domingo, 1 de março de 2009


O Pequeno Príncipe - Livro [part2]


IV

Eu aprendera, pois, uma segunda coisa, importantíssima: o seu planeta de origem

era pouco maior que uma casa!

Não era surpresa para mim. Sabia que além dos grandes planetas - Terra, Júpiter,

Marte ou Vênus, aos quais se deram nomes há centenas e centenas de outros, por vezes

tão pequenos que mal se vêem no telescópio.

Quando o astrônomo descobre um deles, dá-lhe por nome um número.

Chama-o, por exemplo: "asteróide 3251".

Tenho sérias razões para supor que o planeta de onde vinha o príncipe era o

asteróide B 612. Esse asteróide só foi visto uma vez ao telescópio, em 1909, por um

astrônomo turco.

Ele fizera na época uma grande demonstração da sua descoberta num Congresso

Internacional de Astronomia. Mas ninguém lhe dera crédito, por causa das roupas que

usava. As pessoas grandes são assim.

Felizmente para a reputação do asteróide B 612, um ditador turco obrigou o povo,

sob pena de morte, a vestir-se à moda européia. O astrônomo repetiu sua demonstração

em 1920, numa elegante casaca. Então, dessa vez, todo o mundo se convenceu.

Se lhes dou esses detalhes sobre o asteróide B612 e lhes confio o seu número, é

por causa das pessoas grandes.

As pessoas grandes adoram os números. Quando a gente lhes fala de um novo

amigo, elas jamais se informam do essencial. Não perguntam nunca: "Qual é o som da sua

voz? Quais os brinquedos que prefere? Será que ele coleciona borboletas? "Mas

perguntam:

"Qual é sua idade? Quantos irmãos tem ele? Quanto pesa?

Quanto ganha seu pai?" Somente então é que elas julgam conhecê-lo. Se dizemos

às pessoas grandes: "Vi uma bela casa de tijolos cor-de-rosa, gerânios na janela, pombas

no telhado. . . " elas não conseguem, de modo nenhum, fazer uma idéia da casa. É preciso

dizer-lhes: "Vi uma casa de seiscentos contos". Então elas exclamam: "Que beleza!"

Assim, se a gente lhes disser: "A prova de que o principezinho existia é que ele era

encantador, que ele ria, e que ele queria um carneiro. Quando alguém quer um carneiro, é

porque existe" elas darão de ombros e nos chamarão de criança! Mas se dissermos: "O

planeta de onde ele vinha é o asteróide B 612" ficarão inteiramente convencidas, e não

amolarão com perguntas. Elas são assim mesmo.

É preciso não lhes querer mal por isso. As crianças devem ser muito indulgentes

com as pessoas grandes.

Mas nós, nós que compreendemos a vida, nós não ligamos aos números ! Gostaria

de ter começado esta história à moda dos contos de fada. Teria gostado de dizer:

"Era uma vez um pequeno príncipe que habitava um planeta pouco maior que ele,

e que tinha necessidade de um amigo..." Para aqueles que compreendem a vida, isto

pareceria sem dúvida muito mais verdadeiro.

Porque eu não gosto que leiam meu livro levianamente. Dá-me tanta tristeza narrar

essas lembranças ! Faz já seis anos que meu amigo se foi com seu carneiro. Se tento

descrevê-lo aqui, é justamente porque não o quero esquecer. É triste esquecer um amigo.

Nem todo o mundo tem amigo. E eu corro o risco de ficar como as pessoas grandes, que

só se interessam por números. Foi por causa disso que comprei uma caixa de tintas e

alguns lápis também. É duro pôr-se a desenhar na minha idade, quando nunca se fez outra

tentativa além das jibóias fechadas e abertas dos longínquos seis anos ! Experimentarei,

claro, fazer os retratos mais parecidos que puder. Mas não tenho muita esperança de

conseguir. Um desenho parece passável; outro, já é inteiramente diverso. Engano-me

também no tamanho. Ora o principezinho está muito grande, ora pequeno demais. Hesito

também quanto a cor do seu traje.

Vou arriscando então, aqui e ali. Enganar-me-ei provavelmente em detalhes dos

mais importantes. Mas é preciso desculpar. Meu amigo nunca dava explicações.

Julgava-me talvez semelhante a ele. Mas, infelizmente, não sei ver carneiro através

de caixa. Sou um pouco como as pessoas grandes. Acho que envelheci.

V

Dia a dia eu ficava sabendo mais alguma coisa do Planeta, da partida, da viagem.

Mas isso devagarinho, ao acaso das reflexões. Foi assim que vim a conhecer, no terceiro

dia, o drama dos baobás.

Dessa vez ainda, foi graças ao carneiro. Pois bruscamente o principezinho me

interrogou, tomado de grave dúvida:

É verdade que os carneiros comem arbustos?

Sim. É verdade.

Ah! Que bom!

Não compreendi logo porque era tão importante que os carneiros comessem

arbustos. Mas o principezinho acrescentou:

- Por conseguinte eles comem também os baobás?

Fiz notar ao principezinho que os baobás não são arbustos, mas árvores grandes

como igrejas. E que mesmo que ele levasse consigo todo um rebanho de elefantes, eles

não chegariam a dar cabo de um único baobá.

A idéia de um rebanho de elefantes fez rir ao principezinho:

- Seria preciso votar um por cima do outro ...

Mas notou, em seguida, sabiamente:

- Os baobás, antes de crescer, são pequenos.

- É fato ! Mas por que desejas tu que os carneiros comam os baobás pequenos?

- Por que haveria de ser? respondeu-me, como se se tratasse de uma evidência. E

foi-me preciso um grande esforço de inteligência para compreender sozinho esse

problema.

Com efeito, no planeta do principezinho havia, como em todos os outros planetas,

ervas boas e más. Por conseguinte, sementes boas, de ervas boas; sementes más, de ervas

más. Mas as sementes são invisíveis. Elas dormem no segredo da terra até que uma cisme

de despertar. Então ela espreguiça, e lança timidamente para o sol um inofensivo galinho.

Se é de roseira ou rabanete, podemos deixar que cresça à vontade. Mas quando se trata de

uma planta ruim, é preciso arrancar logo, mal a tenhamos conhecido.

Ora, havia sementes terríveis no planeta do principezinho: as sementes de baobá ...

O solo do planeta estava infestado. E um baobá, se a gente custa a descobri-lo, nunca

mais se livra dele. Atravanca todo o planeta. Perfura-o com suas raízes.

E se o planeta é pequeno e os baobás numerosos, o planeta acaba rachando.

"É uma questão de disciplina, me disse mais tarde o principezinho. Quando a gente

acaba a toalete da manhã, começa a fazer com cuidado a toalete do planeta. É preciso que

a gente se conforme em arrancar regularmente os baobás logo que se distinguam das

roseiras, com as quais muito se parecem quando pequenos. É um trabalho sem graça, mas

de fácil execução."

E um dia aconselhou-me a tentar um belo desenho que fizesse essas coisas

entrarem de uma vez na cabeça das crianças. "Se algum dia tiverem de viajar, explicoume,

poderá ser útil para elas. às vezes não há inconveniente em deixar um trabalho para

mais tarde. Mas, quando se trata de baobá, é sempre uma catástrofe. Conheci um planeta

habitado por um preguiçoso. Havia deixado três arbustos. . .

E, de acordo com as indicações do principezinho, desenhei o tal planeta. Não gosto

de tomar o tom de moralista.

Mas o perigo dos baobás é tão pouco conhecido, e tão grandes os riscos daquele

que se perdesse num asteróide, que, ao menos uma vez, faço exceção à minha reserva. E

digo portanto: "Meninos! Cuidado com os baobás!" Foi para advertir meus amigos de um

perigo que há tanto tempo os ameaçava, como a mim, sem que pudéssemos suspeitar, que

tanto caprichei naquele desenho. A lição que eu dava valia a pena. Perguntarão, talvez:

Por que não há nesse livro outros desenhos tão grandiosos como o desenho dos baobás? A

resposta é simples: Tentei, mas não consegui.

Quando desenhei os baobás, estava inteiramente possuído pelo sentimento de

urgência.

VI

Assim eu comecei a compreender, pouco a pouco, meu pequeno principezinho, a

tua vidinha melancólica. Muito tempo não tiveste outra distração que a doçura do pôr-dosol.

Aprendi esse novo detalhe quando me disseste, na manhã do quarto dia:

- Gosto muito de pôr-do-sol. Vamos ver um ...

- Mas é preciso esperar.

- Esperar o quê?

- Esperar que o sol se ponha.

Tu fizeste um ar de surpresa, e, logo depois, riste de ti mesmo. Disseste-me:

Eu imagino sempre estar em casa!

De fato. Quando é meio-dia nos Estados Unidos, o sol, todo mundo sabe, está se

deitando na França. Bastaria ir à França num minuto para assistir ao pôr-do-sol.

Infelizmente, a França é longe demais. Mas no teu pequeno planeta, bastava apenas

recuar um pouco a cadeira. E contemplavas o crepúsculo todas as vezes que desejavas. . .

Um dia eu vi o sol se pôr quarenta e três vezes!

E um pouco mais tarde acrescentaste:

Quando a gente está triste demais, gosta do pôr-do-sol ...

- Estavas tão triste assim no dia dos quarenta e três?

Mas o principezinho não respondeu.

VII

No quinto dia, sempre graças ao carneiro, este segredo da vida do pequeno

príncipe foi de súbito revelado.

Perguntou-me, sem preâmbulo, como se fora o fruto de um problema muito tempo

meditado em silêncio:

- Um carneiro, se come arbusto, come também as flores?

Um carneiro come tudo que encontra.

Mesmo as flores que tenham espinho?

Sim. Mesmo as que têm.

Então. . . para que servem os espinhos?

Eu não sabia. Estava ocupadíssimo naquele instante, tentando desatarraxar do

motor um parafuso muito apertado. Minha pane começava a parecer demasiado grave, e

em breve já não teria água para beber. . .

- Para que servem os espinhos?

O principezinho jamais renunciava a uma pergunta, depois que a tivesse feito. Mas

eu estava irritado com o parafuso e respondi qualquer coisa:

- Espinho não serve para nada. São pura maldade das flores.

- Oh!

Mas após um silêncio, ele me disse com uma espécie de rancor:

- Não acredito! As flores são fracas. ingênuas. Defendem-se como podem. Elas se

julgam terríveis com os seus espinhos ...

Não respondi. Naquele instante eu pensava: "Se esse parafuso ainda resiste, vou

fazê-lo saltar a martelo". O principezinho perturbou-me de novo as reflexões:

- E tu pensas então que as flores ...

- Ora! Eu não penso nada. Eu respondi qualquer coisa. Eu só me ocupo com coisas

sérias

Ele olhou-me estupefato:

- Coisas sérias !

Via-me, martelo em punho, dedos sujos de graxa, curvado sobre um feio objeto.

- Tu falas como as pessoas grandes!

Senti um pouco de vergonha. Mas ele acrescentou, implacável:

- Tu confundes todas as coisas ...

Misturas tudo !

Estava realmente muito irritado. Sacudia ao vento cabelos de ouro:

- Eu conheço um planeta onde há um sujeito vermelho, quase roxo. Nunca cheirou

uma flor. Nunca olhou uma estrela.

Nunca amou ninguém. Nunca fez outra coisa senão somas. E o dia todo repete

como tu: "Eu sou um homem sério! Eu sou um homem sério!" e isso o faz inchar-se de

orgulho. Mas ele não é um homem; é um cogumelo!

- Um o quê?

- Um cogumelo!

O principezinho estava agora pálido de cólera.

- Há milhões e milhões de anos que as flores fabricam espinhos. Há milhões e

milhões de anos que os carneiros as comem, apesar de tudo. E não será sério procurar

compreender por que perdem tanto tempo fabricando espinhos inúteis? Não terá

importância a guerra dos carneiros e das flores? Não será mais importante que as contas

do tal sujeito? E se eu, por minha vez, conheço uma flor única no mundo, que só existe no

meu planeta, e que um belo dia um carneirinho pode liquidar num só golpe, sem avaliar o

que faz, - isto não tem importância?!

Corou um pouco, e continuou em seguida:

- Se alguém ama uma flor da qual só existe um exemplar em milhões e milhões de

estrelas, isso basta para que seja feliz quando a contempla. Ele pensa: "Minha flor está lá,

nalgum lugar. . . " Mas se o carneiro come a flor, é para ele, bruscamente, como se todas

as estrelas se apagassem! E isto não tem importância!

Não pôde dizer mais nada. Pôs-se bruscamente a soluçar. A noite caíra. Larguei as

ferramentas. Ria-me do martelo, do parafuso, da sede e da morte. Havia numa estrela,

num planeta, o meu, a Terra, um principezinho a consolar! Tomei-o nos braços. Embaleio.

E lhe dizia: "A flor que tu amas não está em perigo... Vou desenhar uma pequena

mordaça para o carneiro... Uma armadura para a flor... Eu..." Eu não sabia o que dizer.

Sentia-me desajeitado. Não sabia como atingi-lo, onde encontrá-lo...

É tão misterioso, o país das lágrimas !

VIII

Pude bem cedo conhecer melhor aquela flor, Sempre houvera, no planeta do

pequeno príncipe, flores muito simples, ornadas de uma só fileira de pétalas, e que não

ocupavam lugar nem incomodavam ninguém. Apareciam certa manhã na relva, e já à

tarde se extinguiam. Mas aquela brotara um dia de um grão trazido não se sabe de onde, e

o principezinho vigiara de perto o pequeno broto, tão diferente dos outros. Podia ser uma

nova espécie de baobá. Mas o arbusto logo parou de crescer, e começou então a preparar

uma flor. O principezinho, que assistia à instalação de um enorme botão, bem sentiu que

sairia dali uma aparição miraculosa; mas a flor não acabava mais de preparar-se, de

preparar sua beleza, no seu verde quarto.

Escolhia as cores com cuidado. Vestia-se lentamente, ajustava uma a uma suas

pétalas. Não queria sair, como os cravos, amarrotada. No radioso esplendor da sua beleza

é que ela queria aparecer. Ah ! sim. Era vaidosa. Sua misteriosa toalete, portanto, durara

dias e dias. E eis que uma bela manhã, justamente à hora do sol nascer, havia-se, afinal,

mostrado.

E ela, que se preparara com tanto esmero, disse, bocejando:

- Ah ! eu acabo de despertar. . . Desculpa... Estou ainda toda despenteada...

O principezinho, então, não pôde conter o seu espanto:

- Como és bonita!

- Não é? respondeu a flor docemente. Nasci ao mesmo tempo que o sol...

O principezinho percebeu logo que a flor não era modesta. Mas era tão comovente!

- Creio que é hora do almoço, acrescentou ela. Tu poderias cuidar de mim ...

E o principezinho, embaraçado, fora buscar um regador com água fresca, e servira

à flor.

Assim, ela o afligira logo com sua mórbida vaidade. Um dia por exemplo, falando

dos seus quatro espinhos, dissera ao pequeno príncipe:

- É que eles podem vir, os tigres, com suas garras!

- Não há tigres no meu planeta, objetara o principezinho. E depois, os tigres não

comem erva.

Não sou uma erva, respondera a flor suavemente.

Perdoa-me ...

Não tenho receio dos tigres, mas tenho horror das correntes de ar. Não terias acaso

um pára-vento?

"Horror das correntes de ar... Não é muito bom para uma planta, notara o

principezinho. é bem complicada essa flor. . . "

À noite me colocarás sob a redoma. Faz muito frio no teu planeta. Está mal

instalado.

De onde eu venho ...

Mas interrompeu-se de súbito.

Viera em forma de semente. Não pudera conhecer nada dos outros mundos.

Humilhada por se ter deixado apanhar numa mentira tão tola, tossiu duas ou três vezes,

para pôr a culpa no príncipe:

- E o pára vento?

- Ia buscá-lo. Mas tu me falavas ...

Então ela redobrara a tosse para infligir-lhe remorso.

Assim o principezinho, apesar da boa vontade do seu amor, logo duvidara dela.

Tomara a sério palavras sem importância, e se tornara infeliz.

"Não a devia ter escutado - confessou-me um dia - não se deve nunca escutar as

flores. Basta olhá-las, aspirar o perfume. A minha embalsamava o planeta, mas eu não me

contentava com isso. A tal história das garras, que tanto me agastara, me devia ter

enternecido.

Confessou-me ainda:

"Não soube compreender coisa alguma! Devia tê-la julgado pelos atos, não pelas

palavras. Ela me perfumava, me iluminava ... Não devia jamais ter fugido. Deveria ter-lhe

adivinhado a ternura sob os seus pobres ardis. São tão contraditórias as flores ! Mas eu

era jovem demais para saber amar."



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