onda de aversão o fez parar um instante, mas logo ele entrou,

revirando tudo na esperança de encontrar uma arma para substituir a que perdera

na fonte. Não encontrou nenhuma. Achou, contudo, o telefone celular de Vittoria.

Quebrado, sem condições de uso. Ao vê-lo, sentiu medo.

Rezou para não ter chegado tarde demais.

Acendeu os faróis do furgão. O ambiente iluminou-se, sombras severas

projetaram-se em uma câmara simples. Langdon deduziu que o local talvez já

tivesse sido usado para guardar cavalos e munição. Era, além disso, um beco sem

saída.

Vim pelo caminho errado!

Angustiado, saltou do furgão e examinou as paredes ao redor. Nenhuma

porta nem portão.

Lembrou-se do anjo acima da entrada do túnel e pensou se teria sido uma

coincidência. Não!

Ouviu de novo as palavras do matador na fonte. Ela está na Igreja da

Iluminação, esperando a minha volta. Langdon não chegara tão longe para falhar

no final. Seu coração batia com força. A frustração e o ódio estavam começando a

prejudicar seus sentidos.

Quando viu sangue no chão, seu primeiro pensamento foi para Vittoria.

Todavia, acompanhando as manchas de sangue, percebeu que eram pegadas. Os

passos eram grandes. Os borrões vermelhos eram produzidos apenas pelo pé

esquerdo. O Hassassin!

Langdon seguiu as pegadas, que iam na direção de um ângulo do aposento,

sua sombra espalhada se tornando menos nítida a cada passo. À medida que se

aproximava da parede, ficava mais intrigado. As marcas de sangue pareciam ir

diretamente para aquele canto e depois sumiam.

Ao chegar perto da quina, mal pôde acreditar no que viu. Ali, o bloco de

granito do piso não era quadrado como os outros. Langdon encontrava-se diante

de mais um sinalizador. O bloco fora esculpido na forma de um perfeito

pentagrama, com uma extremidade apontando para o canto.

Engenhosamente disfarçada por paredes superpostas, uma estreita fenda na

pedra servia de saída. Langdon esgueirou-se por ela. Saiu em um corredor. Mais

adiante, viu os restos da vedação de madeira que antes estivera fechando aquele

túnel.

Além, havia luz.

Langdon correu. Passou por cima dos pedaços de madeira em direção à luz.

O corredor logo chegou a outra câmara, maior do que a anterior. Ali, uma

única tocha acesa reluzia, presa na parede. Langdon estava em um setor do castelo

onde não havia luz elétrica, um setor que nenhum turista jamais veria.

A sala teria sido assustadora mesmo à luz do dia, mas a tocha tornava-a

mais horripilante ainda.

Havia lá dezenas de minúsculas celas de prisão, as barras de ferro da

maioria já carcomidas pela ferrugem.

Uma das celas maiores, porém, permanecia intacta e, no chão, Langdon viu

algo que quase fez seu coração parar. Batinas negras e faixas de seda vermelha

espalhadas. Foi aqui que ele prendeu os cardeais!

Junto à cela, na parede, um batente de porta feito de ferro. A porta estava

escancarada e, além dela, dava para ver uma espécie de passagem. Ele correu para

lá, mas parou antes. A trilha de sangue não seguia pela passagem. Ao ver as

palavras que haviam sido esculpidas na arcada, entendeu por quê.

Il Passetto.

Ficou atônito. Ouvira falar daquele túnel muitas vezes sem saber

exatamente onde seria a entrada. Il Passetto - a Pequena Passagem, ou Corredor -

era um túnel estreito de 1.200 metros construído entre o Castelo Sant'Angelo e o

Vaticano. Fora usado por vários Papas para escapar em segurança durante cercos

ao Vaticano, bem como por alguns Papas menos piedosos para visitar

secretamente suas amantes ou supervisionar as torturas infligidas a seus inimigos.

Atualmente, as duas extremidades do túnel estavam supostamente trancadas com

cadeados da maior segurança cujas chaves deviam ser guardadas em algum cofre

do Vaticano. Langdon desconfiava que sabia agora como os Illuminati tinham

entrado e saído do Vaticano. Deu por si tentando adivinhar quem teria traído a

Igreja e entregado as chaves aos inimigos.

Olivetti? Alguém da Guarda Suíça? Nada disso importava mais.

O sangue no chão levava ao lado oposto da prisão. Langdon seguiu-o.

Surgiu um portão enferrujado coberto de correntes. O cadeado fora retirado e o

portão estava aberto. Depois dele, havia uma subida íngreme por escadas em

espiral. O chão naquele ponto também fora marcado com um bloco em forma de

pentagrama. Langdon olhou para o bloco, trêmulo, pensando se Bernini em pessoa

teria segurado o cinzel que talhara aquela peça. Acima, a arcada fora enfeitada

com um diminuto querubim esculpido. Era tudo.

A trilha de sangue subia as escadas.

Antes de subir, Langdon ponderou que iria precisar de uma arma, qualquer

uma. Encontrou um pedaço de barra de ferro de mais ou menos um metro junto a

uma das celas. Tinha uma ponta aguda, despedaçada.

Apesar de absurdamente pesado, era o melhor que poderia conseguir.

Esperava que o elemento surpresa, combinado com o ferimento do Hassassin,

fossem suficientes para equilibrar a balança a seu favor. Mais do que tudo,

entretanto, esperava que não fosse tarde demais.

Os degraus da escada em espiral estavam gastos e inclinavam-se muito

para cima. Langdon subiu, atento a qualquer som. Nenhum. Conforme subia, a luz

que vinha da prisão ia aos poucos ficando fraca. Logo, a escuridão tornou-se

completa e foi preciso manter uma das mãos na parede. Imaginava o fantasma de

Galileu naqueles mesmos degraus, ansioso para partilhar suas visões do céu com

outros homens de ciência e de fé.

Ainda se sentia em estado de choque a respeito da localização do refúgio

dos Illuminati. A sala de encontros dos Illuminati era dentro de um prédio que

pertencia ao Vaticano. Seguramente, enquanto os guardas do Vaticano saíam para

revistar as casas e os porões de cientistas conhecidos, os Illuminati se reuniam ali,

bem debaixo do nariz da Igreja. Tudo parecia de repente tão perfeito. Bernini,

como o arquiteto que chefiara as reformas, teria acesso ilimitado àquela estrutura,

reformando-a de acordo com suas próprias especificações sem ter de explicar

nada a ninguém. Quantas entradas secretas Bernini teria acrescentado ao prédio?

Quantos embelezamentos sutis para apontar o caminho?

A Igreja da Iluminação. Langdon estava perto dela.

Quando as escadas começaram a se estreitar, Langdon sentiu o corredor se

fechando em torno dele. As sombras da história sussurravam no escuro, mas ele

foi em frente. Ao divisar uma faixa horizontal de luz, percebeu que estava alguns

degraus abaixo de um patamar, onde o brilho da tocha passava sob a soleira de

uma porta em frente dele. Silenciosamente, subiu mais.

Não sabia em que lugar do castelo se encontrava naquele momento, mas

sabia que subira o bastante para estar perto do ponto mais alto. Imaginou o anjo

colossal no topo do castelo e calculou que deveria estar justamente acima daquele

ponto.

Olhe por mim, anjo, pensou, empunhando a barra de ferro. Então, sem

ruído, estendeu a mão para a porta.

No divã, os braços de Vittoria doíam. Ao acordar e descobrir que estavam

amarrados atrás de suas costas, achou que conseguiria relaxar o corpo e soltar as

mãos. Mas o tempo se esgotara.

A besta-fera estava de volta. Agora, ele estava de pé junto dela, o peito nu

largo e robusto, cheio de cicatrizes das batalhas que lutara. Os olhos pareciam

duas fendas negras analisando o corpo dela. Vittoria pressentiu que naquele

momento ele imaginava as façanhas que estava prestes a realizar. Devagar, como

para escarnecer dela, o Hassassin tirou o cinto molhado e deixou-o cair no chão.

Vittoria sentiu uma repulsa horrível. Fechou os olhos. Quando os reabriu, o

Hassassin estava segurando um canivete. Fez a lâmina saltar com um estalo bem

na frente do seu rosto.

Vittoria viu o próprio rosto aterrorizado refletido no aço da lâmina.

O Hassassin virou a lâmina e correu a parte de trás pela barriga dela. O

metal gelado deu-lhe arrepios. Com um olhar de desdém, ele deslizou a lâmina

por dentro do cós do short cáqui. Ela prendeu a respiração. Ele moveu a lâmina de

um lado para outro, lentamente, perigosamente mais baixo. Então, curvou-se para

ela, o hálito quente em seu ouvido, e sussurrou:

- Foi com esta lâmina que arranquei o olho de seu pai.

Naquele instante, Vittoria descobriu que era capaz de matar.

O Hassassin virou de novo a lâmina e começou a cortar o tecido do short.

De repente, parou e levantou a cabeça. Havia mais alguém na sala.

- Afaste-se dela - uma voz profunda soou raivosa da porta.

Vittoria não podia enxergar quem falara, mas reconheceu a voz. Robert!

Ele está vivo!

O Hassassin tinha a expressão de quem vê um fantasma.

- Senhor Langdon, o senhor deve ter um anjo da guarda.

CAPÍTULO 108

Na fração de segundo de que dispôs para avaliar o ambiente, Langdon

percebeu que se encontrava em um lugar sagrado. Os ornatos na sala oblonga,

apesar de velhos e desbotados, estavam repletos de uma simbologia conhecida.

Azulejos em forma de pentagrama, afrescos representando os planetas. Pombas.

Pirâmides.

A Igreja da Iluminação. Pura e simplesmente. Ele chegara.

Na sua frente, emoldurado pela abertura da sacada, estava o Hassassin.

Tinha o peito nu e junto dele, deitada e amarrada mas bem viva, estava Vittoria.

Langdon sentiu um grande alívio ao vê-la. Por um instante, seus olhos se

encontraram e uma torrente de emoções fluiu entre os dois - gratidão, desespero e

pena.

- Quer dizer que nos encontramos de novo - disse o Hassassin. Viu a barra

de ferro na mão de Langdon e deu uma risada alta. - E desta vez é com isso que

vem atrás de mim?

- Solte-a.

O Hassassin encostou a faca no pescoço de Vittoria.

- Vou matá-la.

Langdon não duvidava de que ele fosse capaz de tal coisa.

Forçou-se a falar em um tom calmo.

- Imagino que ela gostaria muito disso, considerando-se a alternativa.

O Hassassin sorriu ao ouvir o insulto.

- Tem razão. Ela tem muito a oferecer. Seria um desperdício.

Langdon deu um passo à frente, segurando com firmeza a barra

enferrujada, e mirou o Hassassin com a ponta quebrada. O corte em sua mão

ardeu fortemente.

- Deixe-a ir.

Por um momento, o Hassassin deu a impressão de estar refletindo a

respeito. Suspirando, descaiu os ombros. Era nitidamente um gesto de rendição e,

no entanto, naquele instante exato, o braço do homem acelerou-se de modo

inesperado. Os músculos escuros formaram um borrão e a lâmina veio reluzindo

pelo ar na direção do peito de Langdon.

Se foi instinto ou exaustão o que na hora vergou os joelhos de Langdon, ele

não soube, mas o canivete passou rente à sua orelha esquerda e caiu no chão com

um ruído metálico. O Hassassin, imperturbável, sorriu para Langdon, que se

ajoelhara, segurando a barra de ferro. O matador deixou Vittoria e encaminhou-se

para seu adversário como um leão que avança para a presa.

Langdon levantou-se apressado erguendo outra vez a barra - a camisa e a

calça molhadas tolhendo-lhe os movimentos. O Hassassin, seminu, movia-se com

mais rapidez, a ferida no pé aparentemente em nada o atrapalhava. Aquele homem

devia estar acostumado à dor. Pela primeira vez na vida Langdon desejou estar

segurando um revólver muito grande.

O Hassassin rodeou-o devagar, com ar divertido, sempre fora de alcance,

tentando se aproximar da faca no chão. Langdon pôs-se no meio do caminho.

Então, o matador voltou para perto de Vittoria. Mais uma vez, Langdon interpôsse.

- Ainda há tempo - arriscou Langdon. - Diga onde está a antimatéria. O

Vaticano pode lhe pagar mais do que os Illuminati jamais fariam.

- Você é ingênuo.

Langdon dava estocadas com a barra. O Hassassin desviava-se. Langdon

contornou um banco segurando a arma diante de si, tentando encurralar o outro na

sala oval. Esta sala desgraçada não tem cantos!

Curiosamente, o Hassassin não se mostrava interessado em atacar ou fugir.

Fazia apenas o jogo de Langdon. Esperando, com frieza.

Esperando o quê? O matador continuava se deslocando em círculo, um

mestre na arte de se posicionar.

Era como um interminável jogo de xadrez. A arma na mão de Langdon ia

ficando pesada e logo ele achou que sabia o que o Hassassin esperava. Ele está me

cansando. E está dando certo. Uma onda de fadiga invadiu-o, a adrenalina sozinha

não bastando para mantê-lo alerta. Tinha de tomar uma iniciativa qualquer.

O matador pareceu adivinhar os pensamentos de Langdon e mudou de

posição outra vez, como se tencionasse levá-lo para junto da mesa que ficava no

centro do aposento. Langdon reparou que havia alguma coisa em cima da mesa.

Algo que reluziu à luz da tocha. Uma arma? Langdon manteve os olhos fixos no

Hassassin e manobrou para chegar antes dele perto da mesa. Quando o outro

lançou um olhar inocente, prolongado, para a mesa, Langdon tentou não engolir a

isca. Mas o instinto prevaleceu.

Relanceou os olhos para lá. E fez- se o estrago.

Não se tratava de arma nenhuma. O que viu momentaneamente o fascinou.

Sobre a mesa havia uma arca primitiva de cobre coberto de pátina. Tinha a

forma de um pentágono. A tampa estava aberta. Arrumados dentro dela em cinco

compartimentos acolchoados estavam cinco ferros de marcar, grandes

instrumentos com fortes cabos de madeira. Langdon já sabia o que diziam.

ILLUMINATI, EARTH, AIR, FIRE, WATER.

Virou rápido a cabeça de volta, temendo que o Hassassin fosse aproveitar

para atacar. Mas ele não o fez.

Esperava, quase como se aquele jogo o descansasse. Langdon esforçou-se

para recuperar a concentração e o contato visual com seu oponente, arremetendo

com o cano. A imagem da arca, porém, não lhe saía da cabeça. Embora a visão

dos próprios ferros de marcar fosse quase hipnótica - poucos estudiosos dos

Illuminati sequer acreditavam que tais objetos existissem -, ele notou que havia

algo mais na arca que lhe despertara um mau presságio. Quando o Hassassin fez

uma nova manobra, Langdon lançou outro olhar para baixo.

Deus meu!

Dentro da arca, os cinco ferros estavam dispostos em cinco

compartimentos em torno da borda exterior.

No centro, porém, havia outro compartimento. Vazio, naquele momento,

mas claramente o lugar onde era guardado mais um ferro, muito maior do que os

outros e todo quadrado.

O ataque veio como um raio.

O Hassassin precipitou-se sobre ele como uma ave de rapina. Langdon,

cuja concentração fora magistralmente desviada, tentou revidar, mas a barra de

ferro pesava como um tronco de árvore em suas mãos. Deu um golpe devagar

demais. O Hassassin esquivou-se. Quando Langdon tentou puxar a barra de novo

para si, as mãos do outro projetaram-se para a frente e agarraram-na. O homem

tinha muita força nas mãos, o braço ferido não parecia afetá-lo mais. Os dois

lutaram violentamente. Langdon sentiu o outro arrancar-lhe a barra e, ao mesmo

tempo, uma dor lancinante na palma da mão. No instante seguinte, Langdon

encarava a ponta quebrada da barra de ferro. O caçador virara caça.

A sensação era a de ser atingido por um ciclone. O Hassassin rodeava-o,

sorrindo, encurralando-o contra a parede.

- Como é mesmo aquele ditado? - zombava ele. - Aquele sobre a

curiosidade e o gato?

Langdon mal conseguia se concentrar. Amaldiçoou seu descuido enquanto

o adversário se aproximava mais. Nada fazia sentido. Uma sexta marca

Illuminati? Frustrado, falou sem pensar:

- Nunca li nada sobre uma sexta marca dos Illuminati!

- Acho que deve ter lido, sim. - O matador deu uma risadinha, fazendo

Langdon se deslocar ao longo da parede oval.

Langdon estava perdido. Seguramente, nunca soubera da existência dela.

Havia cinco marcas Illuminati.

Recuou, procurando na sala alguma coisa que lhe pudesse servir de arma.

- Uma união perfeita de antigos elementos - disse o Hassassin. - A marca

final é a mais brilhante de todas. É uma pena, mas acho que você nunca a verá.

Langdon receava que deixasse de ver muita coisa dentro de pouco tempo.

Continuou a recuar, buscando uma opção de defesa na sala.

- E você já viu essa marca final? - perguntou Langdon, tentando ganhar

tempo.

- Pode ser que algum dia eles me dêem essa honra. Conforme eu provar

meu valor. - E deu uma estocada em Langdon, como se aquilo fosse um jogo

animado.

Langdon deslizou para trás mais uma vez. Tinha a sensação de que o

Hassassin conduzia-o ao longo da parede para um ponto desconhecido. Para

onde? Não podia se permitir olhar o que havia atrás.

- E essa marca - perguntou -, onde está ela?

- Não está aqui. Janus é aparentemente o único que a usa.

- Janus? - Langdon não reconheceu o nome.

- O líder Illuminati. Vai chegar em breve.

- Ele está vindo para cá?

- Para fazer a última marcação.

Langdon lançou um olhar assustado para Vittoria. Ela parecia estranhamente

calma, os olhos fechados para o mundo a seu redor, os pulmões bombeando

o ar devagar, fundo. Seria ela a vítima final? Seria ele?

- Que presunção - desdenhou o Hassassin, acompanhando o olhar de

Langdon. - Vocês dois não são nada.

Vão morrer, claro, isto é certo. Mas a vítima final de que falo é um inimigo

verdadeiramente perigoso.

Langdon tentou dar sentido às palavras do Hassassin. Um inimigo

perigoso? Os cardeais mais importantes estavam mortos, O Papa estava morto. Os

Illuminati tinham acabado com todos eles. Langdon encontrou a resposta no

vácuo dos olhos do Hassassin.

O camerlengo.

O camerlengo Ventresca fora o único homem que funcionara como um

farol de esperança para o mundo através de todas aquelas atribulações. O

camerlengo fizera mais naquela noite para condenar os Illuminati do que décadas

de teorias conspiratórias. Tudo indicava que pagaria um preço por isto. Era ele o

alvo final dos Illuminati.

- Você nunca chegará até ele - Langdon desafiou-o.

- Eu, não - replicou o Hassassin, obrigando Langdon a recuar mais contra a

parede. - Essa honra está reservada para o próprio Janus.

- O líder dos Illuminati em pessoa pretende marcar a fogo o camerlengo?

- O poder tem seus privilégios.

- Ninguém vai conseguir entrar no Vaticano agora!

O Hassassin observou, com ar pretensioso:

- A não ser que ele tenha um encontro marcado.

Langdon custou a entender. A única pessoa esperada no Vaticano naquele

momento era o tal personagem que a imprensa estava chamando de Samaritano da

Décima Primeira Hora, a pessoa que Rocher dissera ter informações que poderiam

salvar...

Deus do Céu!

O homem riu um riso afetado, claramente se divertindo com o choque de

Langdon.

- Também me perguntei como Janus conseguiria entrar. Então, quando

vinha para cá, ouvi no rádio do carro a notícia sobre o Samaritano da Décima

Primeira Hora. - Ele sorriu. - O Vaticano vai receber Janus de braços abertos.

Langdon quase perdeu o equilíbrio. Janus é o Samaritano! Tratava-se de

um disfarce impensável. O líder dos Illuminati teria uma escolta real até os

aposentos do camerlengo. Mas como Janus enganou Rocher?

Ou será que Rocher está de alguma forma envolvido? Langdon sentiu um

calafrio. Desde que quase morrera asfixiado nos arquivos secretos deixara de

confiar inteiramente em Rocher.

O Hassassin deu uma espetadela súbita, acertando o lado do corpo de

Langdon.

Ele saltou para trás, cheio de raiva.

- Janus não vai sair vivo de lá!

O outro deu de ombros.

- Existem causas pelas quais vale a pena morrer.

O assassino falava sério. Janus iria à Cidade do Vaticano em uma missão

suicida? Era uma questão de honra? Em segundos, a mente de Langdon

reconstruiu todo o aterrorizante processo. O ciclo da trama dos Illuminati estava

se fechando. O sacerdote que os Illuminati tinham inadvertidamente levado ao

poder ao matarem o Papa surgia como um adversário de peso. Em um ato final de

desafio, o líder dos Illuminati iria destruí-lo.

Inesperadamente, a parede atrás de Langdon desapareceu. Uma lufada de

ar frio envolveu-o e ele recuou cambaleando dentro da noite. A sacada! Agora

sabia o que o Hassassin tinha em mente.

Langdon sentiu logo o precipício às suas costas - uma queda de 30 metros

no pátio abaixo. Tinha visto ao entrar. O Hassassin não perdeu tempo. Com um

impulso vigoroso, investiu. A lança improvisada mirou o tronco de Langdon. Ele

se desviou e a ponta passou rente, pegando somente sua camisa. Outra vez, a

ponta da barra de ferro veio para cima dele. Langdon deslizou mais para trás,

quase encostado na balaustrada. Certo de que o golpe seguinte o mataria, tentou o

absurdo. Girando para o lado, estendeu a mão e agarrou a barra, sentindo uma

ferroada de dor na palma ferida. Mas não a largou.

O Hassassin não se abalou. Os dois puxaram durante um momento, cada

um para um lado, face a face, o hálito fétido do Hassassin junto às narinas de

Langdon. A barra começou a escorregar, o Hassassin era muito forte. Num último

gesto de desespero, Langdon esticou a perna, arriscando perigosamente seu

equilíbrio, tentando pisar no dedo ferido do pé do Hassassin. Mas o homem era

um profissional e sabia como proteger seu ponto fraco.

Langdon dera sua cartada final. E sabia que perdera a mão.

Os braços do Hassassin explodiram para cima, fazendo Langdon ir de

encontro à grade da sacada. Só havia o espaço vazio atrás dele agora, já que a

grade chegava apenas à altura de suas nádegas. O Hassassin segurou a barra na

horizontal e pressionou-a contra o peito de Langdon. As costas dele arquearam-se

no espaço.

- Ma'assalamah - zombou o Hassassin. - Adeus.

Com um olhar impiedoso, deu o empurrão final. O centro de gravidade de

Langdon deslocou-se e seus pés levantaram-se do chão. Apelando para a última

esperança de sobrevivência, Langdon agarrou-se à grade quando seu corpo virou e

passou por cima dela. A mão esquerda escapuliu, mas a direita se manteve. Ficou

pendurado de cabeça para baixo, preso pelas pernas e por uma das mãos, fazendo

força para não se soltar.

E viu o Hassassin assomar no alto com a barra erguida acima da cabeça,

preparando-se para descê-la em sua direção. Quando a barra começou a se

acelerar, Langdon teve uma visão. Talvez fosse a iminência da morte ou

simplesmente o medo cego, mas naquele momento uma aura cercou o vulto do

Hassassin. Um clarão fulgurante foi aumentando por trás dele vindo do nada,

como uma bola de fogo chegando.

No meio do movimento de ataque, ele largou a barra e gritou de dor.

A barra de ferro passou por Langdon e desceu retinindo na escuridão. O

matador virou-se e Langdon viu a enorme queimadura da tocha nas costas dele.

Langdon puxou o corpo para cima e viu Vittoria, os olhos dardejantes, agora

enfrentando o Hassassin.

Ela agitava a tocha diante de si, a vingança em seu rosto resplandecendo

nas chamas. Como ela escapara, Langdon não sabia nem queria saber. Ele subiu

pela grade para voltar para a sacada.

A batalha não duraria muito. O Hassassin era um oponente mortal. Com

um urro furioso, ele arremeteu contra ela. Ela tentou se esquivar, mas ele segurou

a tocha e estava prestes a tirá-la da mão dela. Langdon não esperou. Pulou da

grade da sacada e lançou o punho fechado na queimadura das costas do homem.

O berro dele pareceu ecoar até o Vaticano.

O homem se imobilizou um instante, as costas curvadas em agonia. Soltou

a tocha e Vittoria então a comprimiu com toda a força no rosto de seu inimigo. A

carne queimada chiou, o olho esquerdo dele crepitou. O homem deu outro urro,

levando as duas mãos ao rosto.

- Olho por olho - disse Vittoria, a voz sibilante.

E, dessa vez, girou a tocha como um bastão que, quando atingiu o alvo, fez

o homem recuar vacilando de encontro à grade da sacada. Langdon e Vittoria

correram ao mesmo tempo para ele, ambos levantando-o e empurrando. O corpo

do Hassassin tombou de costas por cima da grade e mergulhou na noite. Não

houve mais gritos. O único som foi o de sua espinha dorsal se partindo quando ele

caiu de braços abertos em cima de uma pilha de balas de canhão no pátio.

Langdon virou-se e olhou para Vittoria, perplexo. As cordas ainda

pendiam, frouxas, da sua cintura e dos ombros. Os olhos relampejavam,

ameaçadores.

- Houdini fazia ioga.

CAPÍTULO 109

Enquanto isso, na Praça de São Pedro,a barreira formada pelos homens da

Guarda Suíça gritava ordens e tentava fazer a multidão recuar para uma distância

segura. Não adiantava. A massa de gente era densa demais e, pelo jeito, estava

muito mais interessada na catástrofe iminente do Vaticano do que na própria

segurança. Os telões da imprensa instalados na praça transmitiam ao vivo a

contagem regressiva da bomba de antimatéria - em imagem direta do monitor de

segurança da Guarda Suíça -, com os cumprimentos do camerlengo. Infelizmente,

a imagem do contador em nada contribuía para afastar o povo. As pessoas

olhavam para a gotinha minúscula de líquido em suspensão no tubo e

aparentemente concluíam que não era tão ameaçadora quanto haviam pensado.

Também podiam ver agora os números no contador - faltavam pouco menos de 45

minutos para a detonação. Tempo mais do que suficiente para ficar ali e observar

tudo.

Mesmo assim, a Guarda Suíça era unânime em admitir que a corajosa

decisão do camerlengo de contar a verdade ao mundo e em seguida fornecer à

imprensa a prova visual da traição dos Illuminati tinha sido uma hábil manobra.

Os Illuminati com certeza esperavam que o Vaticano adotasse sua atitude

reticente habitual diante das adversidades. Isso não acontecera naquela noite. O

camerlengo Carlo Ventresca provara ser um adversário respeitável.

Dentro da Capela Sistina, o cardeal Mortati ia ficando inquieto. Passava de

11h15. Muitos cardeais continuavam a rezar, mas outros haviam se agrupado

perto da saída, visivelmente aflitos com a hora. Alguns começaram a bater na

porta com os punhos.

Do outro lado da porta, o tenente Chartrand ouvia as batidas e não sabia o

que fazer. Verificou seu relógio. Estava na hora. O capitão Rocher dera ordens

rigorosas, determinando que não deixasse os cardeais saírem enquanto ele não

mandasse. As batidas na porta se intensificaram e Chartrand sentiu-se

embaraçado. Será que o capitão simplesmente se esquecera? Ele vinha agindo de

modo muito estranho desde o misterioso telefonema.

Chartrand tirou seu walkie-talkie.

- Capitão? Aqui é Chartrand. Já passou da hora. Devo abrir a Sistina?

- A porta permanece fechada. Acho que já lhe dei essa ordem.

- Sim, senhor, é que...

- Nosso visitante deve estar chegando. Leve alguns homens para cima e

vigiem a porta do escritório do Papa. O camerlengo não pode sair de lá sob

hipótese alguma.

- Como disse, senhor?

- O que é que não está compreendendo, tenente?

- Não foi nada, senhor, estou a caminho.

Lá em cima, no escritório do Papa, o camerlengo contemplava o fogo em

silenciosa meditação. Dê-me forças, meu Deus. Faça um milagre. Atiçou as

chamas da lareira, pensando se sobreviveria àquela noite.



Nenhum comentário:

Postar um comentário