domingo, 1 de março de 2009


O Pequeno príncipe - Livro [part 4]


XIX

O principezinho escalou uma grande montanha. As únicas montanhas que

conhecera eram os três vulcões que lhe davam pelo joelho. O vulcão extinto servia-lhe de

tamborete. "De montanha tão alta, pensava ele, verei todo o planeta e todos os homens.

Mas só viu agulhas de pedra, pontudas.

- Bom dia, disse ele inteiramente ao léu.

- Bom dia ... Bom dia ... Bom dia ... respondeu o eco.

- Quem és tu? perguntou o principezinho.

- Quem és tu ... quem és tu ... quem és tu... respondeu o eco.

- Sêde meus amigos, eu estou só, disse ele.

- Estou só ... estou só ... estou só, respondeu o eco.

Este planeta é todo seco, pontudo e salgado.

"Que planeta engraçado pensou então. É todo seco, pontudo e salgado. E os

homens não têm imaginação. Repetem o que a gente diz ... No meu planeta eu tinha uma

flor: -e era sempre ela que falava primeiro."

XX

Mas aconteceu que o principezinho, tendo andado muito tempo pelas areias, pelas

rochas e pela neve, descobriu, enfim, uma estrada. E as estradas vão todas na direção dos

homens.

- Bom dia, disse ele

Era um jardim cheio de rosas.

- Bom dia, disseram as rosas.

O principezinho contemplou-as. Eram todas iguais a sua flor.

- Quem sois? perguntou ele estupefato.

- Somos rosas, disseram as rosas.

- Ah! exclamou o principezinho. .

E ele sentiu-se extremamente infeliz. Sua flor lhe havia contado que ela era a única

de sua espécie em todo o universo. E eis que havia cinco mil, igualzinhas, num só jardim !

"Ela haveria de ficar bem vermelha, pensou ele, se visse isto... Começaria a tossir,

fingiria morrer, para escapar ao ridículo. E eu então teria que fingir que cuidava dela;

porque se não, só para me humilhar, ela era bem capaz de morrer de verdade. . . "

Depois, refletiu ainda: "Eu me julgava rico de uma flor sem igual, e é apenas uma

rosa comum que eu possuo. Uma rosa e três vulcões que me dão pelo joelho, um dos

quais extinto para sempre. Isso não faz de mim um príncipe muito grande. . ." E, deitado

na relva, ele chorou.

XXI

E foi então que apareceu a raposa:

- Bom dia, disse a raposa.

- Bom dia, respondeu polidamente o principezinho, que se voltou, mas não viu

nada.

Eu estou aqui, disse a voz, debaixo da macieira...

- Quem és tu? perguntou o principezinho. Tu és bem bonita...

- Sou uma raposa, disse a raposa

- Vem brincar comigo, propôs o principezinho. Estou tão triste

- Eu não posso brincar contigo, disse a raposa. Não me cativaram ainda.

- Ah! desculpa, disse o principezinho.

Após uma reflexão, acrescentou:

- Que quer dizer "cativar"?

- Tu não és daqui, disse a raposa. Que procuras?

- Procuro os homens, disse o principezinho - Que quer dizer "cativar"?

- Os homens, disse a raposa, têm fuzis e caçam. É bem incômodo! Criam galinhas

também. É a única coisa interessante que eles fazem - Tu procuras galinhas?

- Não, disse o principezinho. Eu procuro amigos. Que quer dizer "cativar"?

- É uma coisa muito esquecida, disse a raposa. Significa "criar laços.

- Criar laços?

Exatamente, disse a raposa. Tu não és ainda para mim senão um garoto

inteiramente igual a cem mil outros garotos. E eu não tenho necessidade de ti. E tu não

tens também necessidade de mim. Não passo a teus olhos de uma raposa igual a cem mil

outras raposas. Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para

mim o único no mundo. E eu serei para ti única no mundo...

Começo a compreender, disse o principezinho.

Existe uma flor. . . eu creio que ela me cativou ...

É possível, disse a raposa. Vê-se tanta coisa na Terra ...

- Oh! não foi na Terra, disse o principezinho.

A raposa pareceu intrigada:

- Num outro planeta?

- Sim.

- Há caçadores nesse planeta?

- Não.

- Que bom ! E galinhas?

- Também não.

- Nada é perfeito, suspirou a raposa.

Mas a raposa voltou à sua idéia.

- Minha vida é monótona. Eu caço as galinhas e os homens me caçam. Todas as

galinhas se parecem e todos os homens se parecem também. E por isso eu me aborreço

um pouco. Mas se tu me cativas, minha vida será como que cheia de sol. Conhecerei um

barulho de passos que será diferente dos outros. Os outros passos me fazem entrar

debaixo da terra.

O teu me chamará para fora da toca, como se fosse música. E depois, olha! Vês, lá

longe, os campos de trigo?

Eu não como pão. O trigo para mim é inútil. Os campos de trigo não me lembram

coisa alguma. E isso é triste Mas tu tens cabelos cor de ouro. Então será maravilhoso

quando me tiveres cativado. O trigo, que é dourado, fará lembrar-me de ti. E eu amarei o

barulho do vento no trigo ...

A raposa calou-se e considerou por muito tempo o príncipe:

- Por favor... cativa-me disse ela.

- Bem quisera, disse o principezinho, mas eu não tenho muito tempo. Tenho

amigos a descobrir e muitas coisas a conhecer.

- A gente só conhece bem as coisas que cativou, disse a raposa. Os homens não

têm mais tempo de conhecer coisa alguma. Compram tudo prontinho nas lojas. Mas como

não existem lojas de amigos, os homens não têm mais amigos, Se tu queres um amigo,

cativa-me!

Que é preciso fazer? perguntou o principezinho.

É preciso ser paciente, respondeu a raposa. Tu te sentarás primeiro um pouco longe

de mim, assim, na relva. Eu te olharei com o canto do olho e tu não dirás nada. A

linguagem é uma fonte de mal-entendidos. Mas, cada dia, te sentarás mais perto ...

No dia seguinte o principezinho voltou.

- Teria sido melhor voltares à mesma hora, disse a raposa. Se tu vens, por exemplo,

às quatro da tarde, desde as três eu começarei a ser feliz. Quanto mais a hora for

chegando, mais eu me sentirei feliz. Às quatro horas, então, estarei inquieta e agitada:

descobrirei o preço da felicidade! Mas se tu vens a qualquer momento, nunca saberei a

hora de preparar o coração ... É preciso ritos.

- Que é um rito? perguntou o principezinho.

- É uma coisa muito esquecida também, disse a raposa, É o que faz com que um

dia seja diferente dos outros dias; uma hora, das outras horas. Os meus caçadores, por

exemplo, possuem um rito. Dançam na quinta-feira com as moças da aldeia. A quintafeira

então é o dia maravilhoso!

Vou passear até a vinha. Se os caçadores dançassem qualquer dia, os dias seriam

todos iguais, e eu não teria férias !

Assim o principezinho cativou a raposa. Mas, quando chegou a hora da partida, a

raposa disse:

- Ah ! Eu vou chorar.

- A culpa é tua, disse o principezinho, eu não te queria fazer mal; mas tu quiseste

que eu te cativasse ...

- Quis, disse a raposa.

- Mas tu vais chorar ! disse o principezinho.

- Vou, disse a raposa.

- Então, não sais lucrando nada !

- Eu lucro, disse a raposa, por causa da cor do trigo.

Depois ela acrescentou:

- Vai rever as rosas. Tu compreenderás que a tua é a única no mundo. Tu voltarás

para me dizer adeus, e eu te farei presente de um segredo.

Foi o principezinho rever as rosas:

- Vós não sois absolutamente iguais à minha rosa, vós não sois nada ainda.

Ninguém ainda vos cativou, nem cativastes a ninguém. Sois como era a minha raposa. Era

uma raposa igual a cem mil outras. Mas eu fiz dela um amigo.

Ela é agora única no mundo.

E as rosas estavam desapontadas.

- Sois belas, mas vazias, disse ele ainda. Não se pode morrer por vós. Minha rosa,

sem dúvida um transeunte qualquer pensaria que se parece convosco. Ela sozinha é,

porém, mais importante que vós todas, pois foi a ela que eu reguei. Foi a ela que pus sob a

redoma. Foi a ela que abriguei com o pára-vento. Foi dela que eu matei as larvas (exceto

duas ou três por causa das borboletas). Foi a ela que eu escutei queixar-se ou gabar-se, ou

mesmo calar-se algumas vezes. É a minha rosa.

E voltou, então, à raposa:

- Adeus, disse ele...

- Adeus, disse a raposa. Eis o meu segredo. É muito simples: só se vê bem com o

coração. O essencial é invisível para os olhos.

- O essencial é invisível para os olhos, repetiu o principezinho, a fim de se lembrar.

- Foi o tempo que perdeste com tua rosa que fez tua rosa tão importante.

- Foi o tempo que eu perdi com a minha rosa... repetiu o principezinho, a fim de se

lembrar.

- Os homens esqueceram essa verdade, disse a raposa. Mas tu não a deves

esquecer. Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas. Tu és responsável

pela rosa...

- Eu sou responsável pela minha rosa... repetiu o principezinho, a fim de se

lembrar.

XXII

- Bom dia, disse o principezinho.

- Bom dia, respondeu o guarda-chaves.

- Que fazes aqui? perguntou-lhe o principezinho.

- Eu divido os passageiros em blocos de mil, disse o guarda-chaves. Despacho os

trens que os carregam, ora para a direita, ora para a esquerda.

E um rápido iluminado, roncando como um trovão, fez tremer a cabine do guardachaves.

Eles estão com muita pressa, disse o principezinho.

O que é que estão procurando?

- Nem o homem da locomotiva sabe, disse o guarda-chaves.

E trovejou, em sentido inverso, um outro rápido iluminado.

- Já estão de volta? perguntou o principezinho...

- Não são os mesmos, disse o guarda-chaves. É uma troca.

- Não estavam contentes onde estavam?

- Nunca estamos contentes onde estamos, disse o guarda-chaves.

E um terceiro rápido, iluminado, trovejou.

- Estão perseguindo os primeiros viajantes? perguntou o principezinho.

- Não perseguem nada, disse o guarda-chaves. Estão dormindo lá dentro, ou

bocejando - Só as crianças esmagam o nariz nas vidraças.

- Só as crianças sabem o que procuram, disse o principezinho. Perdem tempo com

uma boneca de pano, e a boneca se torna muito importante, e choram quando a gente a

toma ...

- Elas são felizes ... disse o guarda-chaves.

XXIII

- Bom dia, disse o principezinho.

- Bom dia, disse o vendedor.

Era um vendedor de pílulas aperfeiçoadas que aplacavam a sede. Toma-se uma por

semana e não é mais preciso beber.

- Por que vendes isso? perguntou o principezinho.

- É uma grande economia de tempo, disse o vendedor.

Os peritos calcularam - A gente ganha cinqüenta e três minutos por semana.

- E que se faz, então, com os cinqüenta e três minutos?

- O que a gente quiser...

“Eu, pensou o principezinho, se tivesse cinqüenta e três minutos para gastar, iria

caminhando passo a passo, mãos no bolso, na direção de uma fonte. . .”

XXIV

Estávamos no oitavo dia de minha pane. justamente quando bebia a última gota da

minha Provisão de água, foi que ouvi a história do vendedor.

- Ah! disse eu ao principezinho, são bem bonitas as tuas lembranças, mas eu não

consertei ainda meu avião, não tenho mais nada para beber, e eu seria feliz, eu também, se

pudesse ir caminhando passo a passo, mãos no bolso, na direção de uma fonte!

- Minha amiga raposa me disse ...

Meu caro, não se trata mais de raposa .

- Por quê?

- Porque vamos morrer de sede ...

Ele não compreendeu o meu raciocínio, e respondeu:

- É bom ter tido um amigo, mesmo se a gente vai morrer. Eu estou muito contente

de ter tido a raposa por amiga...

- Não avalia o perigo, disse eu. Não tem nunca fome ou sede. Um raio de sol lhe

basta.

Mas ele me olhou e respondeu ao que eu pensava:

- Tenho sede também ... procuremos um POÇO ...

- Eu fiz um gesto de desanimo: é absurdo procurar um poço ao acaso, na

imensidão do deserto. No entanto, pusemo-nos a caminho.

Já tínhamos andado horas em silêncio quando a noite caiu e as estrelas começaram

a brilhar. Eu as via como em sonho, porque tinha um pouco de febre, por causa da sede.

As palavras do principezinho dançavam-me na memória:

- Tu tens sede também? perguntei-lhe.

Mas não respondeu à minha pergunta. Disse apenas:

- A água pode ser boa para o coração ...

Não compreendi sua resposta e calei-me... Eu bem sabia que não adiantava

interrogá-lo.

Ele estava cansado - Sentou-se. Sentei-me junto dele.

E, após um silêncio, disse ainda:

- As estrelas são belas por causa de uma flor que não se vê...

Eu respondi "mesmo" e fitei, sem falar, a ondulação

da areia enluarada..

- O deserto, belo, acrescentou ...

E era verdade. Eu sempre amei o deserto. A gente se senta numa duna de areia.

Não se vê nada. Não se escuta nada. E no entanto, no silêncio,alguma coisa irradia... e

.. O que torna belo o deserto, disse o principezinho, é que ele esconde um poço

nalgum lugar.

Fiquei surpreso por compreender de súbito essa misteriosa irradiação da areia.

Quando eu era pequeno, habitava uma casa antiga, e diziam as-lendas que ali fora

enterrado um tesouro. Ninguém, é claro, o conseguira descobrir, nem talvez mesmo o

procurou. Mas ele encantava a casa toda - Minha casa escondia um tesouro no fundo do

coração. . .

- Quer se trate da casa, das estrelas ou do deserto, disse eu ao principezinho, o que

faz a sua beleza é invisível !

- Estou contente, disse ele, que estejas de acordo com a raposa.

Como o principezinho adormecesse, tomei-o nos braços e prossegui a caminhada.

Eu estava comovido. Tinha a impressão de carregar um frágil tesouro. Parecia-me mesmo

não haver na Terra nada mais frágil. Considerava, à luz da lua, a fronte pálida, os olhos

fechados, as mechas de cabelo que tremiam ao vento. E eu pensava: o que eu vejo não é

mais que uma casca. O mais importante é invisível..,

Como seus lábios entreabertos esboçassem um sorriso, pensei ainda: "O que tanto

me comove nesse príncipe adormecido é sua fidelidade a uma flor; é a imagem de uma

rosa que brilha nele como a chama de uma lâmpada, mesmo quando dorme. . . " Eu o

pressentia então mais frágil ainda.

É preciso proteger as lâmpadas com cuidado: um sopro as pode apagar...

E, caminhando assim, eu descobri o poço. O dia estava raiando.

XXV

- Os homens, disse o principezinho, se enfurnam nos rápidos, mas não sabem o que

procuram. Então eles se agitam, ficam rodando à toa ...

E acrescentou:

- E isso não adianta ...

O poço a que tínhamos chegado não se parecia de forma alguma com os poços do

Saara. OS poços do Saara são simples buracos na areia. Aquele, parecia um poço de

aldeia - Mas não havia ali aldeia alguma, e eu julgava sonhar.

- É estranho, disse eu ao principezinho, tudo está preparado: a roldana, o balde e a

corda.

Ele riu, pegou a corda, fez girar a roldana. E a roldana gemeu como gemem os

velhos cata-ventos quando o vento dormiu por muito tempo.

- Tu escutas? disse o príncipe. Estamos acordando o poço, ele canta ...

Eu não queria que ele fizesse esforço:

- Deixa que eu puxe, disse eu, é muito pesado para o teu tamanho.

Lentamente, icei o balde até em cima, e o instalei com cuidado na borda do poço.

Nos meus ouvidos permanecia ainda o canto da roldana, e na água, que ainda brilhava,via

tremer o sol.

- Tenho sede dessa água, disse o principezinho. Dá-me de beber ...

E eu compreendi o que ele havia buscado!

Levantei-lhe o balde até a boca. Ele bebeu, de olhos fechados. Era doce como uma

festa. Essa água era muito mais que um alimento. Nascera da caminhada sob as estrelas,

do canto da roldana, do esforço do meu braço. Era boa para o coração, como um presente.

Quando eu era pequeno, todo o esplendor do presente de Natal estava também na luz da

árvore, na música da missa de meia-noite, na doçura dos risos ...

- Os homens do teu planeta, disse o principezinho, cultivam cinco mil rosas num

mesmo jardim ... e não encontram o que procuram ...

- Não encontram, respondi...

E no entanto o que eles buscam poderia ser achado numa só rosa, ou num

pouquinho d'água ...

- É verdade.

E o principezinho acrescentou:

- Mas os olhos são cegos. É preciso buscar com o coração ...

Eu havia bebido. Respirava facilmente. A areia é cor de mel quando amanhece. E a

cor de mel me fazia feliz.

Por que haveria eu de estar triste? ...

- É preciso, disse baixinho o príncipe, que cumpras a tua promessa. Ele estava, de

novo, sentado junto de mim.

- Que promessa?

- Tu sabes ... a mordaça do meu carneiro ... eu sou responsável pela flor!

Tirei do bolso as minhas tentativas de desenho. o principezinho os viu e disse

rindo:

- Teus baobás parecem um pouco repolhos...

- Oh!

Eu estava tão orgulhoso dos meus baobás!

- Tua raposa. . . as orelhas dela. . . parecem chifres. . . são compridas demais.

Ele riu outra vez.

- Tu és injusto, meu bem, eu só sabia desenhar jibóias abertas e fechadas ...

Não faz mal, disse ele, as crianças entendem.

Rabisquei, portanto, uma pequena mordaça. Mas sentia, ao entregá-la, um aperto

no coração:

Tu tens projetos que eu ignoro...

Ele não me respondeu. Mas disse:

- Lembras-te da minha queda na Terra? Amanhã será o aniversário...

Depois, após um silêncio, acrescentou:

- Caí pertinho daqui ...

E ficou vermelho ao dizê-lo.

E de novo, sem compreender porque, eu sentia um estranho pesar. No entanto,

ocorreu-me a pergunta:

- Então não foi por acaso que vagavas sozinho, quando te encontrei, há oito dias, a

milhas e milhas de qualquer região habitada! Não estarias voltando ao ponto da queda?

O principezinho ficou vermelho de novo.

E eu acrescentei, hesitando:

- Terá sido por causa do aniversário? ...

O principezinho ficou mais vermelho. Não respondia nunca às perguntas. Mas

quando a gente fica vermelho, não é o mesmo que dizer "sim"?

- Ah ! disse-lhe eu, eu tenho medo ...

Mas ele respondeu:

- Tu deves agora trabalhar. Ir em busca do teu aparelho. Espero-te aqui. Volta

amanhã de tarde. . .

Mas eu não estava tranqüilo. Lembrava-me da raposa.

A gente corre o risco de chorar um pouco quando se deixou cativar...

XXVI

Havia, ao lado do poço, a ruína de um velho muro de

pedra. Quando voltei do trabalho, no dia seguinte, vi, de longe, o principezinho

sentado no alto, com as pernas balançando. E eu o escutei dizer:

Tu não te lembras então? Não foi bem aqui o lugar

Uma outra voz devia responder-lhe, porque replicou em seguida:

- Não; não estou enganado. O dia é este, mas não o lugar...

Prossegui o caminho para o muro. Continuava a não ver ninguém. No entanto o

principezinho replicou novamente:

Está bem. Tu verás onde começa, na areia, o sinal dos meus passos. Basta esperarme.

Estarei ali esta noite.

Eu me achava a vinte metros do muro e continuava a não ver nada. O

principezinho disse ainda, após um silêncio:

- O teu veneno é do bom? Estás certa de que não vou sofrer muito tempo?

Parei, o coração apertado, sem compreender ainda.

- Agora, vai-te embora, disse ele ... eu quero descer!

Então baixei os olhos para o pé do muro, e dei um salto! Lá estava, erguida para o

principezinho, uma dessas serpentes amarelas que nos liquidam num minuto. Enquanto

procurava o revólver no bolso, dei uma rápida corrida.

Mas, percebendo o barulho, a serpente se foi encolhendo lentamente, como um

repuxo que morre. E, sem se apressar demais, enfiou-se entre as pedras, num leve tinir de

metal.

Cheguei ao muro a tempo de receber nos braços o meu caro principezinho, pálido

como a neve.

- Que história é essa? Tu conversas agora com as serpentes?

Desatei o nó do seu eterno lenço dourado. Umedeci- lhe as têmporas. Dei-lhe água.

E agora, não ousava perguntar-lhe coisa alguma. Olhou-me gravemente e passou-me os

bracinhos no pescoço. Sentia-lhe o coração bater de encontro ao meu, como o de um

pássaro que morre, atingido pela carabina. Ele me disse:

- Estou contente de teres descoberto o defeito do maquinismo. Vais poder voltar

para casa...

- Como soubeste disso?

Eu vinha justamente anunciar-lhe que, contra toda expectativa, havia realizado o

conserto !

Nada respondeu à minha pergunta, mas acrescentou:

- Eu também volto hoje para casa...

Depois, com melancolia, ele disse:

- É bem mais longe ... bem mais difícil...

Eu percebia claramente que algo de extraordinário se passava. Apertava-o nos

braços como se fosse uma criancinha; mas tinha a impressão de que ele ia deslizando

verticalmente no abismo, sem que eu nada pudesse fazer para detê-lo...

Seu olhar estava sério, perdido ao longe:

- Tenho o teu carneiro. E a caixa para o carneiro.

E a mordaça. . .

Agora, vai-te embora, disse ele ... eu quero descer!

Ele sorriu com tristeza.

Esperei muito tempo. Pareceu-me que ele ia se aquecendo de novo, pouco a pouco:

- Meu querido, tu tiveste medo...

É claro que tivera. Mas ele sorriu docemente.

- Terei mais medo ainda esta noite ...

O sentimento do irreparável gelou-me de novo. E eu compreendi que não podia

suportar a idéia de nunca mais escutar esse riso. Ele era para mim como uma fonte no

deserto.

- Meu bem, eu quero ainda escutar o teu riso ...

Mas ele me disse:

- Faz um ano esta noite. Minha estrela se achará justamente em cima do lugar onde

cai o ano passado ...

Meu bem, não será um sonho mau essa história de serpente, de encontro marcado,

de estrela?

Mas não respondeu à minha pergunta. E disse:

- O que é importante, a gente não vê ...

- A gente não vê ...

- Será como a flor. Se tu amas uma flor que se acha numa estrela, é doce, de noite,

olhar o céu. Todas as estrelas estão floridas.

- Todas as estrelas estão floridas.

- Será como a água. Aquela que me deste parecia música, por causa da roldana e

da corda... Lembras-te como era boa?

- Lembro-me...

Tu olharás, de noite, as estrelas. Onde eu moro é muito pequeno, para que eu possa

te mostrar onde se encontra a minha. É melhor assim. Minha estrela será então qualquer

das estrelas. Gostarás de olhar todas elas ... Serão, todas tuas amigas. E depois, eu 'vou

fazer-te um presente ...

Ele riu outra vez.

- Ah! meu pedacinho de gente, meu amor,como eu gosto de ouvir esse riso!

- Pois é ele o meu presente ... será como a água...

- Que queres dizer?

- As pessoas têm estrelas que não são as mesmas.

Para uns, que viajam, as estrelas são guias. Para outros, elas não passam de

pequenas luzes. Para outros, os sábios, são problemas. Para o meu negociante, eram ouro.

Mas todas essas estrelas se calam. Tu, porém, terás estrelas como ninguém...

- Que queres dizer?

- Quando olhares o céu de noite, porque habitarei uma delas, porque numa delas

estarei rindo, então será como se todas as estrelas te rissem ! E tu terás estrelas que sabem

rir!

E ele riu mais uma vez.

- E quando te houveres consolado (a gente sempre se consola), tu te sentirás

contente por me teres conhecido.

Tu serás sempre meu amigo. Terás vontade de rir comigo.

E abrirás às vezes a janela à toa, por gosto ... E teus amigos ficarão espantados de

ouvir-te rir olhando o céu. Tu explicarás então: "Sim, as estrelas, elas sempre me fazem

rir!" E eles te julgarão maluco. Será uma peça que te prego ...

E riu de novo.

- Será como se eu te houvesse dado, em vez de estrelas, montões de guizos que

riem ...

E riu de novo, mais uma vez. Depois, ficou sério:

- Esta noite ... tu sabes ... não venhas.

- Eu não te deixarei.

- Eu parecerei sofrer ... eu parecerei morrer. É assim. Não venhas ver. Não vale a

pena...

- Eu não te deixarei.

Mas ele estava preocupado.

- Eu digo isto ... também por causa da serpente. É preciso que não te morda. As

serpentes são más. Podem morder por gosto ...

- Eu não te deixarei.

Mas uma coisa o tranqüilizou:

- Elas não tem veneno, é verdade, para uma segunda mordida...

Essa noite, não o vi pôr-se a caminho. Evadiu-se sem rumor. Quando consegui

apanhá-lo, caminhava decidido, a passo rápido. Disse-me apenas:

- Ah ! estás aqui ...

E,ele me tomou pela mão. Mas afligiu-se ainda:

- Fizeste mal. Tu sofrerás. Eu parecerei morto e não será verdade...

Eu me calava.

Tu compreendes. É longe demais. Eu não posso

carregar esse corpo. É muito pesado.

Eu me calava.

- Mas será como uma velha casca abandonada. Uma casca de árvore não é triste...

Eu me calava.

Perdeu um pouco da coragem, Mas fez ainda um esforço:

Será bonito, sabes? Eu também olharei as estrelas.

Todas as estrelas serão poços com uma roldana enferrujada.

Todas as estrelas me darão de beber...

Eu me calava.

- Será tão divertido ! Tu terás quinhentos milhões de guizos, eu terei quinhentos

milhões de fontes ...

E ele se calou também, porque estava chorando...

- É aqui. Deixa-me dar um passo sozinho.

E sentou-se, porque tinha medo.

Disse ainda:

- Tu sabes ... minha flor ... eu sou responsável por ela! Ela é tão frágil! Tão

ingênua! Tem quatro espinhos de nada para defende-la do mundo ...

Eu sentei-me também, pois não podia mais ficar de pé.

Ele disse:

- Pronto ... Acabou-se ...

Hesitou ainda um pouco, depois ergueu-se. Deu um passo. Eu ... eu não podia

mover-me.

Houve apenas um clarão amarelo perto da sua perna.

Permaneceu, por um instante, imóvel. Não gritou. Tombou devagarinho como uma

árvore tomba.

Nem fez sequer barulho, por causa da areia.

XXVII

E agora, certamente, já se vão seis anos ... jamais contara essa história. Os

camaradas ficaram contentes de ver-me são e salvo. Eu estava triste, mas dizia: É o

cansaço...

Agora já me consolei um pouco. Mas não de todo. Sei que ele voltou ao seu

planeta; pois, ao raiar do dia, não lhe encontrei o corpo. Não era um corpo tão pesado

assim ...

E gosto, à noite, de escutar as estrelas. Quinhentos milhões de guizos ...

Mas eis que sucede uma coisa extraordinária. Na mordaça que desenhei para o

principezinho, esqueci de juntar a correia! Não poderá jamais prendê-la no carneiro. E eu

pergunto então: "Que se terá passado no planeta? Pode bem ser que o carneiro tenha

comido a flor. . . "

Ora eu penso: "Certamente que não! O principezinho encerra a flor todas as noites

na redoma de vidro e vigia bem o carneiro. . . " Então, eu me sinto feliz. E todas as

estrelas riem docemente.

Ora eu digo: "Uma vez ou outra a gente se distrai e basta isto ! Esqueceu uma noite

a redoma de vidro ou o carneiro saiu de mansinho, sem que fosse notado. Então os guizos

se transformam todos em lágrimas.

Eis aí um mistério bem grande. Para vocês, que amam também o principezinho,

como para mim, todo o universo muda de sentido, se num lugar, que não sabemos onde,

um carneiro, que não conhecemos, comeu ou não uma rosa ...

Olhem o céu. Perguntem: Terá ou não terá o carneiro comido a flor? E verão como

tudo fica diferente ...

E nenhuma pessoa grande jamais compreenderá que isso tenha tanta importância!

Esta é, para mim, a mais bela paisagem do mundo, e também a mais triste. É a

mesma da página precedente. Mas desenhei-a de novo para mostrá-la bem. Foi aqui que o

principezinho apareceu na terra, e desapareceu depois.

Olhem atentamente esta paisagem para que estejam certos de reconhecê-la, se

viajarem um dia na África, através do deserto.

E se acontecer passarem por ali, eu lhes suplico que não tenham pressa e que

esperem um pouco bem debaixo da estrela ! Se então um menino vem ao encontro de

vocês, se ele ri, se tem cabelos de ouro, se não responde quando interrogam, adivinharão

quem é. Então, por favor, não me deixem tão triste; escrevam-me depressa que ele

voltou...


FIM


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